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GESTÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL ORGANIZAÇÃO DO TURISMO Objetivo Valorização e conservação de modo a reforçar a identidade do lugar (social)

Transformação do lugar do destino turístico

(comercial)

Usufruidor Residentes Turistas, visitantes

Atores Entidades públicas, associações, fundações

Tour operators, agências de viagens, empresas hoteleiras Organizações internacionais de referência UNESCO (conservação e promoção da cultura) UNWTO (promover a difusão do turismo no mundo)

Fonte: Rocca, 2014, p. 327. Reelaborado pelo autor.

Quadro 17 - Gestão do património cultural e organização do turismo.

Assim, uma solução para estas problemáticas passa pelo planeamento, que tem que ter em conta todos os diferentes elementos materiais e imateriais presentes no território, como os sociais, económicos, psicológicos e antropológicos, relacionados com o passado e com o futuro do território numa visão global (Gunn, 1972).

Mais especificamente, «o desenvolvimento do turismo urbano requer o planeamento do território (…) isto pode acontecer por meio de planos especializados para o turismo, elaborados para os lugares urbanos, ou mais apropriadamente, o turismo está incluído como um dos elementos de um plano geral global» (Inskeep, 1991 p. 29).

Em suma, representa um modelo de desenvolvimento global do turismo, que vê no

planeamento estratégico o seu ponto de coesão (Scarpelli, 2002).

O plano estratégico é, portanto, um instrumento de gestão do território endereçado ao desenvolvimento do mesmo, através da individualização de objetivos e de linhas de ação de planeamento, com a particular caraterística de ser um documento partilhado pelos atores do território (Papa, 2010). O esquema da Figura 19 clarifica, em síntese, um processo virtuoso de planeamento estratégico.

O núcleo urbano (na parte de cima do esquema) é considerado um sistema, em que os componentes atores, atividades e território interagem entre eles, determinando a unicidade e a identidade do sistema urbano.

195 A fase seguinte compreende a parte inerente ao posicionamento estratégico da cidade dentro do mercado (por exemplo, no âmbito do turismo urbano, considerados os recursos disponíveis, analisa-se o mercado que se quer atingir) e a de partilha dos objetivos prefixados pelos autores. A fase de planeamento deve conter as peculiaridades histórico- artísticas do centro histórico, considerado por meio dos princípios teóricos expressos pelo restauro urbano123.A fase seguinte, de gestão, pode ser interpretada como uma sala de produção, para verificar se os objetivos do plano foram atingidos e, então, iniciar um novo

processo virtuoso de planeamento, considerando as variações verificadas temporalmente.

Elaborado pelo autor. Fig. 19 - Planeamento sustentável das cidades do património.

123 Existem na literatura italiana diversas definições de restauro urbano, a partir daquela dada em 1961 por

Roberto Pane. Por simplificação, reporta-se aqui a definição de Boriani: «a disciplina que enfrenta os problemas de preservação, de conservação e de reutilização do património histórico-arquitetónico e paisagístico entendido como sistema, isto é estrutura formal complexa resultado da contínua ação do homem e da natureza no território» (Boriani, 2008).

ATORES ATIVIDADES TERRITÓRIO

SISTEMA URBANO

PESQUISA DE MERCADO

PLANO ESTRATÉGICO PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO

PLANEAMENTO

GESTÃO DO PLANO

196 No caso específico dos centros históricos (e num sentido lato, também das cidades do património, as quais podem ser consideradas uma extensão concetual dos anteriores), o tema apresenta-se ainda mais complexo, dada a fragilidade do objeto a planear.

Atualmente, o tema da conservação e do restauro dos centros históricos e das cidades de património é muito debatido a nível global, seja pelo ponto de vista político, seja pelo científico (Gianbruno, 2007).

De facto, o grande interesse do público pelas cidades pré-industriais não pode estar circunscrito apenas à função de grande conservador de obras de arte (cf. parágrafo I.2.4) mas, como sublinha Secchi (2011), apresenta pelo menos três razões distintas.

A primeira refere-se ao grande conforto do espaço público. Este não está apenas limitado à forma ou às irregulares articulações destes espaços, mas aponta, por seu lado, para as condições do microclima do edificado, na relação deste último com os espaços livres, na orientação dos edifícios, nos materiais utilizados.

Uma segunda abordagem mobiliza a natureza dos espaços abertos: das estradas, das praças, dos pátios, onde decorrem os principais hábitos coletivos, desde a festa ao mercado e aos ritos religiosos.

A sucessão de pequenos espaços que se ampliam dramaticamente em praças com vista para edifícios religiosos ou de grande interesse, provoca ainda no observador sensações prazerosas de admiração e interesse (Choay, 2003).

Uma terceira abordagem deriva diretamente das duas precedentes e é, provavelmente, a mais subtil: defende a relação entre a cidade e do seu território circunstante, a partir da adaptação da orografia do solo até ao feliz relacionamento com a paisagem extraurbana, que restituem uma imagem complexa de uma cidade sugestiva e de alta qualidade - aspeto que dificilmente é possível encontrar na cidade contemporânea.

Na verdade, grande parte das cidades europeias, em particular aquelas na área mediterrânea, têm uma origem antiquíssima, sendo, na maioria dos casos, urbes fundadas na época greco-romana, que apresentam uma implantação citadina quase integral, formada por edifícios que geralmente mostram interessantes estratificações. Entretanto, o restauro urbano não apresenta poucas dificuldades: desde o conflito entre a propriedade privada e o bem público à procura de financiamentos públicos (sempre mais difíceis numa época de recessão económica), passando pelos evidentes problemas ligados à disciplina das novas funções urbanas compatíveis com o construído, como aquelas ligadas ao comércio e ao consumo cultural.

Neste contexto, tem que se analisar que a tendência atual. Na maioria dos casos, considera-se o simples restauro de antigos edifícios ou de antigas oficinas, não com o

197 propósito de os valorizar como testemunhos do passado, mas mais no sentido de os orientar para novas funções, de acordo com as exigências económicas do presente. Assim, juntamente com a escolha da localização da intervenção por motivos funcionais, assume cada vez mais importância a localização simbólica e a realização dos espaços de

amostra.

Os centros históricos das cidades transformam-se, então, em polos organizados, que funcionam como um enorme íman de atração para os novos residentes e turistas (Codeluppi, 2007). Os residentes são caraterizados por terem uma boa capacidade económica e, sobretudo, são atraídos pelos baixos valores imobiliários e pela mudança do gosto, «a procura da heterogeneidade, do pequeno, do personalizado, do diferente são um modo de pôr em causa a cidade estandardizada dos grandes projetos, das grandes alturas, do impessoal e do massificado, que se produz nas novas urbanizações da periferia e leva à valorização de espaços antigos, que assim renascem para novos destinos» (Barata Salgueiro, 1999 p. 401).

Estes centros requalificados acolhem novas funções comerciais, residenciais e de serviço destinadas às classes sociais mais ricas, dando origem ao fenómeno conhecido por

gentrification (Morelli, 2010).

Ao mesmo tempo, a presença de restaurantes e cafés abrangidos pelas transformações provocadas pela regeneração urbana acionam o processo de turistificação destas áreas, alimentando «novas procuras no domínio do comércio, da hotelaria, dos serviços e equipamentos de cultura e lazer» (Barata Salgueiro, 2005, p. 268). Ambos os fenómenos, se não controlados, podem levar à ocorrência de uma profunda alteração dos centros históricos: frequentemente, nas ações de regeneração urbana, privilegia-se a aparência externa de edifícios e dos espaços em vez do aspeto socioeconómico, a tal ponto que a devida consideração deste último carateriza qualitativamente a ação de restauração (Gonçalves, 2002)124. Deixando à parte o aprofundamento das causas e das soluções que

limitam o fenómeno da gentrification, nesta argumentação é mais apropriado concentrar a atenção sobre o fenómeno da turistificação dos centros históricos. Assumindo que a completa museificação dos centros históricos é uma forma de recuperação não de todo aceitável, é essencial que o adequado planeamento do turismo tenha em conta os limites a serem colocados ao desenvolvimento turístico, perseguindo um modelo capaz de garantir uma sustentabilidade duradoura, baseado na relação dinâmica tripolar entre os

124 O patrimônio como categoria de pensamento. (2002): http://www.proppi.uff.br/turismo/sites/default/fi

198 principais componentes do turismo, "residentes-turistas-ambiente", em que as duas primeiras variáveis do relacionamento afetam a terceira.

A fim de realizar, como descrito acima, é preciso encontrar um equilíbrio entre os objetivos das diferentes partes interessadas, adotar uma abordagem que tenha em conta as sobreposições e as interações dos domínios de ação de cada um.

Os sociólogos do turismo esclarecem como a relação host-guest, já abordada anteriormente, pode facilmente degenerar em confrontos e conflitos. Estes dependem, principalmente, das diferenças culturais e dos costumes das duas populações, sendo também afetada por outros fatores, tais como a natureza dos contatos (diretos e indiretos) entre os dois grupos humanos e, portanto, também a intensidade e a duração do contato (Pérez, 2009). Na maioria das vezes, é precisamente nos centros históricos que existe a maior concentração de equipamentos e de serviços para turistas, podendo estes degenerar em lugares de intolerância e de confronto125. A título de exemplo, a Quadro 18

mostra a relação turistas/residentes para o ano de 2008. Será imediatamente possível notar o grande número de turistas em relação aos moradores na cidade de Veneza, que muitas vezes é a causa de atrito entre os dois tipos de população.

CIDADES TURISTAS/RESIDENTES Barcelona 4.4 Bruges 6.5 Londres 3.6 Paris 7.1 Sevilha 3.5 Florença 7.8 Roma 3.7 Veneza 35.7 Fonte: Becheri, 2009, p. 22.

Quadro 18 - Relação entre turistas e residentes em algumas cidades europeias (2008).

125 É notório que, principalmente, os centros históricos das grandes cidades são utilizados como lugares de

encontro das populações turísticas, mas também dos residentes de outras zonas da cidade (em particular jovens, flâneur), que usualmente com o seu comportamento causam distúrbios à tranquilidade pública, alimentando conflitos com os residentes.

199 As Cartas e Declarações produzidas pelos órgãos oficiais e dedicadas ao turismo foram- se sucedendo, com o intuito de dar uma maior consistência a tais conteúdos, definindo prioridades, objetivos e meios necessários para promover o turismo sustentável em ambientes urbanos históricos com problemáticas muito diversificadas126.

Todos estes documentos apelam diretamente ou indiretamente ao conceito de

capacidade de acomodação127 que, aplicado ao turismo, não só indica o número máximo

de pessoas que podem entrar numa determinada área, mas é utilizado também para assinalar o limite (número de pessoas) que, uma vez superado, originará efeitos negativos sobre o ambiente físico (capacidade ecológica) e sobre a experiência dos visitantes (capacidade social).

Sobre este assunto, O’Reilly (1986) esclarece que tal conceito conduz a duas escolas de pensamento distintas. Enquanto uma considera como elemento fulcral para a determinação da capacidade de acomodação, o número de turistas desejados pela comunidade local, a segunda, por sua vez, concebe a capacidade de acomodação como o limiar além do qual os fluxos turísticos tendem a diminuir, sendo superados os valores limite da localidade consideradas aceitáveis pelos turistas.

A capacidade de acomodação de um destino, sendo um conceito de natureza dinâmica, resulta fortemente diversificada com base na posição das localidades no seu ciclo de vida e assume valores diferentes segundo o perfil de análise.

Na fase de exploração, por exemplo, o valor da capacidade de acomodação a nível social poderia resultar muito elevado, quase ilimitado, enquanto, a nível físico, por falta de estruturas, poderia assumir valores mais contidos.

O caso oposto surge na fase de estagnação, em que o desenvolvimento das estruturas alcançou o seu ápice, sendo muito elevada a capacidade de acomodação física - ainda que a comunidade local se encontre numa condição antagónica no que diz respeito ao turismo, tornando os parâmetros sociais um fator limitante.

A individualização da capacidade de acomodação ideal do destino nas várias fases do ciclo de vida, unida à definição de uma adequada política de desenvolvimento turístico,

126 Entre os mais recentes e importantes encontram-se a Carta do Turismo Sustentável de Lanzarote (1995)

promovida pelas UNWTO, UNESCO, União Europeia, a Carta de Calvià 2004 e a Conferência Internacional sobre a Gestão do Turismo Sustentável e Heritage Sites 2008 de Huangshan (China).

127 O conceito de capacidade de acomodação foi primeiramente usado no tema das dinâmicas das

populações, onde indicava o número de organismos viventes sobre um determinado território, no qual a população é contante, visto que a taxa de mortalidade e de crescimento se equilibravam. Aplicada ao turismo a partir dos anos oitenta, a capacidade de acomodação não é adequada a definições simples e imediata; sob este termo se esconde um compromisso entre o desejo de minimizar os danos sobre o ambiente, entendido como recurso, e o de maximizar o seu usufruto.

200 manifesta-se como parte integrante do processo de planeamento do turismo e como pressuposto inevitável para evitar o seu declínio.

Numerosos problemas são encontrados por traduzir em termos operativos o conceito de capacidade de acomodação como, por exemplo, nas cidades do património, em que o ponto sensível é a concentração de visitantes em áreas particulares em determinados períodos.

Daqui se entende que o valor de capacidade de acomodação depende do tipo de área em exame e da sua extensão.

De facto, quanto mais vasta a área em consideração, mais aproximado é o valor calculado, dependendo também da tipologia das atrações principais presentes no território: um parque natural tem valores completamente diferentes de um centro histórico ou de um local arqueológico.

As considerações aqui tratadas aclararam como o cálculo deste valor pode ser muito complexo, não existindo uma forma inequívoca de estabelecer a capacidade de acomodação de um centro urbano, sendo que, as variáveis a considerar são muitas, como a estação, o espaço, o ambiente e a cultura (Orbaşli, 2000). Portanto, não é um valor absoluto, cada localidade tem um limite de margem ou tolerância, diferente de lugar para lugar.

Todavia não é menos problemático a determinação daquele valor. Estas complicações levaram alguns estudiosos a concluir que a noção de capacidade de acomodação para um centro urbano é errónea ou imperfeita. Com este propósito, Wall (1982) demonstrou que qualquer seja o critério estabelecido para o cálculo da capacidade de acomodação, este último terá uma forte componente subjetiva, porque cada localidade é distinta das outras e, até observando o mesmo local, as condições consideradas limitadoras para um visitante podem ser aceitáveis para um outro.

No entanto, é a partir da individualização dos critérios em que se baseiam e selecionam a clientela turística, com o intuito de não superar a capacidade de acomodação, que podem surgir dados importantes sobre a igualdade ou aplicabilidade dos mesmos (Costa,1993). Tendo a utilização desta metodologia resultados pouco significativos, diversos estudiosos têm aprofundado a afinação de modelos específicos com base em contextos ambientais particulares128.

128 A Organização Mundial para o Turismo distinguiu oito tipos de ecossistemas: zonas costeiras, zonas

montanhosas, parques e áreas naturais protegidas, locais ecológicos de particular importância, áreas metropolitanas/urbanas, locais culturais (tradições locais), locais culturais (património artístico), pequenas ilhas e arquipélagos; fazendo referência a alguns destes categorizou ainda indicadores específicos.