• Nenhum resultado encontrado

As diferenças significativas na rotina e nos objetos/brinquedos observados nas classes

8 ANÁLISE E DISCUSSÃO

8.1 As diferenças significativas na rotina e nos objetos/brinquedos observados nas classes

A 1a etapa teve como objetivo identificar como eram as rotinas e que tipos de brinquedos eram disponibilizados em cada classe, além de tentar compreender as particularidades do cotidiano de cada criança para além da escola; detalhes do diagnóstico, pontos em comum e divergentes; possíveis dificuldades e potencialidades; tratamentos especializados extracurriculares; se brinca em casa e se sim, quais suas brincadeiras favoritas. As discussões e análises dessa etapa foram descritas abaixo.

A rotina - (Tabela 8)

Na rotina da Classe Especial, observou-se que as brincadeiras ocorriam apenas nos momentos livres, entre uma atividade e outra ou em algum tempo “de sobra”. Dessa forma, esses poucos momentos de brincadeira aconteciam sem planejamento ou intencionalidade e sempre sem mediação. As atividades principais eram pedagógicas e formais, indo ao encontro dos estudos que pontuam a escassez de momentos de brincadeira, especialmente para crianças com desenvolvimento atípico (Barbato & Mieto, 2015). Na escola, a maior necessidade de direcionar os momentos da criança com autismo para atividades pedagógicas parece, de fato, uma intenção de se recuperar um pseudoprejuízo cognitivo, deixando a brincadeira, que deveria ser prioridade – especialmente na pré-escola – de lado (Barbato & Mieto, 2015; Cruz, 2015; Gonzaga & Borges, 2018; Silva, Costa & Abreu, 2015, Pedroza, 2005). Além disso, os momentos de brincadeira de Mickey (CE) eram solitários, em um espaço pequeno, com quase nenhuma interação com a professora e pares de desenvolvimento típico. Assim, esses momentos individuais de brincar não contribuíam para impulsionar o surgimento/desenvolvimento da brincadeira, tal como aprender as funções e os usos dos objetos, simbolizar e/ou brincar de faz-de-conta, oportunidades que ele poderia ter em espaços com pares e principalmente a partir de relações triádicas (Cárdenas, Palacios & Rodríguez, 2014; Palacios & Rodríguez 2015; Rodríguez, 2009; 2012).

Entende-se que estar em uma Classe Especial, sala individualizada para crianças com autismo, inviabiliza a apropriação de bens culturais, que são base fundamental da escola, e que só seria possível a partir de vivências no brincar em coletivo (Elkonin, 2009; Vigotski, 2008; 2018). Ademais, os momentos de vivência – período previsto de interação com outra classe, nesse caso a Integração Inversa (Distrito Federal, 2018) – aconteciam somente uma vez na semana e Mickey participava apenas do momento de atividade pedagógica com a referida

classe. Assim, também não havia possibilidades brincantes com os pares de desenvolvimento da outra classe na rápida oportunidade em coletivo.

Já na observação do período vespertino da Integração Inversa47, que segundo a professora II seguia as mesmas especificidades no turno matutino, foram verificadas atividades pedagógicas e momentos de brincadeiras em quantidades equilibradas. Os momentos se intercalavam em rodinha e direcionamento da professora para atividade pedagógica, leitura seguida de um momento de brincadeira com objetos/brinquedos escolhidos pela professora e momento de brincadeira livre, no qual as crianças escolhiam seus objetos/brinquedos – às vezes em sala, às vezes na varanda ou no parque –, enquanto esperavam os responsáveis. Dessa forma, é possível observar que na Integração Inversa, tanto nos momentos de atividade pedagógica como em momentos de brincadeira, havia uma intencionalidade nos direcionamentos da professora II.

Ademais, a criança com autismo tem a interação indispensável dos pares de desenvolvimento, além de um espaço físico adequado e tempo específico para o brincar na rotina (Cruz, 2015; Fonseca, Nery & Pedroza, 2010; Marcolino & Mello, 2015; Santos, Barbato & Delmondez, 2016; Souza, 2020). E mesmo nos momentos em que a professora escolhia os objetos/brinquedos, as crianças tinham oportunidade de brincarem livremente entre si e recebiam mediação só quando necessário. Dessa forma, valorizava-se a espontaneidade, autonomia e agencialidade das crianças (Santos, Barbato & Delmondez, 2016) e, especialmente, um protagonismo dos pares no processo de desenvolvimento da criança com autismo.

Pontua-se aqui que, na entrevista, a mãe de Mickey relatou que ele é filho único e, em casa, brinca sozinho com brinquedos de encaixe, letras, números, bolha de sabão, além de

47 Reitera-se que apesar de essa ser uma turma de período integral, foi observada apenas no seu horário vespertino, para que a análise seguisse o mesmo tempo da criança da Classe Especial.

objetos pequenos como pote de pedrinhas, bolinhas e botões, enfileirando-os. Já a mãe de MaxSteel relatou que, em casa, ele brinca com o irmão mais velho e gosta de fazer de conta que é um super-herói. Embora Mickey seja filho único e MaxSteel não, é possível que as crianças com autismo reproduzam as vivências do espaço escolar em casa, e vice-versa. Dessa forma, o que se observa é que a criança da Classe Especial está imersa em mundo direcionado a atividades pedagógicas, e até o enfileiramento pode estar ligado a atividades sequenciais que faz nos momentos pedagógicos na escola, tal como ordenar o alfabeto ou os números. Já a criança da Integração Inversa tem um espaço escolar brincante, onde existe o constante impulsionar do faz-de-conta.

Os objetos/brinquedos - (Tabela 9)

Foi possível observar diferenças significativas nos brinquedos disponibilizados nas classes observadas. Na Classe Especial foram encontrados, majoritariamente, brinquedos de madeira e de encaixe que tinham como objetivo, segundo as professoras, trabalhar questões pedagógicas – como contagem, psicomotricidades (Figura 3). Além desses brinquedos de cunho pedagógico, foram encontrados somente um conjunto de carrinhos e outro de animais. É interessante notar que, embora os momentos de brincadeira tenham sido escassos e existissem poucos brinquedos disponíveis que contribuíssem para brincadeiras de faz-de-conta – objetos em miniaturas que representem experiências sociais observadas pelas crianças, tais como artefatos da cozinha, animais, carros, ferramentas (Marcolino & Mello, 2015) –, em todos os momentos observados na pesquisa, Mickey escolheu os mesmos brinquedos (ora o carrinho, ora os animais).

Vale pontuar que as professoras da Classe Especial 1 e 2 relataram considerar a brincadeira indispensável na rotina escolar. Entretanto, argumentam que acabam por não colocar esse desejo em prática pois a família muitas vezes demonstra insatisfação quando elas

indicam o interesse de incluir a brincadeira na rotina. Segundo elas, os responsáveis afirmam preferir que os filhos utilizem o espaço escolar para realizar atividades pedagógicas, de maneira a aprender conteúdos acadêmicos. Com isso, os momentos de “atividade de registro” acabam por serem direcionados a conteúdos pedagógicos e atividades formais, e as brincadeiras ficam em segundo plano, já que há a “preocupação em superar o atraso” (Barbato & Mieto, 2015; Cruz, 2015; Gonzaga & Borges, 2018; Silva, Costa & Abreu, 2015, Pedroza, 2005). Ademais, tendo em vista o fato de a Classe Especial ser uma sala individualizada, todos os momentos de brincadeira acontecem em interação diádica criança com autismo-objetos/brinquedos, com momentos pontuais de mediação da professora. O que se observa é que a prática contradiz o discurso inclusivo referente à importância do brincar, demonstrando a dicotomia existente entre teoria e prática (Barbato, Mieto & Rosa, 2016).

Já na classe de Integração Inversa, foram encontrados diversos brinquedos (Figura 4) que impulsionam o processo criador das crianças na brincadeira de faz-de-conta, principalmente objetos em miniatura que imitavam artefatos do cotidiano, tais como comidinhas, pratos, talheres, caixas que eram utilizadas como fogão ou mesa, barraca, secador de cabelo, caixa de ferramenta (Marcolino & Mello, 2015). As crianças brincavam sem a necessidade de interlocução da professora II ou da Educadora Social, que tinham seus papéis de organizadoras da sala validados. Assim, as relações triádicas criança com autismo-objetos/brinquedos-outro, especialmente pares de desenvolvimento ocorriam em inúmeras oportunidades, o que contribuía no surgimento/desenvolvimento da brincadeira e, consequentemente, no processo criador e no desenvolvimento psicológico de MaxSteel (II). Nesse sentido, as crianças interagiam entre si com suas pontes comunicativas, em que se tornavam os objetos/brinquedos (Cárdenas, Palacios & Rodríguez, 2014; 2012; Palacios & Rodríguez, 2015; Rodríguez, 2009).

8.2 Processos criadores, unidade imaginação-emoção e vivências da criança com

Outline

Documentos relacionados