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CAPÍTULO I. Percursos teóricos da pesquisa: a Cinesiologia Humana

1.15 A Cinesiologia Humana no contexto da Educação Física Escolar no Brasil

1.15.1 As dimensões do conhecimento na Cinesiologia Humana

A escola, enquanto instituição de educação formal, é responsável por socializar e possibilitar aos estudantes acesso aos conhecimentos de diversas áreas, escolhidos pela sociedade que os julga imprescindíveis para que se possa atuar nela. Talvez pareça simples, porém não simplista, entender a percepção de crianças na mais tenra idade na educação infantil, quando questionadas sobre o “para que serve a escola?” Ou ainda: “o que se faz na escola?” E temos invariavelmente como resposta: “– Para estudar!”. (MARIZ DE OLIVEIRA; MARCHIORETTO; OYAMA, 1999)

Dessa forma, todas as matérias e componentes curriculares deveriam obedecer a essa lógica, mas na prática não é assim que acontece quando o assunto é Educação Física. Nesse estudo acima, mencionam os autores que quando questionado sobre o que se estuda nas aulas, um dos entrevistados responde: “Estudar a gente não estudava, a gente só fazia brincadeira [...]. Nas outras aulas a gente estuda; nas aulas de Educação Física a gente aprende a se divertir.” (MARIZ DE OLIVEIRA; MARCHIORETTO; OYAMA, 1999, p. 52)

Estudar e aprender nas aulas de educação física ou “fazer” aulas de Educação Física? Para que a educação física enfatize o estudar e aprender as aulas passariam a ser teóricas? São questões importantes, visto que, tradicionalmente, a aula de Educação Física é relacionada ao

momento de praticar atividade física, de jogar, de brincar, de extravasar ou descarregar energias enquanto finalidades principais, deixando o estudar para os demais componentes curriculares. Nessa mesma lógica, lembra Manoel (2017, p. 14) a respeito de uma conversa possível e emblemática:

João volta para casa depois de uma tarde na escola depois de aulas de matemática e ciências e sua mãe lhe pergunta: - O que você aprendeu hoje meu filho? O mesmo João volta para casa depois de uma tarde na escola que teve aula de educação física e sua mãe, novamente lhe pergunta: O que você

fez hoje meu filho? Nos verbos grifados aprender e fazer, há, subjacente,

sentidos diferentes do que se entende por conhecimentos no senso comum. Não bastasse isso, se estabelece também uma hierarquia entre um e outro. Quem aprendeu algo, se deu melhor de quem “apenas fez” algo.

De acordo ainda com Mariz de Oliveira (2011), nas aulas de Cinesiologia Humana da Educação Escolar Básica devemos considerar a relação de ensino-aprendizagem de temas voltados para o movimentar-se em relação às dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais que, ao lado da inteligência, levam à aprendizagem, redundando no conhecimento. Assim, de acordo com Fonseca e Freire (2006):

Os conhecimentos que serão ensinados aos alunos em todos os ciclos de ensino devem atender às três dimensões de conteúdos que são sugeridos por Coll, Pozo, Sarabia & Valls (1998), sendo estes conceitual, procedimental e atitudinal. Mesmo que em determinado período de escolarização um destes seja priorizado, em momento algum, nenhum poderá deixar de ser contemplado. Tratamos em específico, neste estudo, dos conhecimentos de natureza conceitual, presentes nas aulas de educação física de 1ª a 4ª série. Essa dimensão, sempre presente nas aulas, geralmente tem merecido menor atenção dos professores.

Indo ao encontro dessa ideia, Freire e Mariz de Oliveira (2004, p. 150), ao analisarem a literatura pedagógica relacionada ao componente curricular Educação Física, averiguaram que apesar dos conteúdos das obras serem compostos por fatos, princípios, conceitos, procedimentos, atitudes, normas e valores, os conhecimentos foram apresentados de forma fragmentada, privilegiando a aprendizagem do conhecimento de natureza procedimental relacionada aos jogos, esporte, à dança, às lutas ou à ginástica, enquanto os conhecimentos de natureza conceitual e atitudinal são abordados superficialmente e nem sempre são específicos da Educação Física.

Corroborando com a ideia de que o processo de aprendizagem para gerar o conhecimento nas aulas de Educação Física deve contemplar todas as dimensões do conhecimento, Ayers (2002, p. 3, grifo nosso) comenta que:

O domínio cognitivo tem sido enfatizado há muito tempo como um componente crítico da educação física (AAHPER, 1969; National Association for Sport and Physical Education [NASPE], 1995). Ainda, para Lawson (1987) continua sendo o resultado menos representado em nossa profissão. Por meio dos padrões NASPE K-12, publicados em 1995, a Aliança Americana de Saúde, Educação Física, Recreação e Dança (AAHPERD) apresentou um caso convincente para o lugar do conhecimento no desenvolvimento de indivíduos com educação física. Os Parâmetros Nacionais de Educação Física (Associação Nacional de Esporte e Educação Física [NASPE], 1995) definem o que todo estudante nos Estados Unidos

deve saber, ser capaz de fazer e apreciar sobre o conhecimento da educação física. (tradução nossa)

Corroborando com o mesmo pensamento a respeito dos conhecimentos, a American Association for Health, Physical Education and Recreation (AAHPERD, 1969), citada por Mariz de Oliveira (2008), em sua apresentação oral na Assembleia Legislativa de São Paulo, afirma que:

À medida que a criança se desenvolve, no entanto, o motivo "por que" e o reconhecimento de "como" se tornam cada vez mais importantes para uma compreensão completa de fatos, princípios e procedimentos fundamentais que auxiliam no desenvolvimento de habilidades de desempenho motor. Valores relacionados às necessidades pessoais e às necessidades dos outros são gradualmente reconhecidos pela criança e desempenham um papel importante no crescimento em direção à maturidade. (tradução nossa)

Mais recentemente, Manoel (2017, p. 19) procura apresentar a relação da Educação Física com dois blocos de conhecimentos - sendo um pertinente ao conhecimento sobre a matéria da Educação Física escolar e o outro sobre a ação pedagógica do professor - que deve contemplar três domínios:

(a) o conhecer sobre o agir profissional: corpo de conhecimento relativo à pedagogia (filosofia da educação, métodos de ensino), ao currículo, incluindo as relações e intersecções com outras disciplinas/componentes), aos estudantes e toda a comunidade escolar etc.; (b) o conhecer no agir profissional caracteriza-se por uma dimensão tácita da ação profissional e por isso nem sempre é passível de ser declarado pelo professor, alguns poderiam determinar esse conhecimento de “prático”, é um conhecer que se manifesta no limite do conhecer e do fazer; (c) o conhecer sobre a matéria: implica no domínio dos conhecimentos relativos ao que é compreendido pela educação física ou matéria/ conteúdo do que ele versa, assim esses domínios referem-se diretamente ao bloco denominado Conhecimento relativo à matéria da educação física.

Sem dúvida, saber fazer, isto é, se movimentar nas aulas, atualmente, num mundo globalizado e tecnológico, é muito importante, porém, de pouco adianta se os alunos desconhecerem o “por que fazer” e “para que fazer”; e, com certeza, atribuir a esse proceder

conceitos, fatos, valores, princípios e atitudes sobre o que é vivenciado é essencial para a construção do conhecimento poderoso mencionado por Michael Young. Dessa forma, é fundamental a experimentação e vivência em toda aula de Educação Física, mas fazer, refletir e conscientizar-se, isso é fundamental para se formar seres humanos críticos e conscientes de seus direitos e deveres de cidadãos.

Para Manoel (2017) o componente curricular é a “matéria” que os alunos deverão aprender no curso da disciplina, essa aprendizagem sobre a matéria que estuda o mover-se nas atividades físicas e esportivas, deve ser contemplada nos domínios do conhecimento:

Conhecer no mover-se corporal: compreende os processos de aquisição da

ação motora resultando numa forma de conhecimento encarnado28; Conhecer

sobre o mover-se corporal: consiste em ampliar o conhecimento no domínio

da lógica das atividades físicas e esportivas/práticas corporais – suas regras, princípios de organização e de eficiência e eficácia, nesse processo, apreender seus sentidos e significados numa perspectiva biológica, histórica, sociocultural, além das forças políticas e econômicas que neles se refletem; (c) conhecer por meio do mover-se corporal: envolve a seleção e exercício de competências associadas aos processo de tomada de decisão, de motivação, de socialização. (MANOEL, 2017, p. 24, grifos nossos)

Portanto, as aulas de Cinesiologia Humana na educação escolar devem ampliar a possibilidade desse aluno se movimentar, sendo a especificidade desse campo o movimento, nos quais seus conteúdos e temas apresentados de forma contextualizada, devem garantir o desenvolvimento desse conhecimento sobre os movimentos que realizamos.

Gardner (1995, p. 15) também nos lembra a esse respeito a partir do conceito de inteligência29, denominada “Inteligência corporal-cinestésica que é a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro ou partes dele. Dançarinos, atletas, cirurgiões e artistas, todos apresentam uma inteligência cinestésica altamente desenvolvida.”

28 De acordo com Manoel (2017, p. 25), Conhecimento Encarnado implica que “a percepção é permeada pela ação

do indivíduo no seu entorno”, reconhecido como uma linguagem proprioceptiva ou cinestésica, compreende a maneira como nosso corpo age, reage e interage com objetos e seres animados e inanimados por meio dos nossos sentidos que a partir daí efetuamos nossa ação motora. “As práticas corporais ao propiciarem um conhecer no

mover-se corporal abrem a possibilidade de outras dimensões de conhecer na experiência dessa prática. O esporte

como ação possibilita um conhecer sobre o esporte/atividade física enquanto atividade humana, prática

sociocultural e física, como também um conhecer por meio do esporte/atividade física.”

29 Para Howard Gardner (1995, p. 14), a inteligência está associada à ideia do ser humano de ser capaz de resolver