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CAPÍTULO I. Percursos teóricos da pesquisa: a Cinesiologia Humana

1.6 Educação Física na educação escolar básica e sua construção histórica

1.6.1 A Educação Física e suas abordagens

A impopularidade do governo militar era insustentável em meados de 1980, por conta da alta da inflação, desemprego, arrocho salarial e de um incidente polêmico e mal esclarecido relacionado com a explosão de um carro com dois militares, conhecido como atentado ao centro de convenções Rio Centro, em 30 de maio de 1981. Esses eventos forçaram o então presidente João B. Figueiredo a prosseguir com o processo de abertura política que culminaria, em 1982, com a eleição direta para governador e, logo em seguida, a de um presidente da República, eleito pelo voto popular, movimento reconhecido pelo nome de “Diretas Já”.

Para Darido e Rangel (2014), a redemocratização e a “abertura” contribuíram com: (1) a participação direta de professores e acadêmicos nas eleições do Poder Executivo; (2) a liberdade efetiva da comunidade acadêmica para pesquisar todas as áreas de conhecimento, inclusive aquelas opostas ao regime militar. Dessa forma, profissionais e acadêmicos, por meio de encontros e debates, trouxeram à tona questões pertinentes à Educação Física enquanto área de conhecimento científico e campo pedagógico na Educação Escolar Básica.

Dessas discussões surgiram diversas abordagens da educação física. Algumas foram influenciadas pelas ciências sociais, especialmente a sociologia e a filosofia, que contestaram o modelo anterior voltado para o esporte e aptidão física e criticaram a função social da educação física como forma de dominação capitalista, inserida numa sociedade injusta e discriminatória.

Assim, durante toda década de 1980, os principais membros da corrente chamada de “progressista”, “crítica”, ou “revolucionária”, através da apropriação de conceitos das Ciências Humanas e Sociais – principalmente do conceito de cultura – buscavam romper com uma epistemologia positivista das Ciências da Natureza, superando a crise de identidade evidenciada pela crítica presente nos debates da área. Já naquele momento, condizendo com os debates desenvolvidos no campo, entre tais membros, por exemplo, observa-

8 Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da

identidade. BRASIL (2009)

9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo

social. BRASIL (2009)

10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.

BRASIL (2009)

11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as

se que enquanto alguns se basearam em referenciais de inspiração marxista para fundamentar suas posições, outros buscaram aportes como a Fenomenologia (SILVA, 2016, p. 3).

Segundo Darido (1999) e Darido e Rangel (2014), as abordagens pedagógicas podem ser entendidas como concepções específicas para a área da Educação Física escolar que visam o rompimento do modelo de Educação Física baseado no Esporte. Ainda, para as autoras, dentre as representações de abordagens que coexistem, temos: a desenvolvimentista, a interacionista- construtivista, a crítica-superadora, a sistêmica, a psicomotricidade, a crítico-emancipatória, a saúde renovada, os estudos cinesiológicos, e os PCNs.

Estudos importantes têm sido realizados para se compreender as abordagens (DARIDO, 1999), (DARIDO; RANGEL, 2014), as vertentes (PEREIRA, 2017), e propostas pedagógicas em Educação Física (BRACHT, 1999; CASTELLANI FILHO, 1999), criando diversas classificações considerando suas características específicas. Para fins deste trabalho e para se evitar algumas confusões em futuras relações, optamos por realizar uma análise de algumas abordagens, que apresentamos a seguir.

Desenvolvimentista

Para Tani (1987), a atividade motora realizada de forma planejada pelo professor da pré-escola da Educação Infantil e do Primeiro Grau, atual ensino fundamental I, promovem o desenvolvimento global da criança, voltada para aprendizagem do movimento, onde elas aprendem a se mover. Para Tani et al. (1988, p. 135):

Acredita-se que o conhecimento dos processos12, em termos de atributos e

suas inter-relações, pode fornecer a fundamentação para atuação mais coerente da Educação Física em relação à natureza do ser humano. Isto pode ser verificado nas diversas implicações que podem ser levantadas, quando se parte para a identificação dos objetivos, conteúdos, métodos e avaliação do ensino.

Interacionista-construtivista

A abordagem interacionista-construtivista de João Batista Freire se baseia no referencial teórico da Jean Piaget e Jean Le Boulch, no qual a criatividade do professor é fundamental no

12 Para Tani et al (1988) os processos estão relacionados ao crescimento físico, desenvolvimento fisiológico,

desenvolvimento motor, aprendizagem motora, desenvolvimento cognitivo, afetivo-social, cujo foco é o movimento.

desenvolvimento de jogos e brincadeiras junto às crianças explorando as atividades lúdicas, os brinquedos e a cultura infantil.

Para Freire (1988) a Educação Corporal é uma das finalidades da Educação Física nas séries iniciais, atual ensino fundamental I, na qual a educação pelo movimento possibilita uma interação de um corpo com objetos, outros corpos, no espaço e, dessa forma, poderia educar o corpo inteiro. Da mesma forma que critica uma Educação para o movimento em que as habilidades sejam o objetivo final das aulas de Educação Física, preconizando que:

Educar corporalmente uma pessoa não significa provê-la de movimentos qualitativamente melhores, apenas. Significa também educá-la para não se movimentar, sendo necessário para isso promover-se tensões e relaxamentos, fazer e não-fazer. Freire (1988, p. 84)

Crítico-emancipatória

Para Elenor Kunz, a dialética de interação entre teoria e prática baseada na pedagogia para o ensino dos esportes caracterizou a teoria crítico-emancipatória. De acordo com Kunz (2004, p. 35):

o aluno enquanto sujeito deve ser capacitado para sua participação na vida social, cultural e esportiva, o que não significa somente a aquisição de uma capacidade de ação funcional, mas a capacidade de conhecer, reconhecer, problematizar sentidos e significados desta vida através da reflexão crítica. Com base nas teorias críticas de Habermas, Horkkeimer e Adorno, Kunz reitera que a racionalidade é uma disposição importante e é através desse processo comunicativo entre os sujeitos agentes na escola que se torna possível a promoção da libertação.

Para Kunz (2004), é negativo o uso da prática esportiva cuja finalidade se baseia no rendimento e, portanto, em um falso modelo de que em sua prática seja possível a participação de todos. Dessa forma, esse conteúdo esportivo em poder dos professores de Educação Física perpetua a dominação e a coerção, agindo como agentes reforçadores de alienação. Ainda, para o autor, é por intermédio da autorreflexão durante o processo de aprendizagem que se possibilita o esclarecimento e emancipação.

Para além do trabalho das habilidades técnicas esportivas nas aulas, o professor de Educação Física deve contemplar os elementos de dimensões conceituais e procedimentais considerando o contexto, o conteúdo, o grupo, permitindo a comunicação democrática entre ele

e os alunos, tornando essa relação de ensino-aprendizagem, atos conscientes e solidários, no nível intersubjetividade (KUNZ, 2004).

Crítico-superadora

Partindo do pressuposto de que a Educação Física é uma disciplina no âmbito escolar que trata de conhecimentos relacionados à cultura corporal e visa aos alunos aprender a expressão corporal enquanto linguagem, seus temas irão se apoiar em atividades corporais reconhecidas como: jogo, esporte, ginástica, dança e outras (SOARES et al., 1992).

Por conta da crise epistemológica, Taffarel, Teixeira e D’Agostini (2005, p. 19) defendem que:

o objeto de estudo da Educação Física é o conjunto de práticas corporais (jogos, brincadeiras, ginástica, lutas, esporte e outros) construídas historicamente pelo homem, em tempos e espaços determinados historicamente, sistematizadas ou não, que são passadas de geração a geração. Provisoriamente, denominamos essa área de conhecimento que se constrói a partir das atividades corporais de “Cultura Corporal”.

Para Darido (1999, p. 23) “a proposta crítico superadora utiliza o discurso da justiça social como ponto de apoio, e é baseada no marxismo e neo-marxismo.”

Ainda sobre o conceito de cultura corporal e sua relação com os referenciais do marxismo, Taffarel, Teixeira e D’Agostini (2005, p. 19) consideram

que “a cultura é produto da relação do homem com a natureza, com seus semelhantes e consigo mesmo, portanto, construída social e historicamente ao longo da existência humana, compreendemos o trabalho como mediador da construção da cultura de um povo destacando”, segundo Marx (1985), que o trabalho assume duplo caráter no modo de produção capitalista, é, por um lado fator essencial na constituição do ser humano e por outro, caracteriza-se como trabalho alienado dentro do ordenamento da produção através da propriedade privada dos meios de produção.

Dessa forma, para Soares et al. (1992), na escola a seleção dos conteúdos da Educação física na perspectiva de uma pedagogia crítica superadora deve viabilizar propostas concretas com projetos políticos de mudanças sociais e, assim, despertar o interesse e curiosidade dos alunos, incentivando a atitude científica de modo a promover a leitura da realidade. Os temas da cultura corporal nas aulas interpenetram dialeticamente com relevantes problemas sócio- políticos, cabendo ao professor problematizar os conteúdos a partir de elementos teóricos práticos, possibilitando aos alunos uma reflexão sobre esses problemas.

Sistêmica

Para Darido (1999), os estudos mais expressivos desta teoria com base nos estudos da sociologia, filosofia e psicologia têm em Mauro Betti seu principal e mais significativo expoente.

De acordo com Betti (1996, p. 120), a Educação Física no âmbito acadêmico, enquanto área de conhecimento “ainda não existe. Ela é um espaço possível.” mas deve ser entendida como uma “meta-teoria”, pois para além de um modo de se entender os discursos científicos, deve-se buscar o diálogo com as diversas ciências das quais ela não pode prescindir.

No âmbito pedagógico, com base na teoria geral de sistemas de Ludwig Von Bertallanfy, Betti considera a necessidade de entender e avaliar o currículo da Educação Física na instituição escolar como um todo dentro de um sistema hierárquico superior e inferior, cabendo assim a esse componente a responsabilidade de formar cidadãos capazes de posicionar- se criticamente em relação às formas da cultura corporal de movimento.

Para Betti e Zuliani (2002, p. 75):

A Educação Física enquanto componente curricular da Educação básica deve assumir então uma outra tarefa: introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo, do esporte, das atividades rítmicas e dança, das ginásticas e práticas de aptidão física, em benefício da qualidade da vida. A integração que possibilitará o usufruto da cultura corporal de movimento há de ser plena – é afetiva, social, cognitiva e motora.

Para contemplar esses objetivos, nas aulas Educação Física ao longo do processo educacional no ensino Fundamental e no Médio, a abordagem sistêmica elege como conteúdo das aulas: o jogo, esporte, a dança e a ginástica. Sendo assim, as aulas, além de possibilitar o aprendizado das habilidades motoras e capacidades físicas, devem aprofundar os conhecimentos, a compreensão, a análise e atitudes para tornar esse aluno um praticante lúdico- ativo, apreciador técnico, estético, consumidor do esporte-espetáculo, veiculado nos meios de comunicação (BETTI; ZULIANI, 2002).

Nesse contexto, o papel do professor nas aulas é imprescindível na medida em que problematiza, questionando, instigando os alunos a refletirem criticamente sobre as práticas corporais de movimento relacionados no lazer, saúde/bem-estar e competição esportiva.

Psicomotricidade

Na França, Jean Le Boulch, doutor em medicina, professor de educação física e especialista em reabilitação funcional, propõe uma teoria baseada na atuação terapêutica com contribuições da psicanálise, apropriada na reabilitação e tratamento de criança com transtornos de aprendizagem através de técnicas estruturadas principalmente para aqueles com sequelas decorrentes da Segunda Guerra Mundial, assim como também no desenvolvimento motor, consciência do corpo, da lateralidade, situar-se no espaço, domínio de tempo, coordenação de gestos e movimentos. Para Le Boulch (1986), a psicomotricidade pode atuar ainda na prevenção de problemas relacionados à linguagem, dificuldades de aprendizagem, deficiência mental, distúrbio psicomotores e até mesmo psiquiátricos.

Na década de 80, a psicomotricidade encontrou terreno fértil em solo brasileiro para propor uma educação psicomotora, na qual a prática pedagógica se volta para o emprego do movimento como meio para possibilitar as aprendizagens, se aproveitando de maneira oportuna da falta da especificidade de conhecimento da Educação Física nos programas escolares que visavam a prática da ginástica ou esporte.

Para Soares (1996, p. 12):

O discurso da Psicomotricidade no âmbito da Educação Física ganha impulso tanto pela ida de professores brasileiros ao exterior como pela vinda ao Brasil do Dr. J. Le Boulch em dezembro de 1978 para ministrar um curso de Psicomotricidade, sob a coordenação da SEED/MEC e dirigido especialmente para professores de Educação Física das Universidades Brasileiras. É neste período também que crescem as publicações sobre o assunto como a tradução, para o português de autores como o próprio J. Le Boulch, J. Chazaud, P. Vayer, Lapierre e Aucouturier, entre outros.

De acordo com Le Boulch (1986), a Educação Física não deu conta das necessidades de uma educação do corpo enquanto atitude educativa, sendo assim a psicomotricidade assume essa missão de uma educação real do corpo.

Conforme nos alerta Soares (1996, p. 9):

A Educação Física era apenas um meio. Um meio para aprender Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia, Ciências... era um meio para a socialização. Meio, esta metáfora biológica e evolucionista foi largamente utilizada pela Educação de um modo geral e pela Educação Física de modo específico. Naquele momento, a Educação Física não tem mais um conteúdo seu, ela é um conjunto de meios para... ela passa a ter um caráter genérico: será de reabilitação? de readaptação? de integração?

Dessa forma, a prática pedagógica do professor de Educação Física, ao contemplar as finalidades da psicomotricidade, vinha de encontro a doutrina esportiva, empregando o movimento humano por meio de jogos e atividades motoras focando na aprendizagem da alfabetização, percepção e conhecimento do corpo.

Saúde Renovada

Com o discurso baseado na promoção da saúde, Guedes e Guedes (1997) consideram que o papel do professor de Educação Física é de fundamental importância na elaboração de currículos em todas as etapas da educação que envolvam os alunos em programas alternativos que visam contrapor a hipocinesia.

Para Darido e Rangel (2014, p. 16) “a abordagem da saúde renovada tem por paradigmas a Aptidão Física relacionada à Saúde e por objetivos: informar, mudar atitudes, promover a prática sistemática de exercícios.”

Marcos Vinicius Nahas (2006), um dos expoentes dessa abordagem, considera que a qualidade de vida pode ser entendida como a percepção de bem-estar resultado de um estilo de vida ativo e as condições de vida.

Para Nahas e Garcia (2010, p. 136):

A Educação Física - seja como disciplina escolar, área acadêmica ou profissão regulamentada – passou a ser vista como uma das áreas líderes no processo que visa educar, motivar para mudanças e criar oportunidades para que as pessoas atinjam plenamente seu potencial humano e tenham melhores condições de saúde.

Sendo assim, para além da simples prática de uma atividade física, Nahas et al. (1995, p. 59) afirmam que o currículo das aulas de Educação Física considerando essa abordagem deve possibilitar a mudança de comportamento dos alunos em relação a:

as possibilidades da aquisição de conhecimentos sobre a atividade física para o bem-estar e a saúde para todas as idades; estimular atitudes positivas em relação aos exercícios e a prática esportiva; proporcionar independência (autoavaliação, escolha de atividades e programas) em termos de aptidão física relacionada à saúde; oportunizar experiências de atividades agradáveis, estimulantes mas que não exigem grande habilidade motora, permitindo a prática continuada, com a percepção de auto competência resguardada. Para Nahas et al. (1995), o professor não deve teorizar, mas criar uma cultura nas aulas sobre a seriedade e relevância da Educação Física na escola. As aulas de Educação Física devem

possibilitar aos alunos apreenderem conceitos básicos da relação da atividade física/ aptidão física/ saúde e assim serem mais ativos. Portanto, a prática pedagógica do professor deve procurar mesclar atividades práticas e informativas, diversificando os conteúdos das aulas ampliando a ideia do “apenas jogar bola”.

De acordo com Haywood, citado por Nahas et al. (1995, p. 59), “se a Educação Física existisse apenas para atingir objetivos imediatos – especialmente exercícios durante as aulas – a natureza dos programas seria outra, e a necessidade de professores especializados seria menor.”