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CAPÍTULO I. Percursos teóricos da pesquisa: a Cinesiologia Humana

1.3 Educação escolar básica no Brasil: o espaço mágico de construção de cidadania

Para que possamos nos situar é importante lembrar que estamos conversando sobre a Educação Física no âmbito escolar e, por isso, faremos um breve parênteses para relembrar a ideia de educação, educação escolar, suas funções e características.

A educação é um processo criativo, subjetivo, particular e característico, inserido de diversas formas no contexto social do ser humano, por conseguinte pode estar presente em muitas instituições e práticas sociais. Para Severino (2001, p. 68), mesmo em sua informalidade radical, o processo educativo promove a inserção do indivíduo nas esferas do trabalho, da cultura e social, para a realização da existência do humano.

Quando pensamos em educação formal, cabe salientar as crises e as necessidades pelas quais viveram e ainda vivem a escola no Brasil, carecendo de transformações fundamentais na sua estrutura física, epistemológica e ontológica, considerando ainda o contexto social, político e econômico do cenário brasileiro. Para clarificar nossa percepção sentido sobre as dificuldades por que passa a escola no Brasil, destacamos a letra de uma canção de Gabriel, o Pensador (1999):

Eu tô aqui pra quê? Será que é pra aprender?

Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever A professora já tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude

Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!" Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi

Ou quem sabe aumentar minha mesada Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?) Não. De mulher pelada

A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!) A rua é perigosa então eu vejo televisão

(Tá lá mais um corpo estendido no chão)

Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação - Ué não te ensinaram?

- Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..

Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio (Vai pro colégio!!)

Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar:

Manhê! Tirei um dez na prova

Me dei bem, tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição

Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!)

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Decoreba: esse é o método de ensino

Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e consequências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato

Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente

Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o estudo é uma coisa boa

O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema bota um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ignorante (...)

Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre

Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste - O que é corrupção? Pra que serve um deputado?

Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita

Ou sobre a tênia solitária.

Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...) Vamos fugir dessa jaula!

"Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?) Não. A aula

Matei a aula porque num dava Eu não aguentava mais

E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam (Esse num é o valor que um aluno merecia!)

Íííh... Sujô (Hein?) O inspetor!

(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar E me disseram que a escola era meu segundo lar E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente

Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre! Então eu vou passar de ano

Não tenho outra saída

Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais

E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada

E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada

A escola tem usado a disciplinarização como claro e penoso instrumento de dominação de poder, relembrando aspectos da teoria foucaultiana como produzir comportamentos esperados. Dessa forma, a Educação Física se encaixa como um elemento importante para suavizar o austero cotidiano escolar em que os alunos deveriam permanecer horas sentados e imóveis. E aqui cabem relatos de nossas lembranças no antigo primário, atual ensino fundamental I, de professoras que, por conta de nossa indisciplina, nos proibiam do momento mais esperado e aguardado: a aula de Educação Física.

Dentre as várias instituições de educação formal, a escolar, concretizada na existência da escola, caracteriza-se enquanto um local específico cujo processo de construção dos conhecimentos pelos alunos é realizado por meio de processos de ensino-aprendizagem, o que possibilita a produção de diferentes saberes, habilidades e conhecimentos específicos que permitam aos estudantes exercitar a autonomia para agir e interagir no meio em que vivem e assim exercer sua cidadania. Lima (2007 p. 17) afirma que:

[...] a existência da escola cumpre um objetivo antropológico muito importante: garantir a continuidade da espécie, socializando para as novas gerações as aquisições e invenções resultantes do desenvolvimento cultural da humanidade. Na escola, esta ação do adulto se revela como função pedagógica que o professor tem de possibilitar o conhecimento sistematizado (que comumente chamamos de conhecimento formal) que caracteriza as ciências e as artes.

Para ressaltar as finalidades da Educação Escolar, prescritas na LDB 9394/96, destacamos:

O desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; O desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; A compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; O fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 1996)

Talvez pareça mais simples, porém não simplista, entender a percepção de crianças quando questionadas em diversos estudos sobre o “para que serve a escola?” Ou ainda “o que se faz na escola?” E temos invariavelmente como resposta: “– Para estudar!”.

Recorremos à ideia de Gómez (1998, p. 14) para nos ajudar a entender a função social dessa instituição cuja função é dada na medida em que deve promover a socialização dos estudantes para sua formação cidadã convivendo, agindo e interagindo na vida pública e na incorporação no mundo do trabalho, desenvolvendo capacidades, habilidades, atitudes, disposições, estando aptos a ajustar-se individual e coletivamente aos diferentes postos de trabalho.

Lembramos ainda o que expõe Demerval Saviani (1984, p. 3) sobre as finalidades da escola e sobre o acesso ao saber sistematizado.

A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem se organizar a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas).

A escola é, portanto, um espaço de construção da cidadania, onde os estudantes se deparam, a todo momento, com situações novas, de descoberta, de conhecimentos construídos e elaborados pela fruição, construção, desconstrução, sempre na companhia de seus colegas e com a mediação do professor, de conhecimentos assimilados e outros em construção, ensinando conteúdos e saberes específicos, socializando, acima de tudo, o conhecimento formal, sem negligenciar o conhecimento trazido pelos alunos, assimilado na família ou por intermédio de outras instituições não escolares, mas também elas educativas. Consideramos que o currículo

constitui o núcleo central promotor da educação escolar. É essa temática que procuraremos discutir no próximo subcapítulo.