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CAPÍTULO I. Percursos teóricos da pesquisa: a Cinesiologia Humana

1.5 Currículo de Educação Física e Base Nacional Comum Curricular

Recentemente, acompanhamos a proposição de um documento que promete a melhoria da qualidade do ensino nas escolas do Brasil a partir de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), considerando o que foi discutido e apresentado no documento final que, mais do que a organização das disciplinas, propôs a articulação dos conhecimentos e apresentou uma linha coerente de construção currícular por meios de competências e habilidades.

O documento da BNCC (BRASIL, 2018) traz a proposta do ensino por competências e habilidades e divide os componentes por área de conhecimento. A educação física situa-se na área de linguagens. Essa estrutura define 10 competências gerais para toda a Base, oito competências para a área de linguagens e 11 competências para a educação física. Há uma relação entre as unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades, conforme demonstrado abaixo:

Figura 3: Relações entre áreas do conhecimento na BNCC.

Fonte: Adaptado de BRASIL, 2018, p. 26.

A organização dos conteúdos e objetivos na BNCC são divididos em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades e agrupa 1º e 2º anos, 3º, 4º e 5º anos e 8º e 9º anos propondo os mesmos objetos de conhecimento e as mesmas habilidades para cada grupo.

As unidades temáticas propostas pela BNCC não estão distribuídas por todos os anos do Ensino Fundamental, como mostra a tabela abaixo:

1º e 2º anos Brincadeiras

e jogos Esportes Ginásticas Danças

3º, 4º e 5º anos

Brincadeiras

e jogos Esportes Ginásticas Danças Lutas

6º e 7º anos Brincadeiras

e jogos Esportes Ginásticas Danças Lutas

Práticas corporais de aventura

8º e 9º anos Esportes Ginásticas Danças Lutas

Práticas corporais de aventura

Vale lembrar que a formulação da BNCC e a apresentação da versão final se deu em meio a uma crise política brasileira de grandes proporções, com a aprovação às pressas por parte do Congresso Nacional, sem uma discussão mais rigorosa e profunda, mas sim, para garantir o jogo político amoral pelo poder. As discussões iniciais ocorreram em 2015 e a

primeira versão contou com a presença e participação de professores especialistas em diferentes níveis e áreas do conhecimento, instituições, agências, contando, inclusive, com consulta pública na sua construção. Após o impeachment da Presidente da República Dilma Roussef, em 2016, houve a formação de uma nova equipe ministerial e do Conselho Nacional de Educação, e uma ruptura do diálogo. A versão final foi homologada em meio a críticas por romper com as discussões e privilegiar interesses neoliberais, além de conter problemas epistemológicos, tornando seu conteúdo frágil e vulnerável por retomar com os princípios tecnocráticos. (NEIRA; SOUZA JUNIOR, 2016; NEIRA, 2018)

Há, na educação física, uma discussão constante acerca de quais conhecimentos e habilidades devem ser propostos pela disciplina na escola e se esses conhecimentos e habilidades propostos são fundamentais para o desenvolvimento dos alunos. Considerando que a escola deve possibilitar aos estudantes o acesso ao saber elaborado, organizado, denominado “conhecimento poderoso”, portanto, diferente das experiências trazidas do cotidiano (YOUNG, 2013, p. 235), questionamos: quais conhecimentos os alunos devem aprender nas aulas de Educação Física? Como afirma Young (2013, p. 238, nosso grifo):

O ensino depende tanto do conhecimento que os professores têm sobre sua disciplina como do conhecimento que têm sobre cada aluno e sobre como eles aprendem – e ainda do conhecimento que informa aquilo que os professores pedem aos alunos que façam. Por outro lado, ainda que o currículo represente o conhecimento a que os alunos têm direito, ele não inclui as experiências dos alunos. Essas experiências prévias dos alunos são um recurso fundamental para o aprendizado, mas variam enormemente. Além disso, os alunos não

vão à escola para aprender o que já sabem por experiência.

Os objetos de conhecimentos apresentados pela BNCC (BRASIL, 2018) e os blocos de conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) para a Educação Física se voltam para as manifestações culturais do movimento como o jogo, o esporte, a dança, a lutas e, mais recentemente, os esportes de aventura. Tais conhecimentos foram questionados em relação a sua pertinência para as aulas de Educação Física. Vasquinho (2000) inqueriu estudantes concluintes do ensino médio sobre os conteúdos que estudaram nas aulas de Educação Física e um número significativo respondeu “Esporte”, e, para espanto do pesquisador, a questão seguinte, que queria descobrir o que foi aprendido com esse conteúdo, teve por resposta esmagadora: “nada”.

Mariz de Oliveira (1991, p. 7) também nos provoca:

Se é que é uma disciplina curricular, ignorando o conceito de "atividade" curricular, ensinar o quê? E aí tem aparecido a preocupação de algumas

pesquisas hoje tentando verificar claramente o que é conteúdo de aulas de Educação Física. Como exemplo, será que o jogo de futebol se aprende na escola?

Conforme nos lembra Young (2011), os alunos trazem um conhecimento não escolar diferente limitado às experiências individuais, porém é somente na escola, a partir do encontro com o professor, que se gera a possibilidade de se ampliar as experiências e adquirir um conhecimento escolar e, assim, fazer suas generalizações.

Da mesma forma, os alunos vêm para a escola nas aulas de Educação Física sabendo jogar bola, dançar e brincar, portanto adquirir esse conhecimento não depende dessa escola. Mesmo assim, é possível perceber que os legisladores perpetuam um entendimento equivocado para com o componente curricular Educação Física, colocando nele uma incompatibilidade com o conhecimento escolar, pois a própria Lei que estabelece as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional no Art. 27º (BRASIL, 1996) propõe que:

Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: IV - promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais.

Podemos perceber ainda a insistência em se perpetuar a confusão entre o componente curricular Educação Física com a manifestação Esporte, evidenciando assim características e finalidades presentes no treinamento esportivo, sendo que esse desentendimento ocorre há algum tempo. No estudo realizado por Rosentswieg (1969), cem professores estado-unidenses de Educação Física destacaram como objetivos para a disciplina: Vigor Orgânico, Valores Democráticos, Competência Social, Valorização Cultural, Lazer, Autorrealização, Desenvolvimento Mental, Estabilidade Emocional, Habilidades Neuromusculares, Força Espiritual e Moral.

No Brasil, pouco tempo depois, o panorama era o mesmo, sendo destacado por Borsari et al. (1980, p. 16) os seguintes objetivos com base nos conteúdos: ginástica, desporto, recreação e atividades complementares exclusivamente práticas:

Desenvolver noções e conhecimentos sobre higiene, saúde, aquecimento, ginástica, esportes, recreação, atividades complementares, organização e direção de jogos, torneios e campeonatos; Desenvolver as atividades físicas, a ginástica, o esporte, a recreação e as atividades complementares dentro de critérios de continuidade e crescimento da ação educativa; Desenvolver o interesse pela prática das atividades físicas, da ginástica, dos esportes e das atividades recreativas de forma organizada.

Dessa forma, as aulas de Educação Física, caracterizadas por serem essencialmente práticas propostas pelo professor e constituídas de experimentações de exercícios de ginásticas e participação em jogos e competições, têm como principal finalidade o desenvolvimento das habilidades motoras, as capacidades físicas e noções técnico-táticas presentes no esporte.