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2. O relacionamento entre estados/províncias e governos locais e as políticas públicas

2.1. Breve explicação conceitual sobre o federalismo

2.1.1. As diversidades e a coordenação federativa

Os Estados de Bem-Estar Social federativos são definidos pela tensão entre duas lógicas: a lógica da cidadania e a do federalismo (BANTING, 2006). Como apresentado, o federalismo é considerado uma solução para as diversidades étnicas, linguísticas, socioeconômicas e outras. Dessa maneira, as Federações e os Estados de Bem-Estar Social ocupam posições extremas em um continuum entre diversidade e uniformidade. O primeiro produz diversidade, enquanto o segundo, uniformidade, dado que visa promover direitos sociais universais e iguais. O federalismo seria, nessa visão, portanto, incompatível com o Estado de Bem-estar Social (OBINGER, CASTLES & LEIBFRIED, 2005).

Há três argumentos que explicam a incompatibilidade entre o federalismo e o Estado de Bem-estar Social. O primeiro afirma que a autonomia dada para as regiões pode acentuar essas diferenças, o que seria uma patologia do federalismo (GREER, 2007).

O principal problema, que esses estudos argumentam, é o da “patologia do federalismo” que acentua as diferenças (Watts 1998; também Simeon 2006: 31). [...] As novas unidades autônomas tem suas próprias demandas para a puridade étnica, ou mesmo, para estabelecer políticas públicas distintas, como a língua ensinada nas escolas que os justificam, e assim criar novos dilemas de segurança para as minorias. Entretanto, a autonomia os equipa com muitas propriedades de estado, preserva a soberania; uma vez que eles tem bandeiras, líderes, instituições de socialização, como escolas, e sistemas políticos, é fácil de imaginar e alcançar grande soberania, autonomia ou puridade étnica (Cornell, 2002: 251-252) (GRER, 2007, p. 8, tradução nossa).

O segundo argumento se refere à comparação entre o gasto social em Federações e países unitários. Segundo Simeon (2006), alguns autores afirmam que as instituições federativas são inimigas de altos níveis de gasto social e que o federalismo é o fator mais forte da variação dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) em relação aos gastos sociais. Três países, dentro dos quatro que têm os menores gastos, são federalistas (Canadá, Austrália e Estados Unidos).

O terceiro argumento que reforça a ideia de que o federalismo é incompatível com o Estado de Bem-Estar Social é o de que a maioria das Federações é caracterizada por pontos de veto de minorias por meio da representação desproporcional entre as unidades federadas, por exemplo. Isso impede a existência de políticas universais ao longo de todo o país (STEPAN,

1999). Em outras palavras, o federalismo gera uma fragmentação da autoridade, que aumenta o número e o poder de pontos de veto, dando pontos de acesso adicionais e oportunidades de veto para minorias, o que, em última instância dificulta a construção de estratégias nacionais (OBINGER, CASTLES & LEIBFRIED, 2005).

Apesar disso, muitos autores afirmam que o governo federal pode produzir uniformidade em federações caracterizadas por assimetrias horizontais por meio, por exemplo, da redistribuição de recursos para unidades mais pobres, caso da Alemanha (BANTING, 2005; 2006; GREER, 2006; OBINGER, CASTLES & LEIBFRIED, 2005; SCHARPF, 2011; SIMEON, 2006; STEPAN & LINZ, 2000; WATTS, 2006).

Stepan & Linz (2000) mostram que as Federações clássicas (Estados Unidos, Suíça e Austrália) apresentam maiores níveis de desigualdades socioeconômicas e políticas do que as não-clássicas (Bélgica, Áustria, Espanha, Alemanha e Canadá), as quais, nesse caso, se comportam como sistemas unitários9.Segundo os autores, isso é ocasionado pela atuação do governo federal por meio de transferências de recursos para unidades mais pobres, o que ocorreu, especialmente, na Alemanha.

Obinger, Castles & Leibfried (2005) criam duas categorias de federalismo, inter-state e intra-state. As nações anglo-saxões possuem uma tradição de federalismo inter-state com separação vertical de poder, distribuição de competências entre diferentes níveis de governo e congruência entre competências legislativas e executivas entre os diferentes níveis de governo. Na Alemanha e na Áustria, o federalismo é intra-state, há distribuição funcional de responsabilidades, cooperação entre níveis de governo em assuntos administrativos e financeiros e as unidades subnacionais implementam a legislação federal.

Na Alemanha, no começo do período pós-guerra, surgiram pressões políticas em relação à desigualdade entre os Länder ricos e pobres. Isso deu origem a um sistema formal de equalização fiscal horizontal e vertical, programas extra-constitucionais em áreas como moradia e subsídios para a agricultura e indústria em determinadas regiões. Na década de 1960, esses programas cresceram em escopo e volume mesmo que as justificativas pós-guerra não fossem mais tão apelativas. Foi nesse momento que as responsabilidades dos Länder cresceram. E, além dos mecanismos de transferências intergovernamentais, esforços

9 Os autores comparam os dois grupos de países no que se refere ao índice de Gini, à renda e taxas de pobreza e

à representação desproporcional (os autores afirmam que esse indicador é injusto, pois a maioria dos sistemas federativos possui a câmara alta).

conjuntos entre o governo federal e os Länder e padrões uniformes se fortaleceram em algumas áreas, como educação, transporte, industrialização e agricultura (SCHARPF, 2011).

Dessa maneira, houve o crescimento do Estado de Bem-estar Social e o desenvolvimento de equalizações fiscais, que foram responsáveis por transformar a Federação alemã de inter-state em intra-state (OBINGER, CASTLES & LEIBFRIED, 2005).

Assim como na Alemanha, os mecanismos de redução de heterogeneidades estão presentes em outras Federações. “Semelhantemente, o sistema canadense de equalização fiscal entre as províncias, incorporada à Constituição, permite que o Canadá combine autonomia provincial com um alto grau de capacidade provincial de prover “níveis comparáveis de serviços públicos a níveis comparáveis de tributação”” (SIMEON, 2006, p. 28, tradução nossa). Ainda,

nos países em que os principais programas de saúde são entregues pelos governos estaduais/provinciais, as transferências inter-regionais fluem por meio de programas separados, como nas transferências nacionais belga, o programa de equalização canadense e o sistema de transferências intergovernamentais na Austrália. Os Estados Unidos é o único que não tem um programa de equalização. Embora, há elementos de redistribuição inter- regional construídos na fórmula financeira do programa Medicaid. [...] Na prática, na medida em que as transferências inter-regionais equalizam, a capacidade fiscal dos governos estaduais/provinciais também varia consideravelmente, dependendo dos níveis de disparidades econômicas regionais, do âmbito da descentralização, do desenho de programas de transferência e – em última análise – da tolerância do país às variações inter- regionais nos pacotes fiscais e de benefícios (Péloquin and Chong 2002; Watts 1999a: 50) (BANTING, 2006, p. 51, tradução nossa).

Greer (2006) sistematiza os tipos de mecanismos de redução de diversidades em Federações. Segundo o autor, há mecanismos normativos e legais, que se referem à habilidade do governo federal de regular as atividades dos governos regionais, incluem a constituição e a legislação, por exemplo. Há mecanismos ligados à autonomia financeira, que compreendem o grau em que o governo controla a sua receita. Isso significa que, se um governo subnacional precisa de recursos federais, ele deverá seguir algumas de suas exigências ou até mesmo implementar determinados programas. Por exemplo, os estados norte-americanos, ao aceitarem os fundos federais para suas rodovias, são obrigados a determinar que a idade mínima para o consumo de bebidas alcoólicas é de 21 anos.

O último tipo de mecanismo é o que o autor chama de autonomia política. Para Greer (2006), a autonomia política diminui ou aumenta dependendo do número de grupos que

devem cooperar. A maioria das atividades em um sistema descentralizado não pode ser implementada por um único governo, algumas atividades invariavelmente vão exigir recursos, poderes ou informação que estão com outros governos e, se esses, não quiserem cooperar, eles acabam exercendo um poder de veto.

A coordenação federal não é somente importante para a redução das diversidades de países federativos, mas também de países unitários. Na França, a descentralização da execução das políticas sociais começou na década de 1960 e se acelerou na década de 1980. A estrutura local e regional compreende 36.500 comunidades, 3.000 organizações intercomunitárias, 96 departamentos e 22 regiões. Apesar de ser um país unitário, há, segundo Dupuy & Le Galès (2006), uma grande desigualdade entre as regiões que está sendo efetivamente combatida com o processo de descentralização.

Nós tentamos mostrar que as regiões não necessariamente aumentam as desigualdades. No caso francês, onde os governos regionais aumentaram fortemente seu poder nos últimos 20 anos, alguns mecanismos conduziram a uma séria diminuição de algumas das mais visíveis desigualdades que costumavam ser escondidas no véu da centralização (DUPUY & LE GALÈS, 2006, p. 137).

Além disso, Jeffery (2006), ao analisar algumas pesquisas com cidadãos de sistemas políticos federativos (Alemanha, Canadá e Reino Unido), mostra que as suas opiniões sobre as principais questões referentes às políticas sociais e transferências intergovernamentais são bem semelhantes. Com algumas exceções, como a opinião contrária às transferências intergovernamentais dos cidadãos de Alberta, a diversidade nas preferências, suposta em sistemas federalistas, não é tão expressiva nesses países.

A atuação do governo federal pode levar a redução das assimetrias entre as jurisdições, desse modo, “[…] não há uma necessária contradição entre unidade e diversidade” (WATTS & KINCAID, 2008, p. XI, tradução nossa). Ainda, o que se observa nos argumentos apresentados é que os direitos sociais universais não compreendem somente que os cidadãos devem ser tratados de maneira igual, mas inclui que “[...] todos os indivíduos em situações econômicas e sociais similares são tratados de maneira equitativa em todas as regiões” (BANTING, 2006, p. 45, tradução nossa). E isso não é uma característica específica das federações, mas de todos os países que possuem algum tipo de diversidade.