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5. A cooperação entre estados e municípios em quatro estados brasileiros

5.1. Ceará

5.1.1. A trajetória da municipalização no Ceará

A participação histórica dos municípios na oferta do ensino fundamental está atrelada à preocupação em relação à definição de competências no Estado. Já na Constituição Estadual de 1921, a criação de escolas de instrução primária e profissional foi determinada como competência privativa da Câmara Municipal. Ela ainda determinou a reserva de no mínimo 10% do orçamento municipal para essa função. Esse assunto aparece novamente nas Constituições Estaduais de 1935 e 1947. Nesse sentido, em 1962, os municípios ofertavam 52,1% do ensino primário, enquanto o Estado ofertava 33,3% (VERAS, 1990). E em 1971, foi aprovada uma lei que previa que as administrações locais deveriam assumir os encargos e serviços de Educação, especialmente do então 1º grau, hoje ensino fundamental (VIEIRA, 2010).

A partir desse momento, foram iniciados programas de municipalização e de cooperação entre o Estado e os municípios, como o Projeto de Assistência Técnica aos Municípios (Pró-Município) em 1977 e o Programa de Educação para a Zona Rural (Prorural) em 1979, que consistiam na assessoria técnica e financeira estadual aos municípios. Após esses dois programas, a Constituição Estadual de 1989 determinou a cooperação entre os municípios. O artigo 227 apontava que “o Estado prestará assistência técnica e financeira aos Municípios que mantenham o ensino fundamental, devendo decretar a medida de intervenção, ao verificar não haver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal”. Outros programas de municipalização voltaram a ser implementados na década de 1990 e início dos anos 2000 (Governos de Tasso Jereissati, 1987 a 1990, 1995 a 1998 e 1999 a 2002, e de Ciro Gomes, 1991 a 1994) (VIEIRA, 2010).

Destacam-se três importantes mudanças desse período: a lei de municipalização (nº 12.452 de 1995) que determinou o regime de colaboração entre o Estado e os municípios a

partir do incentivo e apoio técnico e financeiro, a capacitação conjunta de recursos humanos, a permuta e cessão de pessoal e a doação de patrimônio quando necessário; a transferência de recursos estaduais aos municípios segundo o número de matrículas a fim de promover a municipalização, antecipando o FUNDEF; e o concurso único para o magistério do estado e dos municípios que chegou a atingir 67% da rede pública (ALBUQUERQUE, 2005; VIEIRA, 2010).

Em relação ao programa de municipalização via indução financeira, inicialmente como um projeto piloto e, em seguida, como um programa conveniado com todos os municípios, Vieira (2010) destaca que,

com o intuito de dar suporte ao processo, a Seduc [Secretaria da Educação do Estado do Ceará] cria um grupo de trabalho para tratar do regime de colaboração, provendo formas diferenciadas de cooperação técnica e financeira. Em outubro do mesmo ano, é firmado acordo de cooperação técnica e financeira. Em outubro do mesmo ano, é firmado acordo de cooperação entre o estado e seis municípios (Icapuí, Fortim, Maranguape, Marco, Iguatu e Jucás), visando à municipalização dos serviços das séries iniciais do ensino fundamental em todos eles.

[...] em agosto de 1997, o governo do estado institui o então chamado de Fundefinho, ao firmar convênios de municipalização com 124 municípios, estabelecendo um custo/aluno mínimo de R$180,00 (cento e oitenta reais), a ser repassado àqueles municípios para que assumissem a oferta das séries iniciais (p. 277).

É importante apontar que conforme relatado pelo representante da seccional da UNDIME no Ceará, durante a década de 1990, especialmente, no Governo de Tasso Jereissati, a justificativa para a municipalização estava ligada ao fortalecimento da autonomia municipal, da participação e do controle social local. Isso é comum a outros casos analisados por esta Tese. Apesar dessa semelhança, o entrevistado afirmou que não houve resistência das Secretarias Municipais de Educação, da seccional da UNDIME no Ceará e das Coordenadorias Regionais nesse processo. O que está relacionado a dois fatores: as Secretarias Municipais precisavam de recursos adicionais e um processo de seleção empossou novos Coordenadores Regionais, que não se opunham à municipalização.

Albuquerque (2005) mostra que, nesse período, os índices de universalização do acesso de crianças e adolescentes de sete a 14 anos ao ensino fundamental e de abandono escolar nessa etapa do ensino melhoraram. O primeiro chegou a 98% em 1999 e o segundo passou de 13,2% em 1995 para 10,5% em 1999. Ele também afirma que, em 2001, “[...] os municípios eram responsáveis por 82,9% dos alunos do ensino fundamental de 1ª a 4ª série e

53,5% dos alunos de 5ª a 8ª série” (p. 52). Em 2013, a rede estadual foi responsável por 65.641 matrículas no ensino fundamental regular, enquanto as redes municipais foram responsáveis por 986.253 (INEP, 2013).

Vieira (2010) afirma, no entanto, que

assim, a municipalização avançou à frente e ao largo do que o estado havia previsto – e, o que é pior, muitas vezes, à revelia e sem qualquer controle de qualidade por parte deste sobre aqueles. Para além das séries iniciais, a presença dos municípios passa a ser dominante em todo o ensino fundamental, para a perplexidade das equipes técnicas da Seduc e, de modo especial, dos dirigentes dos Centros Regionais de Desenvolvimento da Educação (Credes) encarregados de promover a articulação estado/municípios. Estes passam a defrontar-se com a inusitada situação de municípios que não horavam os acordos firmados, impedindo a matrículas de crianças nas escolas de ensino fundamental da rede estadual (p. 277).

O entrevistado da seccional da UNDIME apontou que, atualmente, as Secretarias Municipais de Educação têm uma posição distinta em relação à municipalização. Segundo ele, as Secretarias Municipais não querem avançar mais nesse processo, pois estão em uma situação dramática no que se refere ao financiamento de suas redes municipais. A maior parte dos municípios cearenses depende dos recursos do FUNDEB. No entanto, o valor por aluno repassado pelo Fundo, especialmente, na educação infantil, não é condizente com o gasto realizado por eles e, com algumas mudanças nacionais, como a Lei do Piso, os custos das redes municipais estão cada vez maiores. De acordo com ele, os municípios estão gastando quase todo o recurso distribuído pelo FUNDEB com suas folhas de pagamento, portanto, além dos 60% determinado na Lei nº 11.494/2007.

Dado esse quadro, o entrevistado afirmou que a colaboração entre os governos estadual e municipais no Ceará é fundamental, já que garante um padrão básico em todos os municípios. Para ele, o PAIC é a expressão do regime de colaboração no Estado, o que será aprofundado adiante.