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AS ELEIÇÕES DE 1989 – A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRATICA

A consolidação do processo democrático possibilitou um elevado nível de representatividade em todos os segmentos da sociedade, entre eles o voto do analfabeto e do jovem maior de 16 anos, até então inexistentes. Para as forças políticas a consolidação do processo democrático era mais importante, nesse primeiro momento, do que as questões socioeconômicas. Primeira eleição direta para Presidente da República desde 1960, a eleição de 1989 é considerada como o marco definitivo que delimita o fim da transição democrática e o início do regime democrático. Consolidada juridicamente com a promulgação da nova Constituição, em 1988, a nação brasileira teve a oportunidade de experimentar, em clima de festa, a eleição com o maior grau de representatividade de sua história republicana.

Segundo Rodrigues (2001) foi da prática dos movimentos e do novo sindicalismo que emanou a primeira reação política da sociedade organizada em relação à crise do Estado Desenvolvimentista, orientada em oposição ao consenso que se instaurara entre as elites empresariais e a direita partidária, nos anos 80.

No Brasil, as eleições presidenciais ocorreram em concordância com o momento político mundial. Um candidato absorveu o discurso da modernidade, como veremos mais adiante. No entanto, uma das principais transformações que diz respeito ao processo eleitoral sob a Nova República foi a volatilidade do voto, que provocou o distanciamento do eleitor das siglas partidárias e das orientações ideológicas. Em quatro anos, o governo de transição desgastou-se impiedosamente, provocando um amplo questionamento da população sobre os alicerces políticos e institucionais. A Nova República, tão esperada, padeceu identificada com métodos do passado. A

população, frustrada, alimentava novamente a esperança na construção de uma nova ordem.

A utilização das mídias rádio e especialmente televisão permitiu aos candidatos construírem uma relação direta com os eleitores, enfraquecendo ainda mais os partidos e por conseqüência as ideologias partidárias. Em conseqüência, as organizações partidárias se tornaram menos decisivas na mediação entre os eleitores e os candidatos, perdendo o controle que antes mantinham sobre as campanhas. Técnicos e especialistas em comunicação de massa passaram a ocupar os espaços políticos destinados aos coordenadores de campanhas, substituindo os profissionais dos partidos (MAINWARING, 2001, p. 290).

Já nas eleições de 1985 o papel da televisão como influenciador decisivo no processo político brasileiro modificou a forma como os candidatos escolhiam seus assessores e coordenadores de campanha. Desde então, o primeiro contato dos eleitores com os candidatos é intermediado pela televisão. Uma das razões deste meio desempenhar tamanha importância nas eleições para cargos executivos é a insuficiência de outras fontes de informação política para grande parte dos eleitores que predominam nas classes menos favorecidas. Ao ocupar os lares brasileiros, por vezes como única forma de lazer e informação, a televisão reina soberana sobre outras fontes de informação política como sindicatos, igrejas e associações de bairros. A televisão, a partir desse momento, passa a ocupar o espaço do rádio como principal influenciador nos lares. Isso se deve, em parte, ao fascínio que a imagem provoca no receptor, possibilitando uma identificação direta com a pessoa por trás da voz. Essa passa a ser uma das principais funções do marketing nas eleições, contribuir para a construção simbólica que a imagem do candidato pode vir a formar em cada eleitor.

Seguindo o conceito de marketing político encontrado em Matos e Nobre (2001), podemos afirmar que, de uma forma mais ampla, o papel do marketing político é colaborar para a construção de um discurso que atenda aos desejos e às necessidades do eleitor, identificadas nas pesquisas de opinião pública. Para Mendonça (2001) o papel é contribuir para a construção de um ambiente favorável ao candidato, facilitando a legitimação por parte do eleitor. As técnicas de marketing, desenvolvidas para o mercado publicitário, foram adequadas ao processo da

escolha do voto. O eleitor se identifica com uma idéia e tem a sensação de ter feito a escolha correta e, consequentemente, direciona o voto para o candidato, possibilitando os meios necessários para concretizar o processo.

Para o marketing, o anseio do eleitor é identificado de duas maneiras. Uma delas são as necessidades fisiológicas, ou seja, os desejos que o eleitor projeta para seu bairro ou cidade, promovendo melhorias na sua condição de vida. Para profissionais de Marketing Político o desejo é associado ao sonho do eleitor. Trata-se de questões referentes à qualidade de vida, mas que estão além das questões fisiológicas. A propaganda e o marketing político têm sua eficácia condicionada à existência de uma demanda real ou potencial, manifesta ou velada, em relação ao produto que pretendem vender. Acreditar que a televisão comanda o processo eleitoral ou, ao contrário, que não exerce qualquer influência, são visões ideologicamente equivocadas.

Apesar da utilização do marketing político no Brasil, de maneira intensa e profissional a partir das eleições municipais de 1985, foi no ano de 1989 que a televisão possibilitou o surgimento do maior fenômeno do marketing político brasileiro até então, Fernando Collor de Mello. Ao citar o período Collor, vale ressaltar que esse estudo não se aprofunda na questão política do Presidente Fernando Collor de Mello. A análise do período serve como um estudo de caso, mesmo que de forma superficial, sobre a importância do marketing político no período e, por conseqüência, a utilização da mídia televisão como parte importante do processo de escolha do voto pelo eleitor. Muitos são os autores que discutem e analisam o período Collor, e a única unanimidade nas argumentações pesquisadas é que Collor de Mello é apontado, se não como um fenômeno de mídia, ao menos como um fenômeno na utilização da mídia como propagador de idéias, conquistando assim uma vitória incontestável, legitimada pelos milhões de votos que conquistou.

Segundo Lamounier (2005) o “messianismo de 1989” era baseado na esperança coletiva de que a primeira eleição direta após 29 anos traria garantias à governabilidade necessária para a solução de todas as lacunas na agenda pública. Ainda, segundo autor, o próprio presidente demonstrava acreditar neste princípio uma vez que mesmo pertencendo a um partido recém-criado, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), com apenas 5% das cadeiras do Congresso, não

construiu um acordo de coalizão com as legendas dominantes. Mesmo sem o apoio dos demais partidos, que a esta altura se proliferavam a partir das novas regras eleitorais, Collor convenceu a nação brasileira que ele seria o escolhido para combater a deterioração econômica e a total falta de credibilidade no Governo que, durante as eleições presidenciais, alcançaram o ponto máximo de desgaste.

Apesar da enorme quantidade de candidatos, 21 ao todo, discursos antagônicos dominaram o debate dos principais candidatos durante a campanha presidencial. Collor, por exemplo, apesar de vestir uma imagem de oposição, se alinhava a Paulo Maluf (PDS/PRP) e Afif Domingos (PL), pregando o liberalismo econômico, enquanto Lula (PT), que apresentava um discurso estatizante, tentava se distanciar do também popular Leonel Brizola (PDT), apesar de ambos apostarem na reconstrução do país através da consolidação de uma liderança firme e legitimada pelo grande apelo popular que acreditavam possuir.

No primeiro turno foi possível perceber a diluição e a preferência dos votos entre os candidatos de discurso situados mais à esquerda. Collor obteve 28,5 % dos votos, o PT alcançou 16,1% de votos dados a Luis Ignácio Lula da Silva e Leonel Brizola com 15,1 %. Os Partidos que apoiavam o governo Sarney, PMDB e PFL, foram os derrotados dando a Ulysses Guimarães apenas 4,7% dos votos válidos. No acirrado segundo turno Collor derrotou Lula, conseguindo 53% contra 47% dos votos válidos (MAINWARING, 2001, p. 144).

Como mecanismo para chegar à vitória, Collor fez uma promessa, porque soube se destacar no vazio de lideranças e se beneficiou com a confusão político-partidária utilizando o discurso correto mediante a crise do modelo econômico.

O cientista político Melo (2007, p. 67) assim define a meteórica trajetória do presidente

Fernando Collor de Mello.

O ‘fenômeno Collor’ representa o encontro natural de um processo de evolução histórica – que tem a nascente na década de 1930 – com anacronismo que não conseguiam ser superados. O velho e o novo se encontraram num mesmo personagem. Por encarnar o discurso do ‘novo’ inexorável mundial, Collor despertou a emergência de novas forças; mas por representar o anacrônico, não coube no modelo que ajudou a parir; seu estilo de liderança e seu mandato foram julgados e supridos por uma sociedade que se modernizou, ironicamente, na esteira da transformação de seu governo.

Mais do que a eleição direta, o seu impeachment, o primeiro no processo político brasileiro, serviu como mecanismo de consolidação da transição política ocorrida no período em questão. De uma forma intensa e inesperada a sociedade brasileira pode exercer a liberdade de escolha, encontrada em regimes democráticos, interrompendo o mandato daquele que em um período inferior ao tempo de um mandato se transformava de “caçador de marajás” a um político que mantinha relações em desacordo com o cargo que ocupava, sendo suspeito de corrupção e tráfico de influência.

O processo de conclusão do impeachment também viria a impactar diretamente e de forma contundente as eleições de 1992, e ainda mais especificamente no Espírito Santo, tendo influenciado diretamente o posicionamento político do candidato Paulo Hartung, como veremos mais adiante.