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Para entender a relação do grupo com o “Partidão” no período eleitoral, voltaremos brevemente ao ano de 1979 para análise das relações encontradas no interior do partido. No exterior, onde passou a funcionar o comitê central do Partido Comunista Brasileiro durante o Regime Militar, as divergências entre os líderes partidários foram se aprofundando, tanto nas questões sobre a orientação política a ser adotada, quanto às diretrizes que o partido deveria traçar. A luta pelo poder era declarada. Enquanto Luiz Carlos Prestes procurava manter o controle e a centralização, o grupo liderado por Giocondo Dias defendia a tomada de decisões através de um colegiado e a maior democratização dentro do partido.

Com a volta dos exilados, após a promulgação da Lei da Anistia29, começaram a aparecer publicamente as divergências internas no comitê central (BRASIL, 1979a). Logo após chegar ao Brasil, Giocondo Dias defende a "unidade de todas as forças de oposição em uma frente ampla para objetivar a conquista da democracia”, e inicia a campanha pela legalização do partido (LUIS..., 2007). Às vésperas do seu embarque para o Brasil, Armênio Guedes, ainda em Paris, sintetizou o pensamento do grupo renovador quanto à orientação que deveria seguir o PCB. Ao contrário de Prestes, Guedes não acreditava que a passagem ao regime socialista no Brasil se faria por meios violentos, pois a conquista do poder através da luta armada resultaria num socialismo-autoritário e não-democrático. Por outro lado, indicava que não era aquele o momento de se discutir a passagem para o socialismo, pois o Brasil vivia uma fase de luta pela redemocratização, e não de transição para o socialismo. Guedes não acreditava que a passagem do regime militar para o regime democrático se fizesse por meio de rupturas violentas, e sim de forma gradual, sob pressão do movimento democrático. Coimbra (2006)30 relata o impacto imediato causado pela volta dos comunistas exilados sobre os militantes pós-regime militar:

Nós também evoluímos para uma concepção de que o passo do PCB era insuficiente, e foram inseridas algumas concepções que nos desencantaram.

29

A Lei n.º 6.683 promulgada em 28 de agosto de 1979 foi um dos principais marcos da redemocratização brasileira. Concedia anisitia a todos que tivessem cometidos crimes políticos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.

30

Coimbra, 2006. Entrevista concedida em 31 de outubro de 2006, em Vitória, à Margô Devos Martin, por Wellington Coimbra. Doravante as citações Coimbra (2006) é referente à esta entrevista.

A ruptura tem dois níveis: de postura e a conceitual. Acho que a de postura predominou, porque foi quando a turma veio do exílio, vieram como os donos da verdade e com condutas que nós achávamos que não tinha a ver com aquilo que a gente trabalhava. Foi a experiência do comunismo na Europa versus o comunismo soviético, que também já entrava em exaustão. Eles já vieram com o debate do eurocomunismo, com os problemas da Polônia e da União Soviética. Eles chegaram aqui em 1979, eu fui receber Gregório Bezerra lá no Sindicato do ABC. Um exemplo maravilhoso da história que eu vivenciei. Eu recebi Brizola, eu recebi Arrais, até me arrepio lembrando (COIMBRA, 2006, informação verbal).

Luis Carlos Prestes, após oito anos de exílio, desembarca no Rio de Janeiro em 20 de outubro do mesmo ano, sendo recepcionado no aeroporto por cerca de dez mil pessoas (LUIS..., 2007). Após a comemoração inicial da volta das dirigentes veio o conflito ideológico. Pinto (2008) narra esta passagem:

Quando Luiz Carlos Prestes chegou ao Brasil com a anistia eles convidaram os dirigentes do partido. Nos fomos ao Rio: eu e Paulo ver o Prestes. Na época que estivemos lá estava a Anita Leocádia Prestes. Eu lembro que estava começando a acontecer as questões do Solidariedade na Polônia. E agente estava apavorado com aquilo tudo e eu falava: ‘Paulo, é este comunismo que agente quer? A gente lutou pela democracia. A gente quer ditadura de Lênin? Vamos conversar com Prestes.’ Foi um papo muito interessante. Ele contou a história dele. Prestes tinha um carisma impressionante. Lá pelas tantas eu falei: ‘Comandante, deixa eu fazer uma pergunta: Nós estamos todos empolgados, recriamos o partido no Estado, trouxemos os antigos militantes’ Naquela época já estava começando o movimento operário, o sindical, o metalúrgico.. A coisa estava indo bem. ‘Mas agente está assustado com tudo isso que está acontecendo na Polônia. Está havendo um movimento operário contra o partido lá. O que está acontecendo?’ (Prestes responde) ‘Meu filho, você está vendo muito jornal e televisão. Não acredita em tudo que você vê na imprensa, não.’ Foi um balde de água fria. Eu olhei para o Paulo e disse: ‘Paulo, nós estamos numa fria! E agora?’ (Informação verbal).

A ala do PCB oriunda do movimento estudantil, que a esta altura liderava a direção do Comitê Estadual, mantinha uma independência cada vez maior em relação à ordem nacional. Por este motivo o PCB estadual chegou a sofrer uma tentativa de interferência por meio do jornalista Luiz Carlos Azedo, vindo de São Paulo no ano de 1980. O jornalista era coordenador nacional do setor universitário da Seção Juvenil do Comitê Central do PCB, formado logo após a volta da direção do exílio. A narrativa de Azedo reforça as lutas internas nas quais o partido se viu mergulhado naquela fase.

No episódio da intervenção, do qual participei, o que houve foi o seguinte: O PC do B, a AP (Ação Popular) e outras tendências resolveram nos excluir da diretoria da UNE. Aproveitaram o racha com os prestistas para cooptar algumas lideranças no Sul e o pessoal do Espírito Santo, nos enfraquecendo mais ainda. A alternativa que restou foi a aliança que fizemos com o MR-8 na eleição direta para a UNE. Eles conseguiram colocar um prestista na diretoria

da UNE e deixaram o partido de fora. Nós éramos a segunda força no país, com absoluta hegemonia no Rio e os DCES da USP, UNB e UFES, dentre outros.

Recebi orientação do assistente da seção Juvenil, Givaldo Siqueira, de vir ao Espírito Santo discutir com o comitê universitário a situação no movimento estudantil e comunicar a decisão de lançar uma chapa em aliança com o MR- 8. Os companheiros se recusaram a cumprir a orientação [...] Recebi a instruções para comunicar à direção universitária que a organização seria dissolvida se não cumprisse a orientação do comitê central. E que o comitê estadual sofreria uma intervenção se apoiasse a decisão dos universitários. Cumpri a orientação, mas antes avisei ao secretariado que seria um desastre. A orientação atribuída ao Giocondo, que recebi do Régis, foi para não vacilar. Foi o que fiz.. Depois, a Executiva recuou da decisão - na verdade, foi tomada ad referendum do Comitê Central - e a direção do Espírito Santo resolveu soltar um documento me acusando de exorbitar na tarefa, o que não foi o caso. Na verdade, o Giocondo estava mandando um recado para o comitê estadual de São Paulo e para a direção da Voz da Unidade. Meses depois, houve uma intervenção na Voz da Unidade, da qual participei como jornalista a pedido do Giocondo Dias. Após o sétimo Congresso, o núcleo dirigente paulista, que era eurocomunista, abandonou o partido (AZEDO, 2007, informação verbal)31.

A estratégia rendeu o resultado pretendido no comitê paulista, mas a pressão exercida no Espírito Santo que – torna-se necessário reforçar – não chegou a ser tão rígida quanto naquele estado, não demoveu o comitê capixaba, que em contrapartida se organizou para o sétimo Congresso do PCB, chegando a produzir uma carta retificando seu direcionamento para disputar as posições com o Comitê Central.

No processo de preparação para o sétimo Congresso a luta interna vai tornando-se cada vez mais intensa. O grupo liderado por Prestes rompe definitivamente com o PCB. Com a volta do exílio, vários dirigentes trazem as concepções do eurocomunismo, que vão permear as formulações daquele Congresso.

Em março de 1980, em documento intitulado “Carta aos comunistas”32, Prestes denunciou a falência da direção do partido, responsabilizando-a inclusive pelas prisões dos dirigentes comunistas entre 1974 e 1975. Acusou a direção ainda de ser incapaz de exercer o papel para o qual fora eleita e de não obedecer ao princípio de direção coletiva. Prestes teceu duras criticas à falta de democracia interna, declarando não poder:

31

AZEDO, Luiz Carlos. Depoimento em 19 de junho de 2007 recebido por correio eletrônico por <margodp@gmail.com> em 19 de junho de 2007.

32

[...] admitir que meu nome continue a ser usado para dar cobertura a uma falsa unidade, há muito inexistente. Reconhecendo que sou o principal responsável pela atual situação a que chegaram o PCB e sua direção, assumo a responsabilidade de denunciá-la a todos os companheiros, apelando para que tomem os destinos do movimento comunista em suas mãos (LUIS..., 2007).

Prestes ainda afirmou que os comunistas não podiam abdicar da “condição de lutadores pelo socialismo” submetendo-se à limitada democracia imposta pelo governo e que a “abertura”, a seu ver, excluía à participação popular. Declarou que o partido não podia "abdicar de seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares". Conclamou a união das forças de esquerda na organização das massas “de baixo para cima” de forma a tornar o partido “a força motriz da frente democrática".

A carta foi o último suspiro do ideal comunista de muitos militantes que até aquele momento seguraram a insatisfação mediante os anos de militância. Herkenhoff (2007) narra o sentimento do grupo.

Esta carta [...] nós perdemos o chão. O Prestes era um homem respeitadíssimo. Uma figura histórica do movimento. Meio acima do bem e do mal. Aí ele chega e fala: ‘vocês vão acabar com isso tudo. Vão se organizar pela base [...] e abre pontes com o brizolismo, com candidatos que vem do PDT [...]’. Eu acho que não só sobre mim, mas quem era jovem na época, mesmo os velhos militantes. Aquilo teve um impacto enorme. E ele não aponta um caminho. Ele fala ‘vou refundar (sic) um outro partido de massa’. Ele acusa a direção nacional de ser direitista, reformista, e que o partido tem que ser organizado pela base. Nós escrevemos um documento intitulado ‘rumo ao Sétimo Congresso.

As declarações de Prestes em sua carta valeram-lhe a perda do cargo de secretário- geral do PCB em maio de 1980, por decisão do comitê central, sob a alegação de que não comparecia às reuniões. Substituído por Giocondo Dias, partiu em junho para Moscou e, em setembro, visitou Havana, em Cuba, antes de participar da reunião do Parlamento Mundial dos Povos pela Paz, em Sofia, na Bulgária.

Em setembro de 1981, Prestes começou a negociar o seu ingresso no Partido dos Trabalhadores (PT), visando sua candidatura a uma vaga no Senado nas eleições de novembro de 1982. Tal exigência criou dificuldades dentro da comissão executiva regional do PT, que não aceitou sua filiação. Pouco depois, Prestes recuou dessa exigência e os dirigentes do PT afirmaram que aceitariam o seu ingresso desde que ele se comprometesse com o programa e as práticas do partido. Prestes resolve não

se filiar ao PT alegando que o seu presidente, o metalúrgico Luís Inácio da Silva, o Lula, era "político muito imaturo" (LUIS..., 2007).

Prestes continuou na tentativa de se inserir em algum partido de esquerda. Em novembro do mesmo ano, a imprensa anunciava as negociações de Prestes com o Partido Democrático Trabalhista (PDT), cujo presidente era Leonel Brizola, que resolve declarar que não havia lugar para Prestes disputar uma vaga no PDT. Houve ainda uma tentativa frustrada de ingresso no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O líder comunista finalmente se integrou à campanha eleitoral do PDT, apoiando diversos candidatos no pleito de novembro de 1982, mas sem obter a sua pretendida vaga ao senado.

O cenário conturbado e falta de estabilidade interna no PCB produziram equívocos. Um deles foi atribuir a vinda do jornalista Jairo Régis, vindo de São Paulo por opção pessoal, a uma segunda tentativa de intervenção. Régis, que seguia a corrente tradicional do partido, apresentava sérias divergências com a ala jovem do comitê central capixaba, mas seu objetivo principal era a legalização do partido. Sua esposa, Dionary Regis, testemunhou esta passagem no livro “Escrito de Vitória”, produzido posteriormente pela Prefeitura Municipal:

Tarefa complicada. Não se tratava apenas de obter inserção na sociedade. Antes precisávamos vencer as desconfianças e a hostilidade dos jovens e rebeldes companheiros locais, que nos rotulavam de interventores. O PCB, que em nível nacional lutava pela legalidade, só teria como obtê-la com um mínimo de organização. Mas os comunistas da ala jovem, de Gramsci em punho, rejeitavam as regras, as normas de um partido que se mantivera vivo graças à estrutura marxista-leninista em que se pautava. A luta interna era grande. A ala jovem tinha seu foco de atividade principal na Universidade e em Vila Velha. Era um partido de estudantes, embora muitos de seus adeptos já estivessem longe dos bancos escolares há bastante tempo. Na nossa visão não era um partido. Era um movimento.

Do outro lado, dando-nos total apoio, estava a velha guarda: Clementino, Agostinho, Almir, Mazinho, Wilson e o mais querido comunista capixaba – que me perdoem os outros – Meireles. Era a turma remanescente da Folha Capixaba. Com apoio dessa gente, arregaçamos as mangas e pouco a pouco fomos achando território (REGIS, 1996, p. 46).

Apenas quatro meses antes das eleições de 1982, Paulo Hartung se desliga do PCB movido pela insatisfação dos rumos que o partidão havia tomado. Esta decisão fica restrita à direção do partido e a campanha tem continuidade abraçada pelo PMDB. Alguns militantes comunistas, principalmente Renato Soares, questionam a validade da candidatura após o desligamento, mas a chapa montada pelo grupo vinha

crescendo politicamente e já não havia tempo para mudanças. Herkenhoff (2007) narra este momento.

E mesmo o Paulo tendo saído do PCB, na minha visão, sob o impacto desta Carta aos Comunistas e nos desdobramentos dela que deixou todo mundo no ar [...]. O Renato Soares se lança candidato e faz uma movimentação no diretório nacional para garantir a candidatura dele [...]. Eu me oponho a isso, me articulo, trabalho contra isso [...] Nós fizemos um encontro aqui no Estado, um encontro com mais de 100 delegados, e nós mantivemos a candidatura do Paulo, mesmo tendo ele saído do partido. E fomos talvez, o motor da campanha dele, da Mirtes, do Berredo e do Camata [...] (Informação verbal).

Em dezembro 1982, o 7º Congresso do PCB foi invadido pelas forças da repressão, logo no início do primeiro dia do encontro, com a prisão de todos os delegados. Somente em 1984, depois de um limitado processo de consultas aos delegados do Congresso, o Comitê Central consegue publicar o documento com as resoluções congressuais “Uma Alternativa Democrática para a Crise Brasileira”, que afirmava que a principal tarefa dos comunistas continuava sendo a luta pelas liberdades democráticas, levando à formação de alianças no campo conservador, sob a ótica da disputa das eleições (RESOLUÇÕES..., 2007). A linha adotada pelo congresso vinha totalmente ao encontro das articulações da ala jovem capixaba.

Segundo as diretrizes do 7º Congresso o PCB pretendia tornar-se um grande partido nacional de massas, legalizado, vinculando a democracia a ser alcançada, com respeito ao pluralismo e aos valores fundamentais, ao objetivo de construção do socialismo. Prevaleceram as teses social-democratas que iriam fazer parte das concepções partidárias ao longo da década de 1980. O PCB, na tentativa de tornar- se um partido de massa, conclamou os militantes à legalização, pregando o respeito ao pluralismo e a construção do socialismo. Porém, o partido nunca viria a ter grande poder de inserção nos movimentos de massa, particularmente no movimento sindical que já estava comprometido com o nascimento do Partido dos Trabalhadores. O PCB só viria a tornar-se legal no ano de 1985 por meio da Emenda Constitucional n.º 25, como veremos posteriormente.