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Finalizando o primeiro capítulo que contextualiza a entrada em cena da geração política e esclarece o cenário ao qual este grupo de estudantes se organizou e deu início à militância e a atividade política, faremos algumas considerações sobre o sistema partidário brasileiro. Centramos as nossas pesquisas no período após a reformulação partidária de 1979, quando de fato se dá o início da vida político partidária dos membros do movimento estudantil. Para tanto, iremos analisar de forma sintética a construção de um novo sistema partidário brasileiro, levando em consideração a nossa primeira hipótese, que aponta como um dos fatores de

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Movimento articulados pela Igreja católica durante o regime militar em favor das classes subalternas a partir da teologia da libertação e da opção preferencial pelos pobres.

fortalecimento do grupo um sistema representativo de inconsistência ideológica e fragilidade política encontrado na realidade nacional.

A dinâmica partidária em democracias ocidentais pode ser percebida, segundo Meneguelo (1999, p. 25), em duas vertentes. De um lado, o declínio dos partidos define-se no campo da representação, e é marcado pela crescente perda de capacidade de constituição de vínculos sociais estreitos, comprovado pela pouca influência dos partidos nas eleições presidenciais, sob a ótica do eleitor, sendo esta decidida através do voto político, que seria a identificação imediata do eleitor com o personagem postulante ao cargo. De outro lado, as relações entre partidos e Estado estabelecem uma importante base de sustentação e de legitimação dessas organizações e vem promovendo uma significativa alteração no perfil em direção à redefinição das suas funções. Essa vertente é a que possibilita perceber a confusão que existe em nossa sociedade quando o objeto de observação são os partidos que ocupam o poder. Nessa ótica os partidos se misturariam com o próprio poder, criando uma relação de forças desiguais com os demais partidos, utilizando a máquina do Estado como parte decisiva, por exemplo, no processo eleitoral.

Nesse contexto o Estado passa a ter um papel de elemento regulador no dia a dia da vida partidária. As relações com o poder interferem diretamente nos interesses partidários, indicando objetivos e direcionando ações. Ainda segundo o autor, são três as funções que identificam o momento vivido pelo partido. Em primeiro lugar são as funções de representatividade e de articulação de interesses – mesmo com as transformações da representação através da competição eleitoral, eles são as instituições que melhor integram clientelas, mobilizam eleitorados, conferem amplitude aos interesses populares na política e estruturam as vontades e demandas do sistema representativo. Em segundo lugar, a função governativa – partidos formam governos, ocupam cargos e produzem políticas públicas, peças que operam o direcionamento de parte da opinião pública – sociedade – e podem levar as instancias decisórias à sociedade. E finalmente, as de natureza interativa – entre as bases e eleitores, a relação do partido, no poder ou não, com as outras forças do sistema partidário, partes ligadas diretamente às sociedades e aos grupos sociais mais receptivos a uma postura que se assemelha ao assistencialismo partidário (MENEGUELO, 1999).

Ainda observando os partidos no Brasil argumentamos que as organizações partidárias são instituições frágeis. Inspirados nas referências clássicas do modelo de partido de massas. Onde um movimento popular seria a causa e o objetivo de todo movimento partidário. Nesse sentido o partido somente seria presente, e como tal representante, quando os anseios de partes ou todo da sociedade se insurgem a favor de determinado tema ou luta. Muitas das vezes luta física e, ou, armada, como nos movimentos sindicais e estudantis Brasileiros. O mesmo aconteceu no movimento operário na antiga União Soviética. Essa visão mais lírica perde o sentido se utilizarmos um olhar mais analítico do comportamento partidário, percebendo que tais ações são movidas, muitas vezes, por interesses que brotam dentro do próprio partido e não nos grupos sociais que deveriam mobilizá-los e direcioná-los. Nesse sentido, nossos partidos seriam produtos estabelecidos num quadro de limitada capacidade autônoma dos atores sociais e careceriam de condições básicas de organização e funcionamento para se estruturarem como legítimas organizações representativas. A fragilidade partidária, quando questionamos a identidade partidária ou mesmo sua filosofia, pode representar o enfraquecimento partidário junto à sociedade civil, mas, em outra vertente, os acordos políticos e as mudanças ideológicas, ou de objetivos, promovem um jogo de fortalecimento da corrente predominante dentro de um partido.

Meneguelo (1999) aponta quatro aspectos onde foram alicerçados os estudos sobre partidos políticos no Brasil Republicano.

a) grau de descontinuidade dos partidos e dos sistemas partidários–seis sistemas partidários21 impedindo a constituição de uma história partidária contínua e de uma memória política vinculada às organizações partidárias com posições ideológicas definidas;

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Os sistemas do período republicano são seis: partidos únicos estaduais (Republicanos) na Primeira República, até a Revolução de 1930; um pluripartidarismo embrionário (polarizado nos extremos pelos integralistas e comunistas) até o golpe do Estado Novo em 1937; um pluripartidarismo de 1945 até a extinção pelo Ato Institucional n° 2, em 1965; um bipartidarismo tutelado no âmbito do Regime Militar até 1979; retorno controlado ao pluripartidarismo por meio da Reforma de 1979; ampliação do leque pluripartidário a partir da Emenda Constitucional nº 25 de maio de 1985 com a volta dos partidos de orientação marxista e sem restrições à formação de novos.

b) complexidade das formações partidárias – reflexo de dois conjuntos de fatores: heterogeneidade regional política e cultural e o baixo grau de estruturação interna dos partidos conseqüente da fragilidade institucional;

c) fragilidade do perfil organizacional que não traduz experimentos de interesses articulados com enraizamento social. Apenas o PCB e o PT representam produtos de processos de organizações com origens fundadas em bases sociais desvinculadas de elites políticas tradicionais, processos portadores de perfis ideológicos mais definidos e representativos de interesses sociais articulados; e

d) papel predominante do Estado na organização e na representação de interesses – formação e funcionamento do Estado, em existência prévia ao surgimento dos partidos e consolidadas sobre uma estrutura fortemente centralizada e marcadamente burocrática.

A idéia de que a fragilidade dos partidos e a contínua debilidade do sistema partidário são em parte produto das limitações impostas pelo Estado à dinâmica de organização de interesses sociais é um crivo observado na maior parte dos estudos. Diferente dos sistemas partidários europeus que se desenvolveram em muitos casos a partir dos interesses de classes, culturais ou religiosas, que no Brasil não ocorreram de forma tão intensa em virtude do caráter rudimentar da estrutura produtiva das camadas da sociedade, pelo menos até as primeiras décadas do século passado.

Um dos principais pontos que caracterizam a reflexão teórica sobre o desenvolvimento dos partidos no Brasil, como argumentamos anteriormente, aponta o declínio dos partidos como decorrência da degeneração das suas funções de representar e articular interesses sociais, e das formas de se organizar, quando assumem o poder, que traduzem os novos interesses que emergiram no sistema político.

A força partidária estabelecida é percebida através dos limites das relações entre partido e base social, construídas na força representativa de atores previamente articulados e seus interesses.

A unidade partidária é uma corrente maleável seguindo circunstâncias políticas que produzem motivações variadas. Essas variações podem ocorrer devido a mudanças de períodos, sendo interferidas de acordo com as movimentações sociais. Uma nova abordagem da análise pode resumir de maneira direta que os partidos se organizam e se mantém segundo um conjunto mínimo de pontos comuns e estabelecem negociações diante das demais forças políticas com base nestes pontos.

Quando os direitos sociais não estão sendo ameaçados, os partidos direcionam seus objetivos a questões do dia a dia do cidadão, ou de grupos sociais que dispõem do interesse partidário. É a partir desse ponto que podemos entender a fragilidade enfrentada pelos partidos políticos no Brasil. Os interesses individuais, ou mesmo de grupos, fragilizam o partido como um todo. As decisões, quando tomadas em acordo com esses interesses, fragmentam a unidade partidária, transformando- os em um agrupamento de facções políticas. As variações são maiores quando percebemos que os grupos existentes dentro de um partido se unificam em grupos maiores de acordo com seus interesses.

Problematizando essa questão podemos entender o jogo partidário se percebemos que um grupo, formado por pequenos grupos de interesses, pode ser dissipado quando os objetivos forem alcançados. Esses mesmos sub-grupos, que formavam um grupo maior dentro do partido, podem se tornar antagônicos quando da disputa por outros interesses legítimos. Grupos que se aglutinavam quando da luta pelo direcionamento do partido, por exemplo, se tornam opositores quando da luta por decisões que interferem diretamente nos interesses das suas bases de sustentação, sendo tudo permitido e justificado pelos princípios democráticos.

Outro motivo relacionado à fragilidade da função programática dos partidos políticos brasileiros, é expressa por Mainwaring (2001, p. 28). Ressaltando a existência de um subdesenvolvimento partidário, o autor procura ir mais a fundo na análise e localiza, fundamentalmente na legislação eleitoral e partidária, os problemas principais. Para ele, esta legislação, aliada a outros fatores como o presidencialismo e o federalismo, levaria, com exceção dos partidos de esquerda, a uma extremada autonomia dos políticos perante os partidos, materializando uma especificidade brasileira quando comparada a outros países, inclusive ao presidencialismo dos Estados Unidos. Essa extremada autonomia ligada às referidas legislações, por sua

vez, teria suas raízes em alguns elementos centrais. O principal deles diria respeito, especialmente, a uma falta de interesse dos próprios políticos, seja numa disciplina e coesão partidárias, seja na criação de partidos propriamente ditos. Uma estrutura e funcionamento mais organizados dos partidos, segundo o autor, poderiam propiciar um perfil partidário nacional, levando os políticos, devido ao federalismo brasileiro, a perder seus vínculos com as clientelas locais e regionais localizadas, por exemplo. Além do mais, em alguns casos, como haveria uma dependência dos políticos ao Estado através de recursos e cargos a serem distribuídos, os políticos dariam prioridade às suas relações com o Executivo e não com os seus respectivos partidos (MENEGUELLO, 1999).

Duverger (1970) prega que a percepção da conduta dos partidos políticos se torna mais compreensiva quando da análise da natureza de sua organização. Nesse contexto, precisamos entender o partido ao menos em dois momentos distintos. O primeiro seria quando da luta pelo poder, luta essa baseada em ideais de grupos sociais. O segundo momento é o partido sob a ótica do poder que, quando conquistado, leva o partido a se movimentar por sua manutenção, seja pela necessidade de retribuir à sociedade a conquista ou simplesmente pelo fato de desejar o poder pelo próprio poder. Poderíamos analisar o partido por uma terceira ótica, que seria, na verdade, a soma das duas anteriores. O partido desejaria o poder pelo poder, justificado no fato de que mantê-lo seria a maneira mais rápida de atender aos anseios de parte ou totalidade de sua base, motivo esse que o originou e o impulsionou para ele.

A participação de partidos na arena governamental define-se basicamente por uma dinâmica pela qual, por meio da obtenção de cargos políticos, os partidos viabilizam a realização de suas políticas entendidas como interesses e necessidades de grupos organizados (BUDGE; KEMAN, 1993).22 Em segundo lugar, diferentemente da consideração dominante de que a negociação por cargos traduz apenas o fisiologismo que marca as relações de acesso aos benefícios do Estado, consideramos que a ocupação de pontos governamentais pelos partidos é parte central de sua função governativa e pode traduzir graus significativos de organização no sistema partidário.

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Para Budge e Keman (1993, p. 36-37) esta é uma definição ampla e abrange desde interesses partidários até interesses de classes.

É importante rever alguns conceitos que são utilizados neste estudo: o partido de quadros e o partido de massas. A distinção entre partidos de quadros e de massas não se resume em sua dimensão, no número de membros: não se trata de uma diferença de talhe, porém de estrutura. A técnica dos partidos de massas tem por efeito substituir o financiamento capitalista das eleições por um financiamento democrático, o que possibilita a independência de segmentos dos doadores. Os membros doam de forma maciça, mas de acordo com suas limitações. Do mesmo modo, os partidos de massa caracterizam-se pela atração que exercem sobre o público: um público que contribui, “ouve”, “age”, recebe uma educação política e aprende o meio de intervir na vida do Estado (DUVERGER, 1970, p. 100).

O partido de quadro trata de reunir pessoas ilustres, para preparar as eleições, conduzi-las e manter contato com os candidatos. Pessoas influentes a princípio, já que seus nomes, prestígio ou brilho servirão de caução ao candidato e lhe granjearão votos. A seguir, pessoas ilustres como técnicos, que conhecem a arte de manejar eleitores e de organizar uma campanha, e pessoas notáveis financeiramente para contribuir com as campanhas. É verdade, que é comum os partidos de quadros abrirem as portas para adeptos comuns.

A distinção entre os dois tipos de partidos repousa numa infra-estrutura social e política. Os partidos de quadros correspondem aos partidos de comitês descentralizados e fracamente articulados; os partidos de massas correspondem aos partidos alicerçados nas seções mais centralizadas e mais fortemente articulados.

CAPÍTULO 2

A CONQUISTA DOS PRIMEIROS CARGOS TITULO

Urgente a necessidade de proceder-se a organização institucional do país (MENEGUELO, 1999, p. 83).23