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Com o adensamento da crise econômica, o governo deu início a pressão sobre o Congresso com vistas à aprovação da reforma do Poder Judiciário. Não obstante, o Planalto estava de fato preocupado com as eleições de 1978, principalmente para governador, as quais deveriam ser diretas, segundo estipulava a Constituição em vigor.

Legitimada pelo AI-5, uma emenda constitucional mantendo as eleições indiretas seria suficiente para tornar esta determinação nula e manter o indicando os governadores. Porém, para aprovar a emenda era necessário obter 2/3 dos votos do Congresso, e a ARENA, não possuía esta ordem de grandeza devido ao bom desempenho da oposição nas eleições de 1974 que elegeu 16 das 22 cadeiras do Senado. Sob o pretexto de que o MDB estava obstando o projeto, o presidente Geisel, no dia 1º de abril de 1977, decretou tanto o fechamento do Congresso, como uma série de reformas constitucionais por meio da Emenda Constitucional n.º 8. (MAINWARING, 2001, p. 129).

Durante os quatorze dias em que o Congresso esteve fechado, foi elaborado um conjunto de medidas chamado "Pacote de Abril" com o objetivo de garantir a maioria governista no Legislativo. Uma das primeiras medidas foi a criação da eleição indireta para 1/3 dos senadores que receberam a alcunha de "biônicos" pela sociedade. O pacote era composto por quatorze emendas e três artigos novos, além de seis decretos-leis. O principal retrocesso à Constituição era a determinação de eleições indiretas para governador, com a ampliação do Colégio Eleitoral, bem como a extensão às eleições estaduais e federais da Lei Falcão, que restringia a propaganda eleitoral no rádio e na televisão e fora criada para garantir a vitória governista nas eleições municipais de 1976.18 O pacote também estendia o mandato presidencial de cinco para seis anos.

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O pacote compreendia ainda a instituição de sublegendas, em número de três, na eleição direta dos senadores, permitindo à Arena recompor as suas bases e aglutiná-las sob o mesmo teto; ampliação das bancadas que representavam os estados menos desenvolvidos, nos quais a Arena costumava obter bons resultados eleitorais; alteração do quorum - de 2/3 para maioria simples - para a votação de emendas constitucionais pelo Congresso.

O "Pacote de Abril" foi um golpe no andamento do processo de abertura, já em curso, e indicou as bases sobre as quais o presidente Geisel planejava conduzir a distensão qualificada como "lenta e gradual".

Apesar de todo o esforço concentrado no "Pacote de Abril" para deter o avanço do MDB nas eleições de 1978, o partido tornou-se cada vez mais estruturado, congregando desde forças conservadoras a comunistas e movimentos da esquerda mais radical.

O clima político criado após o pacote possibilitou avaliar que, apesar de tantos anos de duro condicionamento político-militar, ainda persistia uma consciência coletiva que ao contrário de suprimida, estava silenciosa e demonstrava que havia uma movimentação de correntes de oposição política que iam além da recusa do sistema, por meio de votos brancos e nulos utilizados como protesto. Ainda assim a campanha resultou no que Cardoso e Lamounier (1979, p. 10) descreveu como “[...] um gosto amargo de uma democracia possível, mas não substantiva.”

Como resultado das medidas, apesar de ter obtido maior quantidade de votos para o Senado nas eleições de 1978, o MDB não obteve a maioria, conferindo à ARENA este status graças ao dispositivo que elegia senadores de forma indireta. Também na Câmara dos Deputados, apesar do MDB ter obtido um crescimento significativo, não conseguiu ultrapassar a quantidade de eleitos do partido do governo.

Uma das principais preocupações dos estrategistas políticos do regime autoritário era o fato das eleições assumirem, cada vez mais, o aspecto plebiscitário de posicionamento do eleitorado em relação ao governo. Com apenas dois partidos, a bipolarização criava um ambiente favorável para o MDB, que apesar da diversidade ideológica, era sempre o partido símbolo da oposição para o eleitorado, provocando o desgaste do partido do Governo.

Com o objetivo de enfraquecer os oposicionistas e, simultaneamente, proteger o Estado e a estratégia da distensão política, o Governo do General Figueiredo19 deu início à reorganização dos suportes políticos e instituiu o multipartidarismo, acarretando um estilhaçamento no sistema de oposições. Para isto, no ano de 1979 foram decretadas duas leis de importante envergadura: a primeira foi a Lei de Anistia

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Política (BRASIL, 1979a), reivindicação dos movimentos de oposição e motivo de pressão de vários setores da sociedade. Esta medida foi impetrada após intensas negociações com a elite da oposição e com os setores de extrema direita das forças armadas, para chegar a uma proposta de anistia, que apesar de parcial, representava um grande passo para a redemocratização, na medida em que possibilitou o retorno ao cenário político de importantes líderes cassados e exilados a partir de 1964.

A segunda foi a nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos que extinguia a ARENA e o MDB e estabelecia as novas regras para a criação de outros partidos (BRASIL, 1979b). Esta estratégia tinha como finalidade fragmentar a oposição que estava aglutinada no MDB que apresentava grande densidade eleitoral.

O Sistema Partidário Brasileiro surgiu nas entranhas no regime autoritário de acordo com uma estratégica de sobrevivência política do Governo. Não obstante, transformou-se na principal instituição responsável pela consolidação do processo de transição para a democracia.

A antiga ARENA transverte-se de PDS na tentativa de despir a imagem impopular dos anos de situação ao regime e participar das eleições seguintes. Já o MDB, que ao contrário, não tinha a intenção de perder sua identidade, apenas acrescentou uma letra à sigla e tornou-se PMDB.

Cinco partidos de oposição surgiram da divisão do antigo MDB (KINZO, 1993): o PMDB, o PP, o PDT, o PTB e o PT. Seu sucessor direto, o PMDB, era o maior de todos. Manteve o seu caráter heterogêneo e continuou congregando desde organizações clandestinas de esquerda, inclusive os dois partidos comunistas, o PCB e o PC do B, até mesmo grupos conservadores, no entanto, a corrente social- democrata tinha mais destaque.

Nascido da composição da ala conservadora do MDB com uma corrente liberal da ARENA, o Partido Popular, o PP, fundado por Tancredo Neves era o segundo maior partido de oposição. Meses depois o partido se dissolveu e fundiu-se com o PMDB, em revide à mudança na legislação eleitoral.

Os demais partidos da oposição eram menores e tinham organizações viáveis em apenas alguns estados. O PDT, Partido Democrático Trabalhista, era um partido de centro-esquerda, de orientação social-democrata, mas de estilo populista e personalista. O PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, estava ideologicamente mais próximo do PP e atraiu parte da oposição centrista, competia com o PDT pela posse do legado do PTB pré-1965 (MAINWARING, 2001, p. 131). E finalmente, o PT, Partido dos Trabalhadores, que foi o principal aglutinador da esquerda, com lideres sindicais, grupos progressistas da Igreja católica, lideranças dos movimentos sociais, intelectuais e alguns setores da esquerda socialista. Estas forças políticas rejeitavam a estratégia de frente ampla do PMDB, sob o argumento de que ela colocava em segundo plano os interesses do povo e que era importante criar um canal partidário para apoiar as lutas populares.

Mais uma vez “[...] a ambigüidade característica da abertura controlada” logo se manifestou (LAMOUNIER, 2005). O primeiro sinal foi a manobra do Governo com o objetivo de adiar as eleições municipais, previstas em novembro de 1980, para o ano de 1982. Nesta mesma estratégia judicial o governo criou diversas cláusulas para dificultar a legitimação das novas legendas. Um bom pretexto para o atraso era o fato dos partidos necessitarem de um período para organizar as bases municipais, conforme a exigência legal de disputa das eleições. Com exceção do PMDB, PDS e o PP, os demais partidos não conseguiriam formar diretórios locais para cumprir os requisitos da lei e disputar as eleições nos quatro mil municípios, o que postergou por mais alguns anos, até as eleições de 1982 a estabilização de nomes como o PTB, PT e PDT. Prefeitos e vereadores tiveram seus mandatos prorrogados por mais dois anos.

Mas o PT era mais do que uma simples emanação política de movimentos sociais que participaram da sua fundação. Para sua criação contribuíram, além dos militantes sindicalistas e dos setores progressistas da Igreja católica, grande parcela dos intelectuais de esquerda e o movimento estudantil, além de organizações ou partidos clandestinos com tendências comunistas ou trotskistas. Mesmo sendo formado com base nos ideários de esquerda, o PT se posicionava como socialista e resistiu aos esforços das facções mais radicais para ser rotulado como “marxista- leninsta ou mesmo marxista” (KINZO, 1993, p. 56-57).

No Espírito Santo, no início da década de 1980, os movimentos operário e sindical não congregavam as forças contidas nacionalmente, principalmente no Estado de São Paulo, devido à forma como foi realizado o processo de industrialização e urbanização local. Portanto, o processo de formação do Partido dos Trabalhadores ocorreu de forma mais gradual no Estado, como nos explica Zorzal (1993, p. 75):

Tais forças eram oriundas das Comunidades Eclesiais de Base20, do movimento sindical, que apesar de incorporar um pequeno número de sindicatos possuía ainda grande força operária. Expressava-se principalmente através de sindicatos como: médicos, dentistas, jornalistas, professores, entre outros, e ainda juntaram-se a estes intelectuais independentes e setores da extrema esquerda. Assim, entre os fundadores do partido encontravam-se lideranças como Cláudio Vereza (CEBs), Gilberto Álvares dos Santos (Movimento Popular, Transporte de Vila Velha), Brice Bragato (CEB’s), Vitor Buaiz (Médicos) Rogério Medeiros (Jornalistas), Agenor da Silva (Sind. Trab. Const. Civil) e Perly Cipriano (Dentistas).

Segundo Vieira (1992, p. 97) a primeira reunião oficial para formação da comissão provisória do partido no Estado foi realizada em 28 de janeiro de 1980. Se integraram ao partido setores de oposições sindicais, da universidade e do movimento estudantil. Foram encarregados pela direção nacional do partido para fundar o PT no estado, o médico Vitor Buaiz e o jornalista Rogério Medeiros. Algumas lideranças sindicais nacionais, entre elas Jacob Bittar (petroleiros) e José Ibrahin (metalúrgicos) vieram contribuir com a tarefa de fundação do novo partido. Logo que obteve o registro no Estado, o PT constituiu comissões diretoras em 14 municípios.