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4.3 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

4.3.1 As entrevistas

No tocante às entrevistas, estas são um instrumento de coleta de dados amplamente empregado nas ciências sociais empíricas. As entrevistas são semiestruturadas com um único respondente. Segundo Gaskell (2015), a entrevista qualitativa possibilita uma compreensão detalhada das crenças, atitudes e valores, em relação aos comportamentos dos atores em contextos sociais específicos. Antes de qualquer entrevista, duas questões centrais devem ser consideradas: o que perguntar e a quem perguntar.

De acordo com Gaskell (2015), por trás de uma entrevista bem-sucedida está um entrevistador bem preparado. Nesse sentido, Gaskell (2015) recomenda a elaboração de um guia elaborado a partir da combinação de uma leitura crítica de literatura apropriada, um reconhecimento do campo, discussões com colegas experientes, e algum pensamento criativo. Um bom guia propicia progressão lógica e funciona como um esquema preliminar para a análise das transcrições das entrevistas. No entanto, Gaskell (2015) ressalta que o guia deve ser usado com alguma flexibilidade, uma vez que o entrevistador deve usar sua imaginação para perceber quando temas importantes, não considerados inicialmente, surgem nas discussões.

Em relação à seleção dos entrevistados, Gaskell (2015) frisa que a finalidade da pesquisa qualitativa não é contar opiniões, mas, ao contrário, explorar o espectro de opiniões, os diferentes entendimentos sobre uma determinada questão; é perceber a variedade de pontos de vistas e o que fundamenta e justifica essas diferenças. Assim, o pesquisador deve considerar como um meio social específico pode ser segmentado em relação a um tema, segundo posições ou pontos de vistas. Segundo Gaskell (2015), o quantitativo de entrevistas

depende da natureza do tema, do número de versões da realidade e, especialmente, dos recursos disponíveis.

Foi realizado esforço para atender às recomendações de Gaskell (2015), ou seja, foram selecionados atores, de diferentes matizes ideológicas, que atuam ou atuaram no subsistema da política fiscal brasileira. Assim, participaram das entrevistas servidores que exercem ou exerceram cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) no Ministério da Fazenda (MF), no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPOG), pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e consultores legislativos do Congresso Nacional, bem como especialistas no tema, assessores parlamentares e representantes do setor produtivo.

Os atores foram identificados a partir da análise de documentos oficiais, textos da mídia e, principalmente, pela indicação por outros atores ou convidados. Entre os burocratas de alto escalão do MF e MPOG, participaram das entrevistas dirigentes dos governos petistas e do então presidente Michel Temer.

Também, manteve-se contato com parlamentares e os diretórios e as fundações vinculados aos partidos políticos de diferentes ideologias, mas essas iniciativas não obtiveram o resultado esperado. No mesmo período das entrevistas foram realizadas as eleições municipais, bem como, tramitava no Congresso Nacional o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

As entrevistas semiestruturadas foram conduzidas para efetuar o levantamento dos objetivos e das alternativas, bem como elaboração e validação dos mapas cognitivos. Na primeira etapa de campo desta pesquisa, as entrevistas foram realizadas presencialmente ou a distância com atores que atuam ou atuaram no subsistema da política fiscal.2 Na modalidade a distância, as entrevistas foram realizadas por meio de chamadas de vídeo e voz, com auxílio do software Skype.

Nessa etapa de campo, foi utilizado um roteiro de entrevista3, contendo algumas questões relacionadas ao tema da pesquisa, um gravador de voz e um caderno de anotações. O roteiro de entrevista foi estruturado por meio das técnicas sugeridas pelo Value-Focused Thinking.

2 As relações dos entrevistados encontram-se no Erro! Fonte de referência não encontrada. e no Erro! Fonte de referência não encontrada..

Foram realizadas 24 entrevistas, no período de 8 de julho a 21 de setembro de 2016, que totalizaram aproximadamente 28 horas. Essa etapa estava, inicialmente, prevista para ocorrer nos meses de julho e agosto.

Assim, a coleta dos dados deu-se em torno de atores que tiveram ou mantêm participação nos debates acerca da política fiscal brasileira. As entrevistas foram transcritas e os respectivos conteúdos analisados com os documentos relacionados ao tema4.

Segundo Bauer (2015), os textos, assim como as falas, revelam pensamentos, sentimentos, planos das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam. A análise de conteúdo é um método de análise de texto desenvolvido nas ciências sociais empíricas, é uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu contexto social. Esses textos são produzidos no processo de pesquisa, tais como as transcrições de entrevistas, ou já foram produzidos para outras finalidades quaisquer, como as notas taquigráficas.

Bardin (2011) define análise de conteúdo como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativas ou não) que permitam a inferência de conhecimento relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. (BARDIN, 2011, p. 48)

Bardin (2011) organiza a análise de conteúdo em torno de três fases cronológicas: (1) a pré-análise, (2) a exploração do material e (3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A pré-análise consiste na fase de organização e possui três objetivos: as escolhas dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e objetivos, e a elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final. Esses objetivos não necessariamente se sucedem segundo uma ordem cronológica.

Após definido o universo dos documentos sobre os quais se pode efetuar a análise, faz- se necessário definir um corpus que é o conjunto de documentos a serem submetidos aos procedimentos analíticos. Essa seleção implica na observância de algumas regras: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência (BARDIN, 2011).

Quanto à exploração do material, segundo Bardin (2011), essa fase é longa e fastidiosa, consiste basicamente em operações de codificações, decomposição ou enumeração, segundo regras previamente formuladas, efetuadas manualmente ou com auxílio de software. Bauer (2015) expõe que a construção de um referencial de codificação é um processo interativo, é uma tarefa que traz consigo a teoria e o material de pesquisa. Esse referencial é um conjunto

de códigos com o qual o material de pesquisa será classificado. No entanto, Bauer (2015) ressalta que embora o corpus do texto esteja aberto a outras diversas questões, a análise de conteúdo interpreta o texto apenas à luz do referencial de codificação.

As entrevistas, realizadas na primeira etapa de campo, foram transcritas e os respectivos conteúdos analisados, com os documentos relacionados ao tema, segundo as categorias e subcategorias do código disponíveis no Quadro 5. A categorização dos conteúdos está disponível no Apêndice C.

Quadro 5 - Relação das Categorias e Subcategorias da análise de conteúdo.

Categoria Subcategoria

A. Receita Pública A.1 Reforma tributária A.2 Gastos tributários

A.3 Simplificação e uniformização das regras tributárias A.4 Carga tributária

A.5 Justiça tributária A.6 Arrecadação

B. Federalismo Fiscal B.1 Repartição das receitas B.2 Coordenação e delegação B.3 Ineficiência fiscal B.4 Risco moral B.5 Solvência

C. Governança Fiscal C.1 Governabilidade/Política C.2 Grupos de interesse C.3 Credibilidade/Confiança C.4 Centralidade da Política Fiscal C.5 Transparência

C.6 Entidade Fiscal C.7 Atualização normativa C.8 Indicadores, Limites e Metas C.9 Responsabilização

C.10 Regime fiscal C.11 Accountability

D. Cidadania Fiscal D.1 Educação fiscal e financeira D.2 Valores

D.3 Controle social E. Despesa Pública E.1 Orçamento

E.2 Rigidez orçamentária (Vinculações/Obrigatoriedades) E.3 Trajetória da despesa

F. Planejamento F.1 Planejamento Estratégico/Longo prazo F.2 Plurianualidade Orçamentária

F.3 Escolhas/Alocação G. Gestão Fiscal G.1 Desempenho

G.2 Monitoramento e Avaliação

G.3 Coordenação das políticas econômicas H. Dívida Pública H.1 Trajetória crescente

H.2 Custo/juros H.3 Perfil

Quadro 5 - Relação das Categorias e Subcategorias da análise de conteúdo. (continuação)

Categoria Subcategoria

I. Funções da Política Fiscal I.1 Redução das desigualdades I.2 Estabilidade da economia I.3 Inflação

I.4 Crescimento econômico I.5 Prover bens e serviços públicos I.6 Sustentabilidade fiscal

I.7 Investimentos J. Burocracia J.1 Produtividade

J.2 Valores K. Previdência Social

L. Imperfeições do Estado L.1 Tamanho do Estado L.2 Concessões e privatizações

A construção prévia do código para análise de conteúdo dos documentos para identificação dos objetivos e alternativas foi inicialmente baseada em leitura exploratória prévia, como recomendado por Bardin (2011) e Bauer (2015). A primeira versão do código foi baseada principalmente nos capítulos da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Entretanto, é importante ressaltar que o código foi atualizado, de maneira interativa, a partir da identificação de novos elementos que não haviam sido considerados inicialmente.

No tocante aos resultados obtidos e interpretação, segundo Bardin (2011), os resultados brutos são tratados de forma a serem significativos e válidos e submetidos a provas estatísticas e testes de validação, possibilitando ao pesquisador propor inferências e adiantar interpretações.

Por fim, em relação à qualidade da análise de conteúdo, Bauer (2015) destaca quatro fatores a serem observados: (1) coerência na construção de um referencial de codificação, todos os códigos fluem de um único princípio, provém de ideias superiores, que trazem ordem ao referencial de codificação; (2) transparência, a documentação detalhada do processo de codificação assegura a replicabilidade do estudo por outros pesquisadores; (3) fidedignidade, definida como uma concordância entre intérpretes; e (4) validade, se refere até que grau o resultado representa corretamente o texto, ou seu contexto.