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As externalidades negativas de natureza ambiental e a repartição de riscos

2 RISCO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL: A PERSPECTIVA BRASILEIRA

2.4 As externalidades negativas de natureza ambiental e a repartição de riscos

Como vimos a sociedade de riscos é marcada pelo paradoxo de que os riscos foram gerados pela tecnologia e pela ciência, a qual, agora, não consegue encontrar uma forma para reagir adequadamente a eles. Nesse contexto, emerge o problema da repartição desses riscos, que se identificam com externalidades ambientais negativas.

Steigleder (2004) define as externalidades ambientais negativas como efeitos negativos da produção e correspondem aos custos econômicos que circulam externamente ao mercado, sem qualquer compensação pecuniária, e que acabam sendo “socializados”, já que a fonte geradora não as considera e tampouco as contabiliza nas decisões de produção ou de consumo. São transferências “a preço zero”, de sorte que o preço final dos produtos não as

reflete e, por isso, “não pesam nas decisões de produção ou consumo”, apesar de representarem verdadeiros custos sociais da utilização privada dos recursos comuns.

De fato, a existência de bens livres pode conduzir a determinadas falhas de mercado, a que os economistas chamam de externalidades negativas. Externalidades, efeitos externos negativos ou deseconomias externas correspondem a custos econômicos que circulam externamente no mercado e, portanto, não são compensados percuniariamente, sendo transferidos sem custos. Não se referem a fatos ocorridos fora das unidades de produção, e sim a efeitos do processo econômico ocorridos fora ou em paralelo ao mercado (NUSDEO, 1997, p. 177).

Com efeito, a poluição e a degradação da qualidade ambiental constituem, inegavelmente, alguns dos principais efeitos externos negativos da atividade produtiva. Como o sistema econômico é aberto a três processos básicos – extração de recursos, transformação e consumo -, ele envolve necessariamente, em função do inafastável processo de degradação entrópica, (CAVALCANTI, 1998, p. 106) a geração de rejeitos que acabam sendo lançados no ambiente: ar, água ou solo. E sendo alguns dos recursos ambientais de livre acesso, os agentes econômicos tendem a impor aos demais usuários um custo externo representado por uma perda compensada sem seu bem-estar (danos à saúde, aumento da mortalidade, diminuição das oportunidades de lazer, etc.) (TURNER, 1993).

Para Carneiro (2003) isso ocorre porque o processo produtivo não é um fim em si mesmo. Antes a produção objetiva a troca de bens por dinheiro, gerando renda e riqueza. Porém, a produção de um determinado item não está isenta de custos, de tal modo que o produtor deve assegurar que a soma total de dinheiro recebido pelos bens produzidos exceda o volume de custos envolvidos, ou seja, ele deve maximizar a diferença residual entre preço e custos, para que possa realizar lucros e continuar atuando em seu segmento de mercado. Dentro dessa lógica, haverá sempre uma forte motivação para que a empresa reduza ao

máximo seus custos e portanto, maximize seus resultados, (TURNER, 1993, 65-66) majorando suas oportunidades de ganho.

Como, no entanto, os bens livres não são vendidos nos mercados, não há preço a pagar pela utilização do meio ambiente e nem custos a serem por isso compensados, inexistindo uma razão econômica suficientemente forte para que o produtor execute investimentos e adote medidas destinadas a eliminar ou minimizar os impactos ambientais de seu empreendimento (MARGULIS, p. 136).

Quando, por exemplo, se queima carvão em uma usina termelétrica, nenhum dos efeitos negativos causados pela emissão de poluentes sem qualquer filtragem na atmosfera é, a priori, custeado pela companhia responsável pela geração de energia (CARNEIRO, 2003). O impacto ambiental não será, pois, refletido nos custos da eletricidade utilizada pelos consumidores finais. Quem efetivamente pagará por esses custos é a sociedade, através da degradação da saúde da população e da perda da qualidade ambiental, além do agravamento do efeito estufa e da chuva ácida. Assim, o custo da produção da eletricidade para a sociedade é maior do que o custo para a empresa geradora da energia, pois a cada watt de energia produzida o custo social inclui os custos privados da usina, mais os custos das pessoas afetadas pela poluição atmosférica (MANKIW, 1999, p. 208).

A ação das externalidades negativas incide sobre os chamados “bens livres”. Enquanto os bens econômicos são úteis e escassos e acessíveis, pelo que resultam protegidos pela lei da oferta e da procura, os bens livres, embora aptos a satisfazer necessidades humanas vitais, não têm o consumo condicionado a qualquer tipo de restrição, quantititativa, monetária ou outra, pois há uma crença no sentido de sua inesgotabilidade.

Verifica-se, portanto, que o problema das externalidades relaciona-se com a ausência ou indefinição dos atributos inerentes à propriedade. Os mercados têm propensão a trabalhar melhor quando a alocação de recursos é feita através de bens privados, caracterizados pela

exclusividade (quem não deseja pagar o preço de mercado é excluído de seu uso) e pela concorrência no consumo (o indivíduo que deseja por ele pagar exclui os demais do gozo de seus benefícios) (TURNER; PEARCE, 1993, p. 77).

Assim, se alguém não aceita pagar um determinado preço por carro de modelo exclusivo não poderá ter o prazer de usufruí-lo. Se eventualmente, no entanto, concordar com o preço, excluirá dos demais consumidores os benefícios decorrentes do uso deste bem. Por outro lado, como os mercados levam em consideração os preços dos bens ao decidir sobre a quantidade de recursos que devem ser utilizados no processo de produção, é possível concluir que, quando os preços refletem com realismo o valor dos recursos, os agentes econômicos terão a propensão de conservá-los (TURNER; PEARCE, 1993, p. 77).

No desdobramento dessa idéia, poderíamos lembrar, segundo Carneiro (2003) de uma expressão muito conhecida, segunda a qual o que pertence a todos não pertence a ninguém. Mesmo entendida com o relativismos que merece, tendo em vidas as mudanças de percepção social moderna sobre a questão ambiental e seus desdobramentos em termos de compreensão dos bens e valores coletivos, de fato, a frase parece traduzir adequadamente a lógica da sociedade industrial.

Até certo ponto tais comportamentos podem ser vistos como normais, porquanto tenham as pessoas uma tendência natural à preservação e à manutenção do que lhes pertença, em grau incomensuravelmente maior do que em relação aos bens não integrantes de seu domínio.

A partir dessa compreensão, as externalidades negativas de natureza ambiental surgem em função da inexistência ou indefinição de direitos de propriedade, tornando impossível o estabelecimento de mercados e de sistemas de preços que permitam o uso eficiente do meio ambiente. A falta de mercado cria um preço ou custo zero e, por conseqüência, permite o uso excessivo ou abusivo dos recursos ambientais (MCFETRIDGE; SMITH; CHANT, 1992, p.

112) pelos chamados free riders (caronas) - expressão muito utilizada pelos economistas para designar os agentes econômicos que não pagam pela utilização dos bens livres (MCFETRIDGE; SMITH; CHANT, 1992, p. 106). É como se o mercado pudesse ser comparado a uma barreira de pedágio, que deve cobrar um determinado valor dos usuários que trafegam pela rodovia. Os free riders seriam aqueles que se valem de um atalho ou desvio para elidir a cobrança do pedágio, o que os coloca em situação mais vantajosa em relação aos demais motoristas (NUSDEO, 1997, p. 182).

Para Nusdeo (1997) os problemas ambientais surgem em razão de um divórcio entre propriedade e escassez. Com efeito, no sistema econômico de mercado a propriedade privada dos bens econômicos origina em toda a cadeia de trocas, com a imputação dos respectivos preços. Em suma, é a propriedade que embasa o regime de preços. Ora, as externalidades negativas correspondem a custos incompensados, ou seja, transferidos sem preço.

Eis aí a raiz da questão: a escassez impõe uma contenção no uso dos bens, a qual somente é obtida pela imposição de um preço, o que, em princípio, não é possível na ausência ou indefinição de direitos de propriedade (NUSDEO, 1997, p. 182). Os agentes econômicos, assim, servem-se de bens escassos como se fossem bens abundantes, levando-os à exaustão ou à degradação em sua qualidade. Na verdade, o que de fato ocorre é que a falta de mecanismos de mercado, expressos através do sistema de preços, induz à falsa percepção de que exista abundância, quando na realidade a disponibilidade dos recursos é rigorosamente escassa.

Tutelar as externalidades negativas e criar mecanismos de gerenciamento de riscos constituem o maior desafio do Direito Ambiental. Para tanto, já existem instrumentos no próprio direito que podem conduzir a solução do conflito, como por exemplo: uma avaliação dos riscos ambientais baseada nos princípios do Direito Ambiental. Por outro lado, o direito civil clássico e especialmente o Direito Ambiental brasileiro e internacional não oferecem

meios para controlar e fiscalizar a internalização dos custos ambientais produzidos pelo sistema econômico.

2.5 Direito Ambiental: superação ou manutenção do paradigma antropocêntrico-