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2 RISCO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL: A PERSPECTIVA BRASILEIRA

2.2 Os princípios fundamentais do direito do ambiente

2.2.2 O Princípio da Precaução

O princípio da precaução, cujo surgimento deu-se na Alemanha,23 atua em face da presença de um risco potencial de uma atividade em relação ao ambiente24 “ [...] ainda que este risco não tenha sido integralmente demonstrado, não possa ser quantificado em sua amplitude ou em seus efeitos, devido à insuficiência ou ao caráter inconclusivo dos dados científicos disponíveis na avaliação dos riscos (LEITE, 2003, p. 231).

A orientação desse princípio dirige-se, desse modo, no sentido de que, mesmo diante da dúvida ou incerteza científica em relação à nocividade ambiental de determinada substância, empreendimento ou atividade, seja da circulação de substâncias ou, se for o caso, da operação do empreendimento ou atividade.

Assim, pode-se dizer que o Princípio da Precaução fundamenta-se exatamente na incerteza que governa o conhecimento humano diante da complexidade da realidade social, decorrente, principalmente, do alto grau de desenvolvimento tecnológico que qualifica a sociedade de risco.

A propósito, Martins (2002, p. 12) assinala que o surgimento deste princípio reflete a crescente sensibilização para “ [...] os riscos inerentes à complexificação constante e vertiginosa da realidade social e a consciência da necessidade de identificar e gerir a incerteza científica. Se a incerteza e ignorância desde sempre caracterizam o conhecimento humano, a verdade é que hoje constituem o paradigma, elemento estruturante da nossa sociedade. A sociedade actual move-se no “reino da incerteza”.

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23 O princípio da precaução surgiu na Alemanha, no início da década de 70, com fundamento de uma política

intervencionista e centralizadora na área da poluição atmosférica, num contexto de grande agitação e preocupação social relativamente aos perigos para saúde pública advenientes de um smog (fumaça) fotoquímica e à perspectiva alarmante de destruição das florestas pelas chuvas ácidas. Face à ameaça de irreversibilidade da situação e a incerteza e desconhecimento das suas conseqüências ao nível da toxificação dos habitats naturais, a construção do princípio da precaução revelou-se imprescindível para habilitar e legitimar a actuação dos poderes públicos na ausência de provas científicas conclusivas sobre as suas causas.” (MARTINS, 2002, p. 25-26)

24 Esse risco potencial que também se equipara ao risco de perigo refere-se à constatação de verossímil

Em contraponto à perspectiva oferecida pela moderna teoria financeira, centrada na crença da possibilidade de quantificar-se o risco futuro a partir do tratamento estatístico do passado, o princípio da precaução sugere, dentro da lógica da irreversibilidade, que o risco ambiental, de caráter eminentemente coletivo, foge ao controle das variáveis convencionais da decisão extritamente econômica de caráter individual.

Para Derani (1997, p. 167), o princípio deve levar em conta não só o risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade. Deste modo não é nada desarrazoado afirmar que a equidade intergeracional é um dos objetivos oferecidos pelo princípio da precaução.

Se, de um lado, os efeitos da aplicação do princípio da precaução se projetam para além da presente geração, na outra extremidade, seu ponto de partida deve anteceder a analise do risco da atividade. Com, efeito, pesquisando as repercussões do princípio da precaução na atividade econômica, Derani (1997, p. 168), baseando-se nas lições de Winter, destaca que não é o risco, cuja identificação torna-se escorregadia no campo político e técnico-científico, que deve provocar alterações no desenvolvimento linear da atividade econômica, ou seja, não se cuida apenas de identificar e posteriormente afastar os riscos de determinada atividade, mas, antes disto, “[...] o esclarecimento da razão final do que se produz seria o ponto de partida de uma política que tenha em vista o bem-estar de uma comunidade. No questionamento sobre a própria razão de existir de uma determinada atividade, se colocaria o início da prática do princípio da precaução.”

O principal instrumento precaucional no direito brasileiro é o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), previsto no art. 9º, III, da Lei nº 6.938/81, no art. 225, § 1º, inc. IV, da CF e na Resolução do Conama nº 01/86, mediante o qual são levantados todos os riscos inerentes à determinada atividade potencialmente impactante, de sorte a viabilizar informações para o

licenciamento ambiental, que cuidará de impor medidas preventivas, mitigadoras dos impactos dos danos.

Ao comentar o princípio da precaução, Leite & Ayala (2003, p. 70-71), apontam a necessidade de compreendê-lo como pressuposto prévio de todos os processos de decisão política que tenham por conteúdo a gestão de riscos, envolvendo atividades que se sabe potencialmente perigosas, a fim de se determinar qual o nível de risco aceitável para a sociedade, ressaltando a importância da participação democrática nestes processos decisórios.

Recorda-se o exposto acima, no sentido de que a principal reivindicação dos movimentos ecológicos consiste em participar das decisões que desembocarão na assunção de riscos. Conforme já referido, o Estudo de Impacto Ambiental, revestido do princípio da publicidade, a fim de viabilizar a participação democrática por meio de audiências públicas, é o principal instrumento de avaliação e geração de informações para possibilitar a gestão de riscos.

Na fase decisória sobre os riscos, o princípio da precaução implica a ponderação ecológica de bens e interesses, com uma prevalência tendencial do bem ambiente na ponderação de bens25. Registre-se, no entanto, a posição de Aragão (1997, p. 154), para quem, “quando haja dúvidas sobre a sucetibilidade de uma certa atividade provocar danos ao ambiente, ou sobre a adequação nos meios à proteção do ambiente, sobretudo nas atividades perigosas, aplica-se o princípio que poderíamos designar em dúbio pro ambiente”.

Para Leite & Ayala (2003) o princípio da precaução aplica-se especialmente quando não há provas científicas da existência do dano ambiental, ou do nexo da causalidade entre uma atividade e um dano constatado, ou da necessidade da adoção de certas medidas mais rigorosas de proteção do ambiente (fato que se verifica sobretudo nas atividades perigosas), _________

25 Leite & Ayala (2003, p. 73) entende que o valor da proteção do meio ambiente não tem precedência absoluta

sobre os demais valores, devendo ser compatibilizado mediante a ação restritiva e integradora dos princípios da proporcionalidade, proibição de discriminação, fingibilidade (modificabilidade), coerência e ponderação.

desde que a existência do dano, o nexo e a necessidade de adoção não sejam completamente inverossímeis.

A doutrina aponta como uma das conseqüências da aplicação do princípio em estudo, a inversão do ônus da prova, que decorre e expressa imposição do art. 8º da Resolução nº 01/86, e do art.11 da Resolução nº 237-97, ambas do CONAMA. Afinal, imaginam todos, se a incerteza do risco é o fundamento que autoriza a aplicação do princípio da precaução torna-se imperioso, em contrapartida, que o empreendedor se antecipe provando a inocuidade da sua atividade uma vez que a dúvida militará, sempre, a favor do ambiente.

O surgimento do princípio da precaução mostrou-se de superlativa importância para o Direito Ambiental, na medida em que lhe conferiu um marcante traço acautelatório, Conforme Mirra (2002, p. 250), com a consagração desse princípio:

[...] não pode mais haver dúvida de que o Direito Ambiental no Brasil é o direito da prudência, é o direito da vigilância no que se refere à degradação da qualidade ambiental e não o direito da tolerância com as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Esse o enfoque que deve prevalecer em toda atividade de aplicação do Direito nessa área, inclusive, na esfera judicial.

Quanto à influência do princípio da precaução na estruturação da gestão de riscos, é de se ver que, à medida que ele impõe a todos um dever genérico de agir sem colocar em risco o meio ambiente, mesmo que não se tenha certeza científica de que de fato a conduta possa resultar num dano efetivo ao ambiente, a cogitada norma, por conseqüência, autoriza o surgimento de uma categoria de responsabilização que emerge da constatação objetiva da inobservância deste dever jurídico originário de cautela, ou seja, abre-se a possibilidade de se imputar ao agente responsável pelo estabelecimento de um estado de risco potencial ao ambiente o dever jurídico secundário de afastar a circunstância criada.