U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
B
RASÍLIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM PLANEJAMENTO E GESTÃO AMBIENTAL
Mestrado
DINÂMICA FORMATIVA DO RISCO SOCIOAMBIENTAL SOB A
ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL NAS INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS
Autora: Kátia Silene de Oliveira Maia
Orientador: Prof. Dr. Mário Lisboa Theodoro
DINÂMICA FORMATIVA DO RISCO SOCIOAMBIENTAL SOB A
ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL NAS INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS
Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental
Orientador: Prof. Dr. Mário Lisboa Theodoro
A Deus, em primeiro lugar, por trilhar este caminho e chegar ao final, foi, em grande parte, uma questão de fé.
Ao Professor Dr. Mário Lisboa Theodoro, pelos iluminados conselhos e orientações. Por sua disposição em orientar-me durante todo o trabalho com competência, paciência e respeito.
Ao Professor Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araújo, pelas primeiras idéias, pela troca de experiência, pelas sugestões oferecidas ao trabalho.
Ao Professor Dr. Luiz Felipe Serpa, meu grande amigo. Por ter, desde o início, me oferecido enorme apoio, principalmente nos momentos mais difíceis, quando algumas portas se fecharam. Pelas horas despendidas lendo, corrigindo e contribuindo com valiosas sugestões para essa dissertação e acima de tudo por sua amizade. Obrigada, Felipe.
Aos demais membros da banca examinadora que possibilitaram uma releitura e aprofundamento da temática tratada e por aceitarem mais esse desafio.
Aos demais professores pelo constante, inestimável apoio, nunca negado.
A todos os colegas do curso, pela amizade, pelo carinho, pela troca de experiências e conhecimentos. Não citarei nomes porque não gostaria de esquecer de ninguém.
Aos funcionários da Universidade Católica, pela disposição e dedicação. Ao Banco do Brasil pela oportunidade concedida.
Aos colegas de trabalho pelo apoio e por suportar minhas ausências.
A todos que de uma forma ou de outra me ajudaram para a conclusão do trabalho. Não posso deixar de mencionar minha família. Os meus pais, meu irmão e todos os demais, minha eterna gratidão.
Um agradecimento especial a duas mulheres que ficaram no meu lugar, cuidando dos meus filhos, enquanto me dedicava ao mestrado. Que Deus abençõe: Rair e Maria.
Ao meu querido Marido, companheiro e grande amigo, Genilson. Por acreditar que é sempre possível realizar nossos sonhos.
Aconselham-me a tornar produtivos aqueles campos inúteis. Disseram-me que o cerrado deveria ser queimado, para no seu lugar fazer crescer uma mata de pinus eliotis. Explicaram-me que este pinus cresce muito rápido e que, em poucos anos, as árvores poderiam ser cortadas e transformadas em bom lucro. Andei por uma mata de pinus eliotis. Senti medo. Escura. O silêncio é total. Nenhum pio de pássaro. Eles não vão lá. Acho que também tem medo. O chão é coberto por uma compacta camada de folhas secas, tão compacta que ali não cresce nem tiririca. E fiquei pensando nas tortas e rugosas árvores do cerrado, e na vida que nelas mora. Pensei no destino das guabirobeiras, das flores silvestres, das abelhas... E conclui que minha alma é cerrado, mas não é uma mata de pinus eliotis.Aconselharam-me, também a queimar os campos para neles plantar feijão. “Feijão dá bom dinheiro”, argumentaram. Mas, antes de fazer isso, tive de ter uma conversa com as florzinhas quase invisíveis, os pequenos insetos, os passarinhos, as aranhas e suas teias. E não tive coragem. Minha alma é um campo, tal como saiu do ventre da mãe natureza, mas não é uma plantação rendosa. Fazer o que me aconselhavam era transformar uma grande e divina sinfonia na monotonia de um samba de uma nota só... “Não só de pão viverá o homem”, dizem os textos sagrados. Precisamos de beleza, precisamos de mistério, precisamos do místico sentimento de harmonia com a natureza de onde nascemos e para qual voltaremos.
Enquanto depender de mim, os campos ficarão lá. Enquanto depender de mim, os cerrados ficarão lá. Porque tenho medo de que, se eles forem destruídos, a minha alma também o será. Ficarei como as florestas de pinus, úteis e mortas. Ficarei como as plantações rendosas, úteis e vazias de mistérios. E me perguntei se não é isto que o progresso e a educação estão fazendo com as nossas almas: transformando a beleza selvagem que mora em nós na monótona utilidade das monoculturas. Não é de admirar que, de mãos dadas com a riqueza, vá caminhando também a incurável tristeza.
O presente trabalho tem como objetivo principal verificar se o risco ambiental foi efetivamente incorporado ao sistema de gerenciamento de riscos dos bancos públicos brasileiros e se o Direito Ambiental pode servir de intermediador com base na sua legislação para identificar, monitorar e controlar esse novo risco. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica, incluindo publicações científicas, artigos, textos disponibilizados na internet, livros e documentos das instituições oficiais. O referencial teórico demonstrou que o Direito Ambiental apesar dos problemas apresentados possui leis que exigem a observância do risco ambiental por parte dos bancos. Informações adicionais foram obtidas por meio de uma pesquisa de campo distribuída em forma de questionários a cinco bancos: CEF, Banco do Brasil S.A., Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e BNDES. A pesquisa demonstrou que os bancos ainda não agregaram o risco ambiental em seus modelos de gerenciamento de risco e que o controle e o monitoramento desse risco baseia-se tão somente no cumprimento da legislação ambiental. A dissertação foi dividida em cinco capítulos: I) o risco ambiental na sociedade de risco; II) o risco ambiental e o Direito Ambiental: a perspectiva brasileira; III) a emergência do risco ambiental no contexto dos bancos; IV) A gestão ambiental nos bancos públicos brasileiros; e V) Conclusão.
PALAVRAS-CHAVE: risco ambiental, Direito Ambiental, responsabilidade ambiental,
The main goals of this work is to verify if environmental risk is incorporated to risk management system of brazilian public banks and if the environmental law is sufficient to identify, evaluate and control this risk. This research was made by bibliographic research and a exploratory survey with five public banks, which demonstrates that brazilian environmental law already existent can be used to reinforce the necessity of incorporate environmental risk into the risk management system. Five governmental banks have answered this survey: Caixa Economica Federal, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Social, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste. The results showed that none of those banks have aggregated environmental risk in its risk management models and the control and scanning of those risks are based solely in compliance with environmental laws. This work has five parts: I) environmental risk in risk society, II) environmental risk and environmental law: brazilian perspective. III) environmental risk concepts in banks IV) environmental management in brazilian public banking system, V) Conclusion.
KEY-WORDS: environmental risk, environmental law, environmental responsibility,
Tabela 4.1 - Composição de ativos Bancos Públicos Federais (em bilhões de reais – Junho de 2006) ...110 Tabela 4.2 - Composição por operações de crédito: curto e longo prazo (em bilhões de
ABREVIATURAS
art. por artigo
g. n. por grifo(s) nosso(s)
Ibid por ibidem
Id por idem
n. por número
sic por está igual ao original
v.g. por ‘por exemplo’
SIGLAS
AEBA Associação de ex-bolsistas da Alemanha
ANPOCS Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em ciências Sociais
APEP Associação dos Procuradores do Estado do Paraná
BASA Banco da Amazônia S.A.
BB Banco do Brasil S.A.
BNB Banco do Nordeste do Brasil S.A.
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
CEF Caixa Econômica Federal
CERCLA Comprehensive Environmental Response and Liability Act
CERES Coalition for Environementally Responsable Economies
CF Constituição Federal
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
DOU Diário Oficial da União
DSJI Dow Jones Sustainability
EBA Enviromental Bankers Association
EIA Estudo de Impacto Ambiental
EPA Environmental Protection Act
EUA Estados Unidos da América
FCO Fundo Constitucional para Região Centro-Oeste
FNO Fundo Constitucional do Norte
IBAMA Instituto Brasileiro Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IFC International Finance Corporation
IISD International Institute for Sustainable Developmente
MIB Market Intelligence Brief
MP Medida Provisória
MS Mandado de Segurança
MTF Moderna Teoria Financeira
ONU Organização das Nações Unidas
PDA Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
RIMA Relatório de Impacto Ambiental
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UNEP United Nations Environment Programme and Development
INTRODUÇÃO...13
1 O RISCO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO...23
1.1 Referências antropológicas e perspectivas históricas do conceito de risco ...23
1.2 O pensamento neoclássico e o meio-ambiente ...29
1.3 A ecologia econômica e o meio-ambiente...32
1.4 Risco e o contrato social do meio-ambiente ...35
2 RISCO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL: A PERSPECTIVA BRASILEIRA ...39
2.1 O Direito Ambiental: um pacta sunt servanda pós-moderno? ...39
2.1.1 O primeiro impasse: o direito clássico ...43
2.1.2 O segundo impasse: o reconhecimento do Direito Ambiental...45
2.1.3 O terceiro impasse: a fragmentação da legislação ambiental brasileira...47
2.2 Os princípios fundamentais do direito do ambiente ...50
2.2.1 Princípio do Direito Humano Fundamental ...51
2.2.2 O Princípio da Precaução ...54
2.2.3 O Princípio da Prevenção...58
2.2.4 O Princípio do Poluidor-pagador ...59
2.2.5 O Princípio da equidade intergeracional ...62
2.4 As externalidades negativas de natureza ambiental e a repartição de riscos ...66
2.5 Direito Ambiental: superação ou manutenção do paradigma antropocêntrico-utilitalista ...71
3 EMERGÊNCIA DO RISCO AMBIENTAL NO CONTEXTO DOS BANCOS...73
3.1 Risco ambiental no sistema financeiro: uma perspectiva histórica ...73
3.2 Classificação do risco para os bancos...79
3.3 Risco Ambiental ...82
3.3.1 Performance Ambiental e Performance Financeira ...83
3.3.2 Performance Ambiental e Imagem...85
3.3.2.1 Riscos de Co-Responsabilização ou Responsabilização Solidária...87
3.3.2.2 A Responsabilidade ambiental dos Bancos como proprietários de áreas degradadas ...94
3.3.2.3 Riscos Ambientais Associados ao Crédito Rural ...97
4 A GESTÃO AMBIENTAL NOS BANCOS PÚBLICOS BRASILEIROS...102
4.1 A dimensão teórica ...102
4.4 Metodologia ...105
4.4.1. Universo da Pesquisa ...108
4.5 O perfil das organizações financeiras observadas ...111
4.6 Apresentação e análise dos resultados ...122
4.6.1 A administração das operações ...123
4.6.1.1 Iniciativas ambientais ...123
4.6.1.2 Responsabilidades do departamento ambiental...127
4.6.2 Produtos e serviços financeiros...129
4.6.2.1 Políticas e procedimentos ambientais...130
4.6.2.2 Fatores ambientais considerados nas operações financeiras ...131
4.6.3 Análises de riscos...135
4.6.3.1 Gerenciamento do risco ambiental ...135
4.6.3.2 Ferramentas para análise do risco ambiental...138
4.6.3.3 Métodos para controle de risco ambiental...140
4.6.4 Monitoramento do risco ...141
4.6.4.1 Decorrentes das atividades financeiras...141
4.6.4.2 Desafios para promover a integração dos critérios ambientais na análise financeira ...142
4.6.5 Produtos verdes específicos ...143
CONCLUSÃO...145
REFERÊNCIAS ...154
INTRODUÇÃO
A causa primeira da ineficácia do Direito Ambiental não deve ser procurada dentro do próprio Direito Ambiental: ele é ineficaz porque está em contradição com normas maispoderosas, que organizam e protegem as diferentes atividades destruidoras da diversidade biológica.
Marie-Angèle Hermite
As sociedades contemporâneas, industriais, baseadas, em um modelo de exploração
econômica dos recursos ambientais, acabam por produzir e difundir comportamentos
criadores de situações de risco. Segundo Beck (1998, p. 111) tais situações de riscos podem
conduzir a catástrofes ecológicas de grande monta.
Na realidade, a sociedade de risco dos dias atuais, na condução da gestão econômica e
da tecnologia, não consegue alcançar o desenvolvimento durável, pois existe uma
incongruência na forma de produção. Assim, os recursos naturais são utilizados sem se
considerar seu valor intrínseco, ou seja, a ciência e a tecnologia encontram-se defasadas no
que concerne à necessidade de proteção do bem natural e segurança de todos.
A falta de conhecimento científico e sua incerteza acarreta uma disfunção, podendo
ocasionar, segundo Beck (1998, p.35), duas formas de riscos ecológicos possíveis, tendo
como resultado a atuação do Estado de forma paliativa, como mero gestor de controle de
riscos: a) risco concreto ou potencial (visível e previsível pelo conhecimento); b)risco abstrato
(invisível e imprevisível pelo conhecimento humano).
Com o efeito desta sociedade complexa, verifica-se, além da possibilidade de
catástrofes de grande monta, a ocorrência sistemática do dano ambiental como um dos novos
problemas originados da organização social do risco.
É certo que toda essa difusão de situações de risco e perigo leva-nos a pensar no meio
socioambiental, atualmente, é um dos maiores problemas enfrentados quando se objetiva uma
efetiva proteção jurídica do meio ambiente.
Observados os principais elementos do diagnóstico da sociedade de risco, é oportuno
investigar, de forma preliminar, a configuração da proteção ambiental no contexto jurídico.
O texto constitucional de 1998, notadamente em artigos consagrados à proteção
ambiental, pretendeu subordinar a lógica do meio ambiente saudável a uma perspectiva de
qualidade de vida, de caráter não utilitarista:
O Objeto da tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos elementos constitutivos. O que o direito visa proteger é a qualidade do meio em função da qualidade de vida (SILVA, 2001, p. 31).
Tal perspectiva é perfeitamente delineada no próprio artigo 225 da Constituição
Brasileira com a expressão “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, o que significa elevar-se o
direito fundamental à vida ao patamar da qualidade titularizando a sociedade e estabelecendo
um modelo de desenvolvimento sustentável.
Apesar da preexistência de normas ambientais e mesmo de um Direito Ambiental
brasileiro razoavelmente estruturado, foi, sem dúvida, a Constituição Brasileira de 1988 que
consagrou e deu status constitucional ao direito de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, art. 225,
caput).
A Carta Magna, de 1988, além de consagrar pela primeira vez na história jurídica
nacional um capítulo próprio e inteiro ao meio ambiente, recepciona a legislação ambiental
pré e infranconstitucional, reafirmando e atribuindo status constitucional a diversos
instrumentos que já integravam a Política Nacional do Meio Ambiente, além de prever a
A busca do equilíbrio ambiental em todas as atividades humanas transformara-se
assim, em um verdadeiro princípio constitucional, pois perpassa o texto supremo de ponta a
ponta; do Título I (Dos Princípios Fundamentais), quando se refere à dignidade da pessoa
humana e na promoção do bem de todos, passando pelo Título II (Dos Direitos e Garantias
Fundamentais) quando tutela o direito à vida e obriga a propriedade a uma função social.
O risco socioambiental adquire forma jurídica em vários trechos do dispositivo legal,
cabendo inicialmente destacar, a possibilidade de prever a Ação Popular e outras para
assegurar e responsabilizar terceiros por eventuais danos.1
No art. 225, § 3º, que se encontra a fonte da responsabilidade penal da pessoa jurídica
pelo cometimento de crimes contra o meio ambiente, mais tarde regulada pela Lei nº 9.605/98
(Lei de Crimes Ambientais) e que até hoje não se pacificou na doutrina e muito menos na
jurisprudência.
Notemos que é a primeira vez que uma Constituição consagra no Brasil a
responsabilidade penal da pessoa jurídica e é, ao mesmo tempo, a única hipótese de
responsabilidade criminal de empresas prevista no texto constitucional de 1998.
Igualmente se pode afirmar a divisão da responsabilidade ambiental em três esferas
independentes: administrativa, penal e civil, pois a redação do parágrafo em comento
menciona expressamente a palavra independentemente quando se refere à obrigação de
reparar os danos causados.
A análise da dinâmica formativa do risco socioambiental sob a ótica do Direito
Ambiental nas instituições financeiras requer a conciliação de estruturas conceituais oriundas
_________
1 Art. 225 § 3º: Título III (bens e competências em matéria ambiental), pelo Título IV (funções do Ministério
de dois paradigmas: antropocêntrico-utilitarista e o biocêntrico, inteiramente distintos em sua
percepção do risco socioambiental.
Para o primeiro, essa percepção é totalmente reduzida ao aspecto econômico, porque
os bens naturais são convertidos em matérias-primas a serem utilizadas o processo de
produção, ou relegadas à condição de fonte de satisfação do senso estético e do lazer humano,
assim, o risco está limitado ao sentido de perdas e ganhos. Já para o segundo, o risco
socioambiental está associado à necessidade de reparar o valor intrínseco do ambiente,
independente de qualquer utilidade que possa proporcionar ao ser humano.
Considerando a leitura da teoria financeira, tal complexidade é ilustrada em Bonomi &
Malvessi (2002, p. 26) quando afirmam que “... a classificação dos riscos depende do
observador e de seus intereses”. Analisando a perspectiva do project finance2 no Brasil, os
autores sugerem uma clara distinção entre a possibilidade de classificar riscos a partir de uma
visão externa – da sociedade em seus stakeholders (partes interessadas) – ou interna a própria
dinâmica do processo decisório financeiro, ou seja dos gestores de risco (BONOMI;
MALVESSI, 2002, p. 25).
Na visão externa, os autores sugerem quatro tipos de riscos: I) financeiros; II)
ambientais de patrimônio ou responsabilidade civil; III) operacionais; e IV) político ou de
negócios. Dois tipos de riscos definem a emergência do risco socioambiental: ambientais e
políticos e de negócio. O risco ambiental propriamente dito envolveria os riscos de acidente e
saúde, tóxico e ambiental ou a possibilidade de interrupção de negócios gerados por tais riscos
bem como as suas implicações sobre o patrimônio e a possível responsabilização civil.
O risco político envolve o risco político institucional ou aquele oriundo do chamado
risco-país; risco de reputação associado às externalidades negativas geradas à imagem da
_________
2 Mecanismo para financiamento de empreendimentos onde cada investidor pode escolher o risco e o retorno que
empresa com o conseqüente encarecimento de custos de seus projetos subseqüentes; e o mais
importante para nossa discussão, o risco de regulamentação, que pode alterar o conjunto de
expectativas de ambos, stakeholders e decisores financeiros.
Se por um lado é complexa a análise destes dois tipos de risco, mais complexa ainda é
sua interação com a dinâmica de risco do próprio decisor financeiro que os autores definem
em três; I) estratégicos ou com coberturas contratuais; II) riscos seguráveis ou seja, aqueles
passíveis de serem mitigados por apólices de seguros e; IV) riscos com cobertura por
derivativos, ou seja aqueles destinados a assegurarem a estabilidade dos fluxos de caixa
oriundos de um projeto, como os contratos de antecipação ou de termo e contratos de opção
destinados ao chamado hedge3.
O mais importante a ressaltar aqui é que, a estrutura conceitual sugerido pelo
paradigma do Direito Ambiental oferece uma perspectiva distinta daquela proposta pela
dinâmica das finanças. Inicialmente, é preciso considerar que o Direito Ambiental se atém a
uma dinâmica regulatória cuja vocação não obedece à mesma perspectiva utilitarista sugerida
pela lógica financeira.
Outro aspecto fundamental é que o Direito Ambiental, de forma inerente à sua própria
gênesis, precisa contemplar as diversas representações que compõem a sociedade, cujas
expectativas não são necessariamente moldadas pelo mesmo objetivo, tal como é o caso das
finanças, quase sempre agregadas (ou aproximadas) em torno da hipótese de maximização da
riqueza do acionista.
Diante de tal quadro, não se animam os doutrinadores a conceituar dano ambiental, o
que explica suas raras definições. Como adverte Albamonte (1989), o ambiente pertence a
uma daquelas categorias cujo conteúdo é mais fácil instituir que definir, dada a sua riqueza de
_________
3 Consiste na compra ou venda a termo de produtos semelhantes, em dois mercados diferentes, com a expectativa
conteúdo, e a dificuldade de uma classificação jurídica adequada. Sobre reparação do dano
ambiental, afirma Sampaio (1998), baseado em lição de Prieur, o seguinte:
Na doutrina estrangeira, o dano ambiental vem sendo conceituado a partir da observação das diferentes formas pelas quais ele se manifesta. A diversidade dos tipos de dano dificulta que se estabeleça uma definição precisa e abrangente. Nas primeiras tentativas feitas nesse sentido, a questão principal que se procurou esclarecer foi definir se a vítima dos danos ambientais era o ser humano ou o meio ambiente. Outro aspecto que preocupou os estudiosos foi estabelecer se os diversos elementos que compõem o meio ambiente – a água, o ar, o solo, a fauna e a flora – seriam, ou não, bens juridicamente tuteláveis (PRIEUR, 1982, p. 1.036).
Outro tema a ser abordado refere-se à responsabilidade pela prática do dano ambiental.
Quando se fala, genericamente, em responsabilidade pelo dano, cogita-se duas hipóteses: uma
subjetiva e outra objetiva. Para Rodrigues (1997) em rigor não se pode afirmar serem espécies
diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o
dano.
Realmente, diz-se ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa,
e objetiva quando esteada na teoria do risco. E, mais adiante, prossegue dizendo que a teoria
do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo esta teoria, aquele que, através da
atividade, cria um risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-los, ainda que sua
atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. A responsabilidade subjetiva é a
regra geral no dever de indenizar. Ela se funda na idéia de um comportamento contrário ao
direito de ação ou omissão que venha a causar dano, existindo nexo causal entre ação e o dano
ambiental.
O nosso novo Código Civil, de 2002, manteve a responsabilidade subjetiva no seu art.
927. Todavia, mesmo nele há situações em que a jurisprudência tornou esse dever objetivo,
como reza o parágrafo único do art. 927: “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
Consagrada assim, através da legislação, a responsabilidade objetiva, abriu-se a via
necessária para o reconhecimento da responsabilidade por dano ambiental. Como ensina
Machado (2004), não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do
resultado prejudicial ao homem e a seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma
apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois, na realidade a emissão poluente
representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver
com tranqüilidade.
De tais distinções classificatórias entre o paradigma das finanças e o paradigma do
saber jurídico, surge a seguinte indagação: diante da interpretação do risco socioambiental, à
luz da legislação ambiental brasileira, as instituições financeiras públicas dispõem de
mecanismos de controle e/ou minimização dos riscos associados a potencial reparação dos
danos ambientais causados pelas obras que financiam, tal como expressos pelo ordenamento
jurídico?
Pretende-se examinar, portanto, a dinâmica formativa do risco socioambiental dos
empreendimentos financiados ou apoiados por instituições financeiras, sob a ótica do Direito
Ambiental, tendo em vista as implicações de emergência deste risco no contexto da estrutura
de representações dos diversos stakeholders que compõem o universo das relações
institucionais dos bancos públicos federais. Para tanto, três objetivos específicos foram
definidos:
1) Identificar dentre as instituições financeiras públicas aquelas que utilizam a
variável ambiental e o estudo do impacto ambiental do empreendimento como
exigência para liberação do crédito;
2) Interpretar o funcionamento e a perspectiva, nestas instituições, das estruturas de
gestão do risco socioambiental, com enfoque particular nos mecanismos de
ambiental e a conciliação de sua dinâmica com os direitos de informação dos
investidores;
3) Discutir, a partir da análise comparativa dos mecanismos de prevenção jurídica do
risco socioambiental, a efetividade das normas ambientais, analisando se o escopo
do constituinte e da legislação infranconstitucionais tornaram-se meras normas
programáticas ou referências autênticas que vem sendo respeitadas e aplicadas
pelas instituições financeiras.
Para a consecução dos objetivos do trabalho, foram desenvolvidas revisão
bibliográfica e pesquisa de campo.
A revisão bibliográfica tem como propósito desenvolver as bases teóricas do trabalho,
envolvendo temas como sociedade de risco, gerenciamento de riscos nas instituições
financeiras, legislação ambiental e gestão ambiental dos bancos públicos brasileiros.
Segundo Marconi & Lakatos (2006), a pesquisa bibliográfica, que pode ser
considerada o primeiro passo de toda pesquisa científica, consiste no levantamento da
bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita.
Segundo Gil (2006), a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de
proporcionar ao investigador a cobertura de uma gama de dados muito mais ampla do que
aquela que poderia pesquisar diretamente. Em muitas situações, a única maneira de conhecer
fatos passados é através de dados bibliográficos.
Para conhecer a gestão ambiental dos bancos públicos brasileiros utilizamos a
pesquisa campo. Segundo Minayo (1994), a pesquisa de campo visou proporcionar um estudo
acerca do modo como vem sendo tratado o tema da pesquisa numa realidade prática, a fim de
corroborar os resultados objetivos a partir da pesquisa bibliográfica.
A pesquisa de campo busca delinear um padrão de resposta à questão do Direito
públicas envolvidas no financiamento de longo prazo sob a forma de project finance ou
semelhante.
A pesquisa não busca portanto a generalização dos resultados de inquérito à
população, tendo validade em um contexto específico, o que nos permite trabalhar com uma
amostragem não-probabilística intencional.4
Para dar conta dos objetivos propostos, esta dissertação está estrutura em cinco
capítulos. O primeiro capítulo busca compreender a perspectiva do risco socioambiental
segundo a base epistemológica de cada um dos paradigmas. Nessa perspectiva, não levaremos
em consideração aspectos quantitativos (no caso da teoria financeira) ou detalhamentos
normativos (no caso do direito socioambiental) e sim a lógica definidora em cada caso da
formação de expectativas para os respectivos grupos, decisores, stakeholders e especialistas
em Direito Ambiental. O capítulo pretende também organizar as taxonomias específicas de
cada paradigma, definindo as zonas de interseção do risco socioambiental compreendendo as
variáveis que o definem.
A segunda ordem de reflexão vincula-se ao tratamento do problema do risco ambiental
à luz do Direito Ambiental brasileiro. Pretende-se examinar os aspectos jurídicos e
metajurídicos que concorrem para a formação do risco socioambiental, verificando o impacto
nos bancos envolvidos na questão ambiental em geral.
Em seguida, no terceiro capítulo, procurar-se-á demonstrar o modelo de gestão de
riscos nas instituições financeiras; finalizando como o risco ambiental afeta a decisão
financeira e quais as implicações jurídicas pela não-observância do risco socioambiental.
_________
4 As amostras não-probabilísticas têm como característica principal não fazer uso de formas aleatórias de
No quarto capítulo, cuidar-se-á de expor a configuração do problema da gestão
ambiental nos bancos brasileiros à luz do arcabouço legal que o sistematiza, e que servirá de
base a nossa interlocução com os bancos públicos que operam tal dinâmica. Abordaremos
aqui uma análise comparativa entre cinco bancos: BB, BNDES, BASA, BNB e CEF. Essa
análise visa interpretar o funcionamento das estruturas de gestão do risco socioambiental, com
enfoque particular nos mecanismos de prevenção do risco no que tange à análise de aderência
dos projetos, à legislação ambiental e à conciliação de sua dinâmica com os direitos de
informação dos investidores.
Finalmente, no capítulo conclusivo, descreveremos sobre o estado da arte do
tratamento de risco socioambiental nas instituições financeiras com base na pesquisa aplicada
e desenvolveremos conclusões à luz da estrutura conceitual sugerida pelo paradigma
escolhido.
Entendemos que a noção jurídica de risco socioambiental faz-se necessário nos
mecanismos de avaliação de risco porque têm a potencialidade de resgatar a dimensão ética
da natureza, proporcionando a superação do caráter discursivo do Direito Ambiental. Com
isso, quem sabe, as empresas, os bancos poderão realmente afirmar no futuro, terem
efetivamente “aderido a uma responsabilidade compartilhada de proteger e restaurar a terra
para permitir o uso sábio e eqüitativo dos recursos naturais, assim como realizar o equilíbrio
ecológico e novos valores sociais, econômicos e espirituais”.5
_________
5 Trecho da Carta da Terra, declaração assinada pelos membros do Fórum Internacional de Organizações
1 O RISCO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO
A incerteza está presente no processo de tomada de decisões, menos por haver um futuro do que porque há, e haverá, nosso passado... Somos prisioneiros do futuro, porque seremos capturados por nosso passado.
Robert Dixon, Economista australiano (BERNSTEIN, 1997, p. 217)
1.1 Referências antropológicas e perspectivas históricas do conceito de risco
A antropologia sugere a possibilidade de respostas culturais distintas para a percepção
de risco, o uso cotidiano da palavra risco sugere uma percepção universal de seu significado.
Em larga medida, tal compreensão da palavra encerra a noção utilitarista de possibilidade de
perda ou ganho individual, instrumentalizada conforme a lógica do decisor que interpreta o
mundo conforme seus interesses específicos, assim vistos como intrinsecamente legítimos.
Por outro lado, se compreendermos risco como conceito6, podemos sugerir que seu
uso cotidiano encerra, involuntariamente, uma interpretação particular de um de seus
possíveis significados, definida em função de uma perspectiva ideológica consistente,
estruturada a partir de uma evolução histórica específica, e consubstanciada em torno de um
paradigma que, na verdade, ao invés de universal, busca ser universalizante, qual seja, de
orientação filosófica marginalista e desdobramento neoclássico.
Já o risco socioambiental advém do nível de desenvolvimento das forças produtivas,
proporcionado pelo avanço do conhecimento técnico-científico, que coloca em risco a própria
perpetuação da espécie humana no globo terrestre, que já se encaminha para exaustão dos
recursos naturais e da capacidade regenerativa dos ecossistemas. A visão do risco
_________
6 Conceito, é operado aqui, segundo a sociologia de ciências (VINCK, 1995, p. 89 e 98), sugere a escolha de
socioambiental é conseqüência da ruptura do paradigma antropocêntrico-utilitarista7 para o
paradigma biocêntrico8.
Brüseke (1996, p.12), por exemplo, afirma que “o ambientalismo” ganha sua força do
risco, da chance da catástrofe, e também isso é somente o outro lado da moeda, da chance do
movimento social, que tenta evitar o que os seus líderes prognosticam”. Contudo, é preciso
lembrar a maneira como o autor definiu risco, colocando-o como “algo que caracteriza a
existência humana independente da formação social, temporariamente em vigor”. Isso
significa que, para o autor, o risco é um elemento ontológico à espécie humana, na medida em
que “a vida individual, per se, é um percurso finito sob a estrela do risco”.
Beck (1992, p. 90) afirma categoricamente que os movimentos sociais atuais, entre o
eles o feminista, o pacifista e o ambientalista “são expressões das novas situações de risco na
sociedade de risco”9. O autor argumenta que eles se organizam não mais em torno de um
sistema de valores relacionado ao ideal de igualdade de distribuição de riqueza, mas sim, em
busca de “segurança”, como reação ao sistema de valores de uma “sociedade insegura”. O
autor afirma:
Onde árvores são cortadas e espécies animais destruídas, as pessoas se sentem, elas próprias, vitimadas, em certo sentido. As ameaças à vida no desenvolvimento da civilização tocam coisas em comum da experiência da vida orgânica que conectam a vida humana e suas necessidades àquelas das plantas e animais. Na morte das florestas, as pessoas experimentam-se, elas mesmas, como “criaturas naturais com reivindicações morais”, como transportáveis, coisas vulneráveis entre coisas, como partes naturais de um todo natural ameaçado, para o qual têm responsabilidade. (BECK, 1992, p. 74 - Tradução livre)
_________
7 “Nesse aspecto, o que define intrinsecamente a modernidade e, sem dúvida, a maneira como o ser humano nela
é concebido e afirmado como fonte de suas representações e de seus atos, seu fundamento, ou, ainda, seu autor: o homem do humanismo é aquele que não concebe mais receber normas e leis nem da natureza das coisas, nem de Deus, mas que pretende fundá-las, ele próprio, a partir de sua razão e de sua vontade”. (RENAUT, 1998, p. 10). 8 “A Deep Ecology, expressão que pode ser traduzida por “Ecologia Profunda”, representa as premissas do
paradigma biocêntrico. A idéia é um retorno à natureza, no sentido de interação integradora do individuo no todo, partindo-se da premissa de que a civilização da razão científica e instrumental trouxe consigo um distanciamento do homem com o seu aspecto orgânico, em prol do desenvolvimento da tecnologia.” (PELIZZOLI, 1999, p. 25).
9 Segundo BECK, a sociedade de risco é marcada pelo paradoxo de que os riscos foram gerados pela progressiva
Brüseke (1996, p. 9) chama a atenção para uma indevida generalização presente no
trabalho de Beck: não há demarcação da passagem pela qual as ameaças decorrentes da
incerteza de um futuro exteriormente traçado passam a ser entendidas como risco. O fato é
que no momento em que se assume que são as decisões do presente fruto de lutas políticas em
torno de diferentes definições a respeito do “limiar da segurança”, de “ambientes de riscos”,
que as incertezas do futuro deixam de ser apenas perigos para se converterem em riscos.
Isso é de importância central caso se queira compreender tais transformações no
processo de modernização caracterizado pela expansão das condições de “estranhamento” e
questionamento do próprio devir histórico, em decorrência da destradicionalização das
interpretações do mundo, da desmistificação do desenvolvimento científico-tecnológico e da
racionalização da normas.
Beck (1992), sem dúvida, mostra como transformações na esfera produtiva,
transformações políticas, destradicionalização no âmbito familiar e na sexualidade contribuem
para que as incertezas do futuro passem a ser, em parte, enfrentadas individualmente, como
reações, como simples adaptações a um conjunto de modificações que, uma vez assimiladas,
têm suas causas concebidas como inaptidões a situações que lhes são completamente
exteriores. Apesar disso o autor não demarca o momento em que os indivíduos se organizam
para trazerem para si a responsabilidade das decisões que definirão cenários futuros.
Uma vez que os riscos são “particularmente abertos à definição de construção social,”
como o próprio Beck defende, há que se salientar a diferença entre dois momentos. O
primeiro os indivíduos sentem-se individualmente ameaçados por incertezas, por perigos
compreendidos como resultantes de decisões externas a eles, reagindo e adaptando-se a elas
enquanto perigos. Num segundo momento, em que, como ator social, como parte de uma
que vêm a ser os riscos e quais os limiares de segurança no tocante à intervenção do homem
na natureza.
Luhmann (1993, p. 125-126) não faz menção a tal passagem de um momento a outro.
Além disso, ao invés de lidar com a idéia de movimentos sociais, o autor centra-se naquilo
que entende ser um conceito mais estreito: o de movimento de protesto10. Portanto, trata-se,
para o autor, de uma expressão de insatisfação, de uma demonstração de desvantagem em que
os movimentos sociais enfrentam e reagem, sem oferecer tomar o lugar daqueles que as
provocam.
Concluímos que o movimento ambientalista, faz sim do perigo um risco na medida em
que entra na luta política para influenciar, para mudar opiniões, para tomar decisões, para
criar definições que tracem os cenários futuros, que se concretizarão entre o provável e o
improvável, com os quais a sociedade deverá se deparar.
Feitas essas considerações retomamos a “equação” sugerida no início desse capítulo
para pensarmos, sistematicamente, os aspectos problematizados, relacionando cada um de
seus fatores ao problema do risco socioambiental. Segundo Luhmann (1993, p. 127) a
mediação dos homens entre si e dos homens com a natureza são resultantes do intercâmbio
entre os seguintes termos: a) fenômenos “naturais”; b) contingências físico-orgânicas dos
seres humanos; c) necessidades de reprodução material e de administração da sociedade; d)
necessidades de reprodução cultural, integração social e socialização.
Ao relacionar estes termos com a sociedade de risco, tem-se: a) um sistema econômico
responsável pela tarefa de garantir as necessidades materiais da sociedade caracterizada por
um altíssimo grau de desenvolvimento científico-tecnológico, cuja dinâmica encontra-se
_________
10 Os protestos são comunicações endereçadas a outros chamando-os para o sentido de responsabilidade deles
consideravelmente autonomizada em relação a outras esferas da vida social, passando, pois, a
funcionar segundo seus próprios imperativos.
Sua contínua expansão exerce enorme pressão sobre os recursos naturais que lhe
servem de “input” no processo produtivo, apontando, pois, para um movimento rápido em
direção à exaustão das fontes de recursos naturais na medida em que, inclusive, não se
permitem condições de regeneração dos ecossistemas nos quais o sistema econômico não
intervém.
Com isso, criam-se situações em que, no limite, a própria sobrevivência humana vê-se
ameaçada:
a) um sistema político-administrativo regulado por meio do direito legal funcionando
também com relativa autonomia, inclusive em relação ao sistema econômico,
incapaz, por isso, de responder satisfatoriamente aos “outputs” do sistema
econômico que se traduzem em crises ambientais e crescentes situações definidas
como situações de risco socioambiental. Há, com isso, um quadro contraditório,
em que, em conseqüência de suas tarefas de legitimação política, controle de
disputas políticas e administração, tal sistema se vê na obrigação de responder a
situações de risco socioambiental que não foram por ele produzidas, mas cuja
concretização põe em jogo sua própria legitimidade como esfera decisória,
regulatória e administrativa;
b) uma enormidade de “ambientes naturais” é modificada estruturalmente e/ou
categoricamente eliminada para dar espaço e servir de “input” para a expansão do
sistema econômico de tal forma que, conforme acima colocado, diminuem as
opções a partir das quais a humanidade pode garantir a satisfação de suas
c) a racionalização dos processos de reprodução cultural, integração social e
socialização destradicionaliza a relação dos homens entre si, fazendo-os interpretar
o mundo de maneira utilitarista, forçando-os a construir uma normatividade
também racionalizada e dotando-lhes de condições crítico-reflexivas que os
permitem formular relações de causalidade entre o aumento e disseminação de
ambientes de ameaças ambiental e o perfil econômico e político-administrativo da
sociedades complexas que se constituem no interior da modernidade, definindo,
dessa forma, o risco socioambiental.
Individualmente, os homens se vêem imersos em situações de perigo ambiental
provocados por decisões tomadas e/ou concebidos exteriormente a eles. O movimento
ambientalista, numa visão biocêntrica, emerge num esforço de entrar na luta pela definição de
escolhas que influenciarão as características do futuro, ao fazer do futuro o resultado de
decisões pelas quais também têm responsabilidades, deixando de ser um mero espectador
passivo diante dos perigos a que a probabilidade/improbabilidade de situações futuras lhe
impingem.
O movimento ambientalista constitui um ator social e político pela definição de
situações de risco e de limiares de segurança diante da incapacidade do sistema
político-administrativo das sociedades complexas de responder aos ouptus ambientais da atividade
econômica própria às sociedades industriais avançadas.
Nota-se que, na evolução histórica do conceito de risco, as variáveis sociais e
ambientais não foram incorporadas e que o risco baseava-se tão somente em noções de
probabilidade, de cálculo, de controle estatístico e de expectativas, mas, sobretudo, de
normatização das contingências. Tal normatização por meio de mecanismos que permitam
o que se procura, em última análise, é submeter ao controle o próprio futuro e atender as
perspectivas antropocêntricas-utilitaristas.
À luz dessas considerações podemos discutir o conceito de risco a partir de dois
universos paradigmáticos distintos: o antropocêntrico-utilitarista e o paradigma biocêntrico. O
paradigma antropocêntrico-utilitarista, em sua dimensão econômica, informa o direito através
da teoria neoclássica, atualmente operada através da moderna teoria financeira. O paradigma
biocêntrico, correspondido em sua dimensão econômica pela economia ecológica (ecological
economics), inspira-se tanto nas múltiplas rupturas internas decorrentes da inadequação do
paradigma à realidade tecno-econômica do final do século 20, quanto à emergência de novos
atores fora do alcance político de sua super-estrutura jurídica. Cabe aqui uma breve digressão
sobre os modelos conceituais de tais paradigmas vinculando sua perspectiva histórica aos
modelos decisórios hodiernos, objeto do tratamento jurídico do Direito Ambiental.
1.2 O pensamento neoclássico e o meio-ambiente
Interpretando os enciclopedistas do século XVIII, Touchard (1959, p. 65) afirma que o
utilitarismo político definia a subordinação do plano político ao plano econômico, dentro da
perspectiva liberal. Tal ordenamento sugere, fundamentalmente, que a decisão de acumulação
coletiva resulta das múltiplas decisões individuais de acumulação.
O pensamento neoclássico reflete tal ordenamento a partir de três princípios
fundamentais: I) a racionalidade individual como condutor da racionalidade coletiva; II) a
sociedade como um sistema dado, onde a decisão econômica decorre de uma decisão técnica
dissociada de relações de classe e conflitos de interesse (ARAUJO, 1988, p. 80): e III)
possibilidade de que os fatores de produção tenham mobilidade dentro dos parâmetros
Enquanto dinâmica societal, tais princípios consubstanciam o conceito de equilíbrio,
desdobrado conforme suas variantes interpretativas, particularmente através das escolas
austríaca, de Lausanne e a de Cambridge. A moderna teoria financeira (MTF), desenvolvida
sobretudo a partir dos anos 50, estrutura seletivamente as categorias oferecidas pela teoria
neoclássica ao encontro do princípio da maximização da riqueza dos acionistas, seu pivô
utilitarista, constituindo hoje a referência fundamental da cultura decisória financeira nos
sistemas financeiros nacional e internacional (BERSTEIN, 1996, p. 247).
A MTF informa por sua vez as estruturas jurídicas subjacentes à dinâmica do poder
corporativo, do qual o exemplo mais explícito é o arcabouço legal que regula as regras de
poder societário, conhecida no Brasil como a lei das S.A., cujos padrões e hierarquias
decisórias subjacentes se reproduzem, em sua essencialidade jurídica, em todos os países onde
prevalece a lógica dos mercados de capitais.
Em nossa breve análise da MTF, nos concentraremos nos elementos críticos que nos
permitem avaliar as implicações do seu quadro teórico no contexto do arcabouço jurídico que
instrumentaliza sua hierarquia decisória, já que fugiria ao escopo de nosso trabalho um
aprofundamento mais crítico da MTF.
Na MTF, o conceito de equilíbrio fundamenta a possibilidade de que os agentes
econômicos, ao tomarem suas decisões econômicas maximizadoras, levam o sistema como
um todo a uma situação de equilíbrio igualmente ótimo. Ou seja, as decisões de investimento
e conseqüentemente de organização da produção e a subseqüente relação entre produtores e
consumidores é melhor administrada socialmente pelos decisores financeiros.
O ponto crítico para a operacionalização do conceito é a idéia de simetria
informacional, que sugere que os decisores corporativos (públicos) e os investidores
acionistas (anônimos) compartilham as mesmas informações, tendo como referência comum
princípio do VPL11, são necessariamente as melhores para ambos e, por extensão, para a
sociedade. Três aspectos podem ser discutidos ao encontro do plano jurídico.
Primeiro, que os elementos formacionais do patrimônio e da propriedade são
incorporados a medida em que - e somente se - impactam a dimensão econômica do projeto.
Subentende-se que as variáveis da dimensão econômica extra-projeto (mesmo que geradas
pelo projeto), não são quantificáveis, e assim não são relevantes.
Em segundo lugar, o objeto econômico é fragmentado de acordo a forma assumida
pelo patrimônio. Ou seja, o meio-ambiente subjacente é fragmentável, significando que a
ordem ambiental ecossistêmica é subsumissa à ordem patrimonial.
Em terceiro lugar, existe uma clara correspondência filosófica entre o modelo de
fragmentação jurídica e o modelo de fragmentação do capital das modernas sociedades
anônimas. Observe-se que o acionista anônimo é também um proprietário abstrato, cujo risco
de perda se limita ao seu patrimônio acionário.
Assim, o risco patrimonial fica encapsulado, da mesma forma que o risco
socioambiental. Ao ser fragmentado desconecta-se dos demais componentes do meio
ambiente do qual faz parte. Tanto quanto a lesão ambiental fica circunscrita ao espaço
patrimonial, o ônus da lesão fica limitado ao espaço proprietário da parcela igualmente
fragmentada do capital. Como exemplo clássico, podemos sugerir que a água poluída, vista
isoladamente, não poluiria as regiões de seu entorno, a menos que este entorno estivesse
inserido no espaço patrimonial considerado.
Nesta perspectiva, podemos sugerir que os conceitos que operam a teoria, ao
selecionar aquelas variáveis que informam a decisão maximizadora do objeto de análise,
operam, por extensão, a exclusão das externalidades possivelmente geráveis pelo objeto.
_________
11 O Princípio do VPL (Valor Presente Líquido) sugere que, dado um quadro de expectativas similares entre
Se imaginarmos, por exemplo, a grosso modo, um projeto industrial, os decisores
financeiros teriam que considerar os custos de processamento de matéria-prima nos limites
espaço do projeto ficando de fora as considerações sobre os dejetos do projeto, se
considerados fora do espaço patrimonial; teriam que considerar os custos de mão de obra,
ficando de fora considerações sobre a qualidade de vida dos operários se não afetassem as
condições objetivas da fábrica; teriam que considerar os custos tributários deixando de fora os
custos sociais comunitários gerados pelas mudanças na ordem econômica local; enfim teriam
que considerar todas as variáveis redutoras ou maximizadoras de riqueza, assim consideradas
pela sua tangilidade utilitarista nos limites daquele projeto.
Em nosso exemplo, é interessante observar que as variáveis excluídas no espaço
analítico do projeto podem ou não ser resgatadas como elementos ex-post, a partir das
características da super-estrutura jurídica à qual se molda o projeto, como veremos mais
adiante ao discutirmos o contrato social do meio ambiente.
1.3 A ecologia econômica e o meio-ambiente
Enquanto a perspectiva conceitual oferecida pela MTF funda-se em variáveis
convergentes com a teoria neoclássica, a proposta da economia ecológica é construída a partir
de um universo conceitual distinto. Cabem algumas considerações sobre a retrospectiva
histórica e a perspectiva da economia ecológica antes de analisarmos sua correspondência
com o paradigma biocêntrico.
Se a economia neoclássica considera e trata o meio ambiente como um espaço ceteris
paribus, onde os recursos são inesgotáveis, a economia ecológica emerge a partir da
percepção de que o meio-ambiente é definidor dos limites do espaço econômico.
Common & Stagl (2005, p. 80) observa que a emergência histórica da percepção
que se contrapunha aos limites sugeridos pelo discurso malthusiano da economia clássica.
Segundo a perspectiva neoclássica, as dotações de fatores (matérias primas, espaço e recursos
humanos) seriam ilimitados à medida em que a tecnologia permitisse ganhos de produtividade
necessários.
Implícito neste raciocínio está a idéia de que o meio-ambiente seria sempre
inesgotável, capaz de absorver os incrementos de produtividade, ou em outras palavras o
aumento da capacidade de exploração dos recursos naturais. Entretanto, Colom & Congleton
(2005, p. 85) apontam a falácia deste argumento, ao lembrar que os aumentos de
produtividade técnica relativa sempre foram contemplados no século 19 e 20, com
incrementos absolutos nas áreas cultiváveis e recursos minerais disponibilizados, por um
lado, pela dinâmica colonialista e, por outro, pelo incremento dos fluxos de comércio de
matérias primas e commodities agrícolas que marcaram os ciclos expansionistas do período.
Embora a economia ecológica tivesse partido de hipóteses ainda operáveis dentro do
movimento neoclássico, sobretudo em sua dimensão econômica, rapidamente desloca seu
eixo de reflexão para o espaço sociológico.
Se cotejarmos a teoria econômica neoclássica dos direitos de propriedade (COLOM;
CONGLETON, 1999) às possibilidades oferecidas pela economia ecológica, podemos sugerir
algumas interrogações fundamentais para a evolução Direito Ambiental, a saber, o enfoque
ético; o principio de auto-sustentabilidade; os limites do antropocentrismo; os limites
impostos pela geoeconomia; as implicações da análise econômica convencional em um
contexto de não fragmentação e, finalmente, os limites da moderna racionalidade como vetor
para o tratamento multidisciplinar das questões jurídicas do meio ambiente.
O enfoque ético é impactado pela negação do utilitarismo como referência otimizadora
da decisão coletiva, especialmente se consideramos a impossibilidade de conciliar o máximo
complexa a possibilidade de estruturar-se um quadro legal que dê suporte à dinâmica
decisória Paretiana12, sobretudo se consideramos que tal dinâmica apresenta escassas
possibilidades de incorporar ao processo decisório as representações dos atores associados ao
quadro de externalidades gerado pela decisão econômica.
O principio de auto-sustentabilidade sugere uma mudança de percepção na lógica de
poupança e investimento. O quadro jurídico que regula transferência de rendas
inter-generacional (e por extensão a lógica de acumulação de capital), é alterado pela hipótese de
incorporação das externalidades inter-temporais. A principal implicação prática é o divorcio
entre os métodos tradicionais de avaliação de projetos e as possibilidades de interpretação
jurídica em uma moldura ambiental que incorpore tais externalidades (ROCABERT;
NIEVES, 1999, p. 57).
A perspectiva de interação dos atores envolvidos na questão ambiental, tal como
oferecida pelo antropocentrismo, torna-se insuficiente, já que o meio-ambiente torna-se um
ator político per si, através das múltiplas estruturas de representações (ONGs, núcleos
comunitários, partidos políticos e órgãos do estado), que incorporam perspectivas culturais e
políticas raramente conciliáveis com a dinâmica antropocêntrica.
Os limites impostos pela geoeconomia, surgem como uma referência de base, já que as
relações entre países consumidores de energia e recursos naturais (minerais, hídricos,
florestais etc) e os países ofertantes de tais recursos, tornam-se extremamente complexas
dentro de uma moldura jurídica que, na prática, viabiliza um mercado de direitos de
contaminação (COLOM; CONGLETON, 1999, p. 92).
_________
12 Teoria desenvolvida Por Vilfredo Pareto, economista e sociólogo italiano, considerado um dos ideólogos do
A análise econômica convencional em um contexto de não fragmentação fica
praticamente inviabilizada. Observe-se que todo o arcabouço neoclássico é fundamentalmente
analítico e não interpretativo, que é pautado pelo estudo e quantificação das variáveis a partir
da possibilidade de isolá-las. Tal procedimento não seria possível em uma moldura jurídica
que interpretasse a lesão ambiental como algo indivisível.
Finalmente, à luz das digressões anteriores, os próprios limites da moderna
racionalidade como vetor para o tratamento multidisciplinar das questões jurídicas do meio
ambiente ficam realçados. O tratamento oferecido pelo Direito Ambiental, tal como hoje
concebido, não permite a incorporação de referências, atores e variáveis que, em última
análise, emergiram em um contexto de pós-modernidade. Gera-se, assim, a necessidade de
discutir o Direito Ambiental fora dos limites da moderna racionalidade e sua máximas
universalizantes.
1.4 Risco e o contrato social do meio-ambiente
A perspectiva filosófica do utilitarismo sugere que o bem comum é alcançável pela
soma das escolhas individuais na busca do prazer e satisfação. Analisando a obra maior de
Jeremy Bentham, Principles of Morals and Legislation (1789)13, Berstein (1996, p. 189)
ilustra como o utilitarismo se transforma em ferramenta para analisar o comportamento do
agentes econômicos, compradores e vendedores.
Tal perspectiva permite a subordinação do político ao econômico, e fornece a base do
discurso jurídico para a normatização da ordem econômica liberal, cuja essência é expressa
por Bentham ao explicar o princípio de utilidade:
_________
13
BUCHANAN, James M. (1975). A contractarian Paradigm for Applying Esconomic Theory.
[...] que a propriedade, em qualquer objeto, através da qual ela tende a produzir benefícios, vantagens, prazer, o bem ou a felicidade [...] quando a tendência que tenha para aumentar a felicidade da comunidade é maior do que de diminui-la. (BENTHAM apud TOUCHARD, 1959, p. 53).
Enquanto o utilitarismo subsidia o pensamento do direito econômico liberal, o Direito
Ambiental se funda na rediscussão dos limites possíveis de um modelo decisório que
incorpore os atores até então vistos como externo à dinâmica econômica a qual estaria afeito o
quadro decisório.
Neste sentido, embora, como lembra Touchard (1959, p. 53), o Espírito das Leis de
Montesquieu e o Contrato Social de Rousseau não deveriam ser vistos como mutuamente
excludentes em seu tempo, levadas ao paroxismo estas obras evocam, conforme o próprio
Touchard, a idéia básica de contraponto entre o conceito de liberalismo sem democracia
(Espírito das Leis) e a democracia sem liberalismo (o Contrato Social).
Tomada como ponto de partida, esta dicotomia sugere em Buchanan (1975), um
conflito entre a leitura neoclássica da economia como uma ciência da escolha (ou da decisão,
visto no seu conteúdo hierárquico) ou a leitura ambientalista que vê a economia como uma
ciência do contrato. Colom & Congleton (1999, p. 82) sintetizam esta dicotomia,
interpretando que proteção do meio ambiente sugere dois tipos de problemas. Primeiro, a
passagem do nível da escolha individual para a escolha coletiva; segundo, a passagem do
intercâmbio simples (entre dois agentes econômicos) ao intercâmbio complexo, onde
intervem vários atores além dos inerentes à própria troca econômica, mas também aqueles que
se beneficiam ou se prejudicam desta troca, sem participarem dela (externalidades).
Fundamental no desenvolvimento deste conceito é a compreensão de que não existe
compensação econômica possível para uma externalidade sempre que ela iniba o que
Rocabert & Nieves (1999) definiram como a igualdade inter-geracional. O princípio é que a
contemplar atores hodiernos, pode estar excluindo estruturas de representação futuras, à
medida que o dano ambiental seja permanente ou irreversível.
Ao encontro desta percepção, podemos sugerir que o contrato social do meio ambiente
consiste na mediação precisa dos interesses, até então mutuamente excludentes, entre os
atores detentores da decisão econômica e os atores detentores da capacidade institucional ou
política de inibir a decisão econômica em função de suas externalidades.
A configuração sintética dos conceitos subjacentes aos dois paradigmas –
antropocêntrico-utilitarista e biocêntrico – permite a visualização dos pontos críticos que
definem as possibilidades estruturais de cada paradigma.
Paradigma Antropocêntrico-utilitarista Paradigma Biocêntrico
Ð
Ð
Propriedade Perspectiva Societal Meio Ambiente
Ð
Ð
Dano à propriedade Interpretação da lesão
ambiental
Dano à sociedade
Ð
Ð
Lesão Ambiental =
perda econômica reparável
Formulação da lesão ambiental
Lesão ambiental = perda societal
irreparável
Ð
Ð
Resposta jurídica
regulando a reparação e os limites
do dano
Natureza da resposta jurídica
Resposta jurídica
suprimindo a lesão ambiental presente
Ð
Ð
Regula a lesão
ambiental futura Desdobramento futuro legal Inibe a lesão ambiental futura
Figura 1 - Diferenças entre os paradigmas
Transpondo tais pontos críticos para o contexto prático de observação de nossa
• O contrato social estruturado pelo Direito Ambiental brasileiro, oferece
instrumentos de mediação necessários e suficientes para conciliar os interesses
colidentes expressos pelo paradigma do risco socioambiental e o paradigma do
risco financeiro;
• As estruturas organizacionais e normativas gestoras de risco nas instituições
financeiras federais refletem as propostas do contrato social estruturado pelo
Direito Ambiental brasileiro;
• Os processos decisórios internos de crédito e financiamento das instituições
financeiras federais incorporam as propostas do contrato social estruturado pelo
Direito Ambiental brasileiro tal como definidos pelas suas estruturas
organizacionais e normativas gestoras de risco.
Nota-se, portanto, que o Direito Ambiental se depara com um problema que se
localiza na manutenção do paradigma antropocêntrico ou na sua superação. Superar ou não a
idéia de que o homem é a medida e o fim de todas as coisas. Esta questão põe em causa
alguns fundamentos da modernidade e alguns paradigmas do direito clássico, indagando se,
realmente, o Direito Ambiental oferece instrumentos de mediação para conciliar os interesses
2 RISCO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL: A PERSPECTIVA
BRASILEIRA
A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da Natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural), assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre. (REALE, 1987, v. 1, p. 297).
2.1 O Direito Ambiental: um pacta sunt servanda14 pós-moderno?
Segundo Kuhn (1976, p. 78), é preciso que a pesquisa orientada por um paradigma
seja um meio particularmente eficaz de induzir a mudanças nesses mesmos paradigmas que a
orientam. Assim, situando-nos na área do direito, vale lembrar que no campo contratual a
fórmula pacta sunt servanda atendeu a necessidades sociais específicas definidas através do
Estado liberal clássico até o fim do século XIX.
Um novo cenário surge no século XX, demonstrando a necessidade de uma mudança
paradigmática: a sociedade de risco (BECK, 1986, p. 6-135). Esse cenário designa um estágio
da modernidade no qual começam a tomar corpo as ameaças produzidas pelas externalidades
geradas pelo modelo econômico da sociedade industrial formada nos séculos XIX e XX.
A sociedade de risco caracteriza-se pela tomada de consciência do esgotamento deste
modelo de produção, sendo marcada pela compreensão do risco enquanto fenômeno que
transcende os limites de uma interpretação meramente utilitarista. O risco deixa de ser um
fenômeno patrimonial, mensurável e, portanto passivo de neutralização econômica, e se
transforma em um fenômeno social, tangível em suas seqüelas, não mais vistas como
ressarcíveis já que irreversíveis.
_________
14 É o princípio da força obrigatória, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes. Segundo Maria Helena
À procura de parâmetros para analisar essa sociedade emergente, Beck (1992, p. 21)
chama atenção para o fato de que os riscos que Cristóvão Colombo correu ao vir para a
América eram riscos pessoais, muito diferentes dos perigos globais que as mudanças
climáticas e o armazenamento de lixo radiativo impõem a humanidade. De acordo com suas
reflexões, “naquele período, a palavra “risco” tinha um sentido de bravura e aventura, não a
ameaça de autodestruição de toda vida sobre a terra”. Beck defende a idéia de que os riscos da
civilização, hoje em dia, tipicamente escapam à nossa percepção, sendo mais localizáveis em
fórmulas físicas e químicas do que à frente de nossos olhos, intrínsecos ao próprio processo
de industrialização.
Um fator distintivo nesta interpretação, é que a percepção de risco não é o sub-produto
discursivo a partir de revoluções ou crises ideológicas mas, sim da consolidação da
modernização ocidental, adverte Beck (1995, p. 12). No seu cerne, de outra parte, está
embutido um novo risco, que é o da autodestruição ou o travamento da sociedade industrial,
provocada pela radicalização da modernidade.
Na sociedade de risco, as incertezas em relação ao futuro não se devem à miséria
material, à pobreza, à fome; hoje, diz Beck, as pessoas não estão empobrecidas, mas, sim,
prósperas, vivendo em uma sociedade afluente e de consumo de massa. Nesse sentido, os
problemas que emergem atualmente não conseguem mais ser resolvido pelo aumento da
produção material, redistribuição ou expansão da proteção social, como o eram na sociedade
industrial.
Brüseke (1996, p. 4) comenta que Beck extrapola situações que, certamente, são mais
generalizadas às sociedades mais ricas do ocidente. O autor, ao criticá-lo diz que “dificilmente
podemos dizer que a grande maioria da população global vive em sociedades prósperas, que
superaram, pelo menos tendencialmente, o problema da escassez de bens básicos e sua
Então surge o questionamento: as chamadas nações mais desenvolvidas, hoje, parecem
estar cada vez melhor resolvendo seus problemas de distribuição de renda ou será que
estamos assistindo a um processo de “subdesenvolvimento” de alguns setores das sociedades
mais desenvolvidas? Isso coloca a reflexão central de Bruseke: ou se pensam as reflexões de
Beck, mais especificamente, sua caracterização de sociedade industrial e sociedade de risco,
típico-idealmente ou se corre o risco de descartá-la até mesmo para a análise das sociedades
mais desenvolvidas do Ocidente.
Isso faz supor que o próprio Beck, ao propor as categorias sociedade industrial e
sociedade de risco, está pensando de maneira típico-ideal. Pode-se, pois, sugerir que o
desenvolvimento científico-tecnológico, industrialização e pobreza, e riscos ambientais
coexistem como alguns dos elementos que dão conteúdo à modernidade avançada. O
desenvolvimento das forças produtivas avançadas nas sociedades modernas produz riqueza
numa proporção jamais vista, convivendo com desníveis de distribuição de renda crescente,
ao mesmo tempo em que produz ambientes de risco que ameaçam, no limite, a sobrevivência
dos próprios seres humanos, por mais paradoxal que tudo isso possa parecer.
Beck, por seu turno, situa a crise ambiental no contexto da sociedade de riscos, que
caracteriza pelo domínio dos riscos civilizatórios, assim entendidos como produtos em massa
da industrialização, que são sistematicamente intensificados na medida em que se dispersam e
se tornam globais. Enquanto nas sociedades antigas assinalava-se a existência de perigos, que
se colocavam como situações externas à sociedade, na sociedade de riscos, assinala-se a
existência dos riscos como uma conseqüência de decisões tomadas no âmbito da própria
sociedade, o que confere um caráter reflexivo ao risco. Toda a problemática da sociedade de
riscos versa sobre como evitar, miminizar, canalizar e repartir os riscos e os perigos que se