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2 RISCO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL: A PERSPECTIVA BRASILEIRA

2.2 Os princípios fundamentais do direito do ambiente

2.2.5 O Princípio da equidade intergeracional

Os movimentos ambientalistas forjaram o reconhecimento do princípio da responsabilidade como uma mutação no agir ético e, no plano econômico, como fundamento para internalização as externalidades ambientais negativas. Este princípio da responsabilidade é informado por duas noções fundamentais: a solidariedade social e o valor ético da alteridade

(BENJAMIM, 1993, p. 229). Incisivo também é Milaré (2000, p. 101), quando afirma que se trata do princípio do poluidor-pagador, e não do princípio do pagador-poluidor.

(PELIZZOLI, 1999, p. 21-33), e se projeta em dimensão espaço-temporal na medida em que a temática ambiental é voltada, em escala global, para a proteção das gerações futuras. Com isso, amplia-se a função da responsabilidade civil que deve responder satisfatoriamente à necessidade de reparar danos ambientais a fim de que as gerações futuras possam usufruir, pelo menos, da mesma qualidade de que dispomos hoje.

A alteridade deve ser considerada com base na visão de integralidade que caracteriza a relação homem-natureza e de solidariedade entre a comunidade humana, para, então, abranger não apenas o outro humano e próximo, mas, numa forma mais ampliada, levar em conta todos os elementos constitutivos da biota que se inter-relacionam de forma permanente, ilimitada no espaço e, também, no tempo, de modo especial, os seres humanos que ainda estão por nascer.

Parece oportuno deter-se, um pouco mais, no significado da expressão “comunidade humana” utilizada para identificar a extensão da solidariedade contida no valor da alteridade que, como dito informa o princípio da responsabilidade.

Com efeito, por comunidade humana, segundo Kiss (2004) devem ser compreendidos todos os indivíduos que compõem a espécie humana, tanto os atuais, vivos e presentes, como os futuros, que ainda não nasceram . A expressão revela uma forma unificada e totalizante de se enxergar os homens, independentemente de limites temporais de existência de cada indivíduo ou grupo. Na linha desse pensamento, não parece apropriado falar-se em gerações que, em certa medida, sugere uma visão fracionada da espécie humana, como se fosse possível, com exatidão, agrupar os indivíduos de acordo com determinados espaços temporais. Aliás Kiss (2004, p. 4), ao tentar definir o conceito de geração, afirmou que:

[...] de forma conceitual, o principal problema é que não há nenhuma geração distinta. Em cada duas centenas de seres humanos que nascem e morrem, mas de cinco bilhões de pessoas de todas as idades coexistem. Seria mais exato falar não de gerações, mas de um fluxo constante; a humanidade pode ser comparada a um enorme rio que flui constantemente, torna-se cada vez maior e nele nenhuma distinção pode ser feita entre as gotas de água que o formam.

De qualquer forma, não há dúvida de que esses referenciais de caráter ético, orientadores do comportamento humano, pavimentam o caminho para se alcançar a equidade intergeracional e, ao mesmo tempo quanto ao aspecto jurídico, oferecem fundamentos autorizados da emergência dos direitos e pretensões de futuras gerações.

Para Leite & Ayala, (2004, p. 109), a formulação dessa nova composição ética, reconheceu que a comunidade moral é substancialmente ampliada, não só no espaço, recebendo novos atores (não sujeitos), sob a direção de uma nova compreensão sobre as relações, mas sobretudo modificada a partir da admissão de que todos os homens são iguais no tempo. O direito à existência é, notadamente, espécie de direito cuja compreensão de seu conteúdo integral não pode se esgotar a um determinado dano ou de possível determinação.

A busca por uma solidariedade intra e intergeracional é o sentido do dever descritono art. 225, caput, da CF de 1988, ao referir que se impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Leite destaca que a atribução de deveres compartilhados ao Estado e à sociedade, própria dos direitos fundamentais da terceira geração, é uma característica inovadora da Constituição Brasileira, que reconhece a indissolubidade do vínculo Estado-sociedade civil. Essa vinculação de interesses públicos e privados redunda em verdadeira noção de solidariedade em torno de um bem comum. “A conjugação de interesses significa que esta concepção de direito fundamental está pautada numa premissa essencial, que é a de que as liberdades individuais são indissociáveis das liberdades sociais e coletivas” (LEITE, 2003, p. 93).

O princípio a equidade intergeracional, que foi reconhecido no preâmbulo da Declaração de Estocolmo de 1972, que afirma ser o homem “portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras”. A teoria da equidade intergeracional está presente em textos de inúmeros instrumentos internacionais que tutelam os direitos humanos tais como a Carta das Nações Unidas, o preâmbulo da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Declaração sobre todas as formas de discriminação contra a mulher, a Declaração sobre os Direitos da Criança, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Declaração e Programa de Ação de Viena.

Há três princípios informativos da base da equidade intergeracional: 1 )Princípio da conservação de opções, segundo o qual “cada geração deve conservar a diversidade da base dos recursos naturais e culturais, sem diminuir ou restringir as opções futuras de avaliação das futuras gerações na solução de seus problemas e na satisfação de seus valores, e que deve ser comparável com a diversidade que foi usufruída pelas gerações antecedentes”; 2) Princípio da conservação da qualidade, segundo o qual cada geração deve manter “a qualidade do planeta para que seja transferida nas mesmas condições em que foi recebida, bem como a qualidade do planeta que seja comparável àquela usufruída pelas gerações passadas”; 3) Princípio da conservação de acesso, segundo o qual “cada geração deveria prover seus membros com direitos iguais de acesso ao legado das gerações passadas e conservar o acesso para as gerações futuras”(LEITE; AYALA, 2004, p. 118).

No âmbito do princípio da conservação das espécies, observa-se que a garantia da igualdade entre as gerações presentes e futuras pode ser conflituosa, pois os esforços para proporcionar adequada distribuição de riquezas e satisfação de necessidades no presente, equivale a manter o modelo de desenvolvimento, comprometendo o acesso, no futuro aos mesmos recursos, que são finitos, uma vez que, a geração presente não abre mão do “bem estar” oferecido pela sociedade industrial e que também projeta para suas gerações os objetivos de vida baseado nessa perspectiva.

Passa-se, então, a discutir o modelo de desenvolvimento adotado, com o que se chega ao conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentável (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 46-71), que procura compatibilizar a necessidade de desenvolvimento econômico com a conservação da qualidade ambiental para as gerações futuras e vem sendo identificado como o objetivo do art. 170, VI, da CF, na medida em que esta refere que a ordem econômica deve pautar-se pelo principio da proteção do meio ambiente.

Esse conceito é questionável, destacando Fodolari & Tommasino (2001, p. 13) que a noção de desenvolvimento sustentável não questiona o modelo capitalista, partindo da premissa de que a sociedade humana é uma unidade, como se, no seu interior, não existissem diferenças. A relação de apropriação havida com a natureza permanece intocada, o que aumenta a tensão na sociedade que, por um lado sofre pressões por mudanças e reconhecimento de novos valores éticos e sociais, e, por outro, não quer se desgarrar dos padrões de consumo e bem-estar proporcionados pelo padrão de desenvolvimento vigente.