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2 POR UMA ANÁLISE DEDUTIVA DO CONCEITO DE PRECEITO

2.5 O princípio da dignidade da pessoa humana como elemento de conformação dos

2.5.7 As funções do princípio da dignidade da pessoa humana

Discorreu-se muito sobre o conceito, o caráter normativo e as dimensões do princípio da dignidade da pessoa humana, cabendo agora tratar do resultado, de suas principais funções.

Adiante-se que será procedida, agora, a uma sistematização de referidas funções tanto em seu aspecto principiológico como normativo, a despeito das mesmas terem sido levantadas sumariamente nas demais subseções deste tópico.

Uma das primeiras funções que se pode levantar é a de legitimação ética da Constituição. Os indivíduos se apresentam como a causa eficiente e final de toda a organização política.261 Essa é a base de referibilidade de mencionado princípio. Ele é

direcionado ao homem.

Esclarecendo sobre o valor fundamental e legitimante da ordem constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana, necessária é a citação de Daniel Sarmento:

o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. [...] Assim, é apenas o respeito à dignidade da pessoa humana que legitima a ordem estatal e comunitária, constituindo a um só tempo, pressuposto e objetivo da democracia.262263 261 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Lumen Juris: Rio de

Janeiro, 2000, p. 70.

262 Idem, ibidem, p. 59-60.

263 Uma democracia substancial, onde decorre a impropriedade da concepção corrente de que a democracia seria um sistema político fundado numa série de regras que garantem a omnipotência da maioria. Referida democracia deve ser entendida na perspectiva de Ferrajoli, como uma regra que ordene o que seja decidível pela maioria. Uma democracia onde os direitos fundamentais circunscrevam o que podemos chamar de esfera de indecidibilidade, ou seja, “do não decidir que”, das proibições determinadas pelos direitos de liberdade, “e do não decidir que não”, é dizer, das obrigações públicas determinadas pelos direitos sociais. Cf. Luigi FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p. 36.

Nesse mesmo sentido, tem-se posicionamento de Jorge Miranda, para quem, a despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional.264

Outra função que se assaca é a de sua dimensão negativa, um limite à atuação do próprio Estado. Pode-se afirmar, dentro deste contexto, que todo e qualquer ato normativo, administrativo ou jurisdicional, que se revelar atentatório à dignidade da pessoa humana será inválido e desprovido de eficácia jurídica, ainda que não decorra qualquer colisão frontal com qualquer dispositivo constitucional.265

Dentro deste sentido, importa destacar como decorrência da dimensão negativa a função de vedação do retrocesso. Nesse sentido, Ingo Sarlet leciona que no âmbito de uma “função protetiva” (e, portanto, defensiva) da dignidade, a mesma constitui um dos critérios materiais para a aferição da incidência de uma proibição de retrocesso em matéria de direitos fundamentais, notadamente (mas não exclusivamente), na esfera dos direitos fundamentais sociais de cunho prestacional. A idéia basilar é a de que eventuais medidas supressivas ou restritivas de prestações sociais implementadas (e, portanto, retrocessivas em matéria de conquistas sociais) pelo legislador haverá de ser considerada inconstitucional por violação do princípio da proibição do retrocesso, sempre que com isso restar afetado o núcleo essencial legislativamente concretizado dos direitos fundamentais, ou seja, quando resultar uma afetação à dignidade da pessoa humana. Essa afetação tem de ser tamanha a ponto de gerar comprometimento das condições materiais indispensáveis para uma vida com dignidade, no contexto daquilo que tem sido batizado como mínimo existencial.266

D´outra banda, referido princípio apresenta também um caráter positivo. O Estado tem o dever de promover a dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem, desta forma, tem a sua dignidade ferida não apenas quando se vê privado de algumas de suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia etc.267

264 Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV, Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p.

166-167.

265 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Lumen Juris: Rio de

Janeiro, 2000, p. 71.

266 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988. 3 ed. rev. atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 121.

267 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Lumen Juris: Rio de

Outra função que se apresenta é a de ser um critério integrativo, prestando-se ao reconhecimento de direitos fundamentais atípicos. Neste sentido, pretensões cuja concretização se afigure essencial à vida humana afirmam-se como direitos fundamentais, ainda que não encontrem previsão explícita no texto constitucional.268 269 O seu caráter

integrativo, destaca-se, só vem para atestar o poder de conformação da ADPF com relação aos Direitos Fundamentais.

Nesse sentido, é de se citar o seguinte posicionamento de Ingo Sarlet:

o que se pretende demonstrar, neste contexto, é que o princípio da dignidade da pessoa humana assume posição de destaque, servindo como diretriz material para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes da Constituição. [...] Assim, o fato é que – e isto temos por certo – sempre que se puder detectar, mesmo para além de outros critérios que possam incidir na espécie, estamos diante de uma posição jurídica diretamente embasada e relacionada (no sentido essencial à sua proteção) à dignidade da pessoa humana, inequivocamente estaremos diante de uma norma de direito fundamental, sem desconsiderar a evidência de que tal tarefa não prescinde do acurado exame de cada caso.270

Por fim, aventamos sua função hermenêutica. Como fundamento da ordem constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana configura diretriz inafastável para interpretação de nosso ordenamento. Nesse sentido, pode-se afirmar que referido princípio assume aspecto curial na ponderação de interesses constitucionais. A ponderação, neste caso, seria um método dirigido à afirmação e à concretização de valores supremos como a igualdade, fraternidade e justiça, bases em que se apóia todo o ordenamento constitucional e que estão condensados no princípio da dignidade da pessoa humana. Sem referida ponderação com o princípio da dignidade da pessoa humana, estar-se-ia fazendo tábula rasa dos valores supremos da ordem constitucional, da sua matriz axiológica e do seu fim último.271

Aprofundando ainda mais esta função integrativa e hermenêutica da dignidade da pessoa humana, revela-se, enfim, o posicionamento de Ingo Sarlet, destacando que:

neste passo, impõe-se seja ressaltada a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio, na medida em que este serve como parâmetro para aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico. 272

268 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Lumen Juris: Rio de

Janeiro, 2000, p. 73.

269 Esse é um aspecto interessante, e que serve de filtro às cláusulas de abertura tratadas na subseção 1.2.2. 270 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988. 3 ed. rev. atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 101.

271 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Lumen Juris: Rio de

Do expendido, tem-se que delinear o importante aspecto normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, decorrente do mínimo existencial, elemento garantidor de condições mínimas ao desenvolvimento da liberdade do indivíduo. Esse caráter normativo, decorrência de sua positivação no art. 1º, III, da Carta Magna, tem importância para garantir a eficácia de mencionado princípio na conformação dos demais direitos fundamentais, decorrência de seu aspecto integrativo, e para permitir a sua sindicabilidade como direito objetivo e subjetivo da população. Tudo isto ganha relevo, no que importa para o cerne desse dissertação, pelo fato de determinar a relevância da sindicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana por meio da ADPF.

272 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

3 O PERCURSO LEGITIMATÓRIO DA PRÁXIS JUDICIAL: PRELIMINAR

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