• Nenhum resultado encontrado

4 DA IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM E DA SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A

4.2 A construção do direito dentro da teoria lingüística da concretização

4.2.1 Preliminar teórica os fundamentos do método de concretização constitucional

4.2.1.2 A concretização na teoria de Müller

4.2.1.2.1 O fundamento da teoria da concretização

Somente em casos peculiares é que se pode falar em concretização do direito, verbi gratia, naqueles casos em que o enunciado normativo não se apresenta pronto e acabado, ou seja, onde existam conceitos jurídicos indeterminados ou onde o enunciado normativo permita a complementação pelo intérprete.

Assim, a teoria de Müller, numa abordagem semiótica, destaca os aspectos semânticos da linguagem jurídica, especialmente da linguagem constitucional, em seus pontos de ambigüidade e vagueza, que justificam o uso de um “processo de concretização”,418 não

simplesmente um “procedimento de aplicação” conforme regras de subsunção. É no ponto

417 A tópica, a arte de pensar mediante problemas, é exatamente a reflexão para a descoberta e a justificação. Quando se descobrem as premissas, tem-se que justificá-las, e então se inicia o processo tópico, onde há a ponderação e exposição dos lugares comuns, dos pontos de vista, que são mais ou menos razoáveis, tidos como bases justificadoras de decisões prudentes. Essas premissas devem ser sempre procuradas, buscadas, avaliadas e achadas de conformidade com as situações contingentes e sempre novas. Para cada enunciado tem de ser dada a justificativa. Se elas forem plausíveis para a comunidade que participa do processo, a conclusão será aceita não pela simples força da lógica da conseqüência, mas pela força dos argumentos que fundamentam a decisão. Cf. ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 3 ed., São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 379-382.

418 Entende-se que a nominação mais adequada seria procedimento, porquanto inexistentes partes em litígio, ou

semântico que está radicada a doutrina de Müller, pois é somente sob condições de unidade de interesse e concepção de mundo que as questões constitucionais perderiam sua relevância semântico-pragmática para se tornarem primariamente questões sintáticas, orientadas pelas regras de dedução lógica e subsunção. Essa situação, destaque-se, é totalmente incompatível com a complexidade da sociedade moderna, especialmente no que diz respeito aos conflitos existentes.419 Daí é que salta em importância a teoria da concretização para se espancar as

dúvidas existentes sobre o princípio da subsidiariedade, sobre a questão da legitimação e sobre o conceito de preceito fundamental, pontos de trabalho da ADPF.

Dessa forma, interpretação do texto da norma, dentro da teoria da concretização constitucional, é um componente importante, mas não o único na implementação dos sinais do ordenamento normativo em casos determinados. Por isso, não mais se deve falar de interpretação, mas sim de concretização da norma.420

Concretizar, nos dizeres de Muller, pressupõe o entendimento de uma Constituição efetiva. Desse modo, ele entende a Constituição como um dado lingüístico diante do qual se apresenta o processo lingüístico de concretização para torná-la efetiva. 421 Nos dizeres de João

Maurício Adeodato, seria um procedimento lingüístico,422 posição que se aceita pela ausência

de litígio em seus termos propriamente ditos. Esse procedimento, atesta-se, é de fundamental importância para o desiderato do presente trabalho, uma vez que está voltado para a efetivação ou garantia de eficácia dos direitos fundamentais (espécies do gênero preceitos fundamentais), fins de que é instrumento de proteção a ADPF.

Muller, em complemento do expendido, assaca que

a tarefa da práxis do direito constitucional é a concretização da constituição por meio da instituição configuradora de normas jurídicas e da atualização de normas jurídicas no Poder Legislativo, na administração e no governo, ela é a concretização da

419 Cf. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 79-80.

420 Cf. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed.

rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 105.

421 Cf. MÜLLER, Friedrich. Concretização da constituição. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER,

Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 122.

422 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,

constituição que primacialmente controla, mas simultaneamente aperfeiçoa o direito na jurisprudência, dentro dos espaços normativos. 423

Dentro desses lineamentos, vê-se o caráter de aperfeiçoamento e adaptação na teoria da concretização da Constituição. Esse procedimento, como delineado por Müller, tem por limite a norma.

Bom, assacadas essas premissas, é de se destacar que há mais de três décadas as investigações da teoria do direito pós-positivista mostraram que a normatividade não é nenhuma qualidade de textos de normas. A normatividade, isto sim, é um trabalho comprometido com o Estado de Direito e a Democracia, e encontra nos textos das normas e nos casos jurídicos seus limites.424

Müller, abeberando-se das concepções lingüísticas tratadas na subseção 4.1.3, trata a concretização como um método voltado à pré-compreensão e ligado ao fato, partindo da norma e deixando para trás o positivismo legalista.

A concretização se apresenta, então, como forte instrumento para se aprimorar o positivismo, substituindo o processo de subsunção, lógico-formal, por um processo de pré- compreensão da dogmática jurídica. Atualmente, frisa-se, não é mais possível desolar a norma jurídica do caso jurídico por ela regulamentado. Ambos fornecem os elementos necessários à decisão jurídica. Toda e qualquer norma jurídica, assim, somente faz sentido com vistas ao caso a ser solucionado por ela. Esse limite da concretização jurídica acaba por definir o interesse de conhecimento peculiar da ciência e da práxis jurídicas como um interesse de decisão. 425

Para Muller, portanto, a força enunciativa de uma norma para um caso é provocada por esse mesmo caso. A concretização da norma jurídica em norma de decisão e do conjunto de fatos juridicamente não decididos em caso jurídico decidido deve comprovar a convergência material do caso e da norma, publicá-la e fundamentá-la. A pré-compreensão,426

nesse desiderato, ganha papel fundamental. Ela deve ser estritamente jurídica, não ligada à

423 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 36.

424 MÜLLER, Friedrich. Concretização da constituição. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER, Friedrich.

Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio

de Janeiro, 2005, p. 130.

425 Cf. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed.

rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 48-50.

426 Nesse ponto, Müller utiliza das concepções de Heidegger e Gadamer, processando uma cinzelagem do

concepções filosóficas. Ela deve representar elementos da Teoria do Estado, da Teoria Constitucional, da Dogmática Jurídica e da Teoria do Direito. 427

Nesse compasso, concretizar não significa aplicar, interpretar, subsumir, individualizar uma norma, mas produzir, diante da provocação decorrente de um dado conflito social, a norma jurídica para esse caso no quadro de uma democracia e de um Estado de Direito.428

Costumeiramente, é de se alertar, a interpretação da norma se apresenta como interpretação de texto, uma reelaboração da vontade da norma ou do seu emissor, que se manifesta no texto da norma, na sua história legislativa, no texto sistemático, com outros textos de normas, na história dos textos de correspondentes regulamentações anteriores e no sentido e na finalidade da prescrição a serem extraídos desses indícios.

Todavia, a norma é mais do que um enunciado de linguagem que está no papel, a sua “aplicação” não pode ser esgotada na interpretação do texto. Trata-se de concretização, referida ao caso pelo programa da norma, pelo âmbito da norma e pelas peculiaridades do conjunto de fatos, aqueles que são essenciais a mesma, que cabem no âmbito da norma e são apreendidos pelo programa da norma. Esse método é diferente da mera interpretação.429

Desta feita, Muller preconiza que a

metódica jusconstitucional deve ser fundamentada por uma teoria do direito: mas não por uma teoria sobre o direito (seja ela de natureza teológica, ética, filosófica, sociológica, político-ideológica), mas por uma teoria do direito, quer dizer, por uma teoria da norma jurídica.430

As orientações da nova hermenêutica constitucional, portanto, rompem com os postulados do racionalismo ocidental clássico, colocando as certezas absolutas provenientes da razão em cheque diante das certezas relativas da hermenêutica. Esse processo pode ser articulado pelo rompimento do conceito da existência-em-si, para o conceito de existência-aí, uma existência temporalizada, ou seja, condicionada pela realidade histórica.431

427 Cf. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 53.

428 MÜLLER, Friedrich. Concretização da constituição. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER, Friedrich.

Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio

de Janeiro, 2005, p. 131.

429 Cf. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 26.

430 Idem, Ibidem, p. 34. 431

 Cf. GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: análise de sua concretização constitucional. Curitiba:

A tentativa de Müller, portanto, é de rompimento com o conceito tradicional de norma e de Constituição que os equivale ao texto. Do texto da norma não advém nenhuma normatividade, pois esta não é qualidade estática do texto, mas um processo432 (Vorgang)

fundamentado no trabalho jurídico comprometido com o Estado de Direito e a democracia.433

Nesse passo, Müller questiona a tópica por sua abertura e a argumentação jurídica por tentar reduzir subsuntivamente a decisão a partir de regras, ou seja, pelo estabelecimento procedimental de regras de decisão.434

Em sua concepção, a norma não se esgota no teor literal do texto, embora este seja o enunciado lingüístico, disposição sintática sobre a qual se exprime o programa da norma, o texto mais o resultado da norma. A norma vai além. Concretizar significa interpretar com acréscimo, culminando numa atividade criadora do intérprete, já que a normprogram é apenas uma “norma em potencial”. O texto da norma é um ponto de partida para a interpretação.435

Müller utiliza, dentro deste enfoque criativo, a noção de pré-compreensão histórica de Hans-Georg Gadamer tratada na subseção 4.1.3.436

Desta feita, a teoria da concretização constitucional destaca como limite seu o texto constitucional, sem perder de vista a realidade que ele intenta regular, a qual lhe estabelece o sentido. Essa teoria abebera-se da concepção de Gadamer de que interpretar sempre foi, também, aplicar. Aplicar o direito significa pensar conjuntamente o caso e a lei, de tal maneira que o direito propriamente dito se concretize. O sentido da norma só pode ser determinado através da concretização.437438

Assim, percebe-se a importância do método de concretização na determinação de uma norma, preenchendo seus conteúdos, criando uma norma adaptada à realidade social. É esse o

432 Como referido anteriormente, entende-se mais adequado o uso da terminologia procedimento.

433 MÜLLER, Friedrich. Concretização da constituição. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER, Friedrich.

Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio

de Janeiro, 2005, p. 125.

434 MÜLLER, Friedrich. Juristishe Methodik. Berlin: Duncker & Hublot, 1997, p. 32, apud ADEODATO, João

Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, P. 238.

435 MÜLLER, Friedrich. Juristische Methodik. Berlin: Duncker & Humblot, 1997, 7 ed., p. 175 apud GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: análise de sua concretização constitucional. Curitiba: Juruá, 2004, p.150.

436 GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: análise de sua concretização constitucional. Curitiba: Juruá, 2004 , p. 151.

437 Cf. GADAMER, Hans-Georg Gadamer. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica

filosófica. Própolis: Vozes, 1997, p. 463, 489 e 490.

enfoque realista e de concretização dos direitos fundamentais que se quer dar à ADPF, fomentando interpretações renovadas do princípio da subsidiariedade e do rol de legitimados de mencionada ação, com vistas a atender aos anseios da população, o fim último do Estado.

Outline

Documentos relacionados