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4 DA IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM E DA SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A

4.2 A construção do direito dentro da teoria lingüística da concretização

4.2.1 Preliminar teórica os fundamentos do método de concretização constitucional

4.2.1.2 A concretização na teoria de Müller

4.2.1.2.5 Para uma compreensão da terminologia concretizante: o caminho para a

Aduzidos alguns comentários sobre as dificuldades e limites do processo de concretização, compete apurar as noções sobre os termos âmbito da norma e programa da norma.

Com esse objetivo, é de se sinalizar que o procedimento de concretização é orientado primeiramente pelo comparativo que o jurista faz entre os textos legais e o relato do caso, transformando-os em conjunto de matérias, ou seja, a relação processada entre os fatos e os textos normativos.452

Da análise desse conjunto de matérias postas, o jurista escolhe, dentre os textos normativos válidos, as hipóteses normativas específicas que considera adequadas, fazendo com que os pontos de vista mais propriamente técnico-jurídicos penetrem no trabalho de concretização e constituindo o já mais específico “âmbito da matéria” (Sachbereich). O âmbito da matéria, então, se apresenta como o resultado da relação entre as hipóteses dos textos específicos escolhidos e o conjunto de matérias formado a partir dos dados reais.453

Prosseguindo com o procedimento de concretização, em determinados os textos diante do conjunto de matérias, o jurista agora especifica os fatos mais relevantes, reunindo o conjunto de matérias ao âmbito da matéria e obtendo o “âmbito do caso” (Fallbereich), que reduz ainda mais a complexidade do âmbito da matéria. O caso específico já é examinado juridicamente, mas os elementos do “âmbito do caso” não são ainda normativos.454

A seguir, a concretização normativa reúne a interpretação dos textos normativos anteriormente especificados, voltados para o caso em questão, aos elementos que compõem o “programa da norma”, isto é, as teorias, as técnicas hermenêutico-dogmáticas, o conjunto de dados lingüísticos dentro do texto da norma e do ordenamento, bem como os textos prévios,

452 Cf. ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 243.

453 Idem, ibidem, p. 246.

454 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 246-247

como anais de discussões legislativas, textos de normas anteriores já revogadas, textos doutrinários e técnicas argumentativas, tudo com vistas a fornecer o conteúdo da norma, o âmbito da norma.455

O âmbito da norma, portanto, compreende aquelas características fáticas trazidas ao procedimento de concretização a partir do conjunto de matérias e já trabalhadas à luz do programa da norma. O âmbito da norma é o fator que fundamenta a normatividade. Não é uma simples soma de fatos, mas conjunto de elementos estruturais retirados da realidade social.456

Explicitando melhor a terminologia, o programa normativo disciplina o recorte da realidade social na qual a norma vai incidir, o seu âmbito normativo. Esse âmbito normativo pode ter sido ou não gerado pelo direito, uma vez que o seu embasamento pode ter preponderância fática ou jurídica. O âmbito da norma entra, então, no horizonte visual da norma, bem como da norma da decisão, unicamente no enfoque indagativo do determinado pelo programa da norma. O âmbito da norma, assim, apresenta-se como o componente da hipótese legal normativa. É este âmbito que vai esboçar o aspecto vinculante das normas jurídicas.457

O âmbito da norma, assim, dentro das concepções de Müller, é

a estrutura básica do segmento da realidade social, que o programa da norma ‘escolheu para si’ como a ‘sua’ área de regulamentação ou que ele, em parte, ‘criou’. A área da norma representa o recorte da realidade social abrangido pela norma.458

O direito constitucional, nessa seara e no que interessa para o presente trabalho, se apresenta fecundo em âmbitos normativos, ganhando em importância na concretização das normas constitucionais a práxis da jurisprudência dos tribunais constitucionais.459 Isso é

confirmado pelo grande conjunto de matérias reguladas e pela indeterminação e variabilidade semântica de diversos conceitos e preceitos carreados no texto constitucional, dentre os quais,

455 Cf. Idem, ibidem, p. 247.

456 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., Malheiros: São Paulo, 2004, p. 506.

457 Cf. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro, 2005, p. 42-43.

458 MÜLLER, Fredrich. Recht, Spache, Gwalt – Element einer Verfassungstheorie I. Berlin: Ducker &

Humblot, 1975, p. 38, Apud GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: análise de sua concretização constitucional. Curitiba: Juruá, 2004, p. 151.

459 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed.

para o presente estudo, ganha relevo a noção de preceito fundamental, do princípio da subsidiariedade e de um viés legitimatório amplo em sede de ADPF.

É de se destacar, outrossim, que tanto o âmbito da norma como o programa da norma fazem parte da estrutura da norma. O programa da norma indica os dados lingüísticos (também técnicos) normativamente relevantes, enquanto o âmbito da norma aponta os dados reais normativamente relevantes. O programa da norma, assim, limita e faz a mediação entre o conjunto de matérias e a construção do âmbito da norma. O âmbito da norma refere-se ao que se apresenta como juridicamente relevante dentro do conjunto de matérias por força das prescrições do sistema jurídico, das normas. O âmbito da norma pode ser produzido pelo sistema jurídico através dos procedimentos e regras processuais, ou não, como é o caso das estruturas sociais propriamente ditas.460

Buscando facilitar a compreensão e sumariando a teoria de Müller, merecem destaque as seguintes lições de João Maurício Adeodato

em outras palavras: os textos normativos genéricos, relacionados com os relatos genéricos leigo e profissional sobre os dados reais, constituídos a partir dos dados lingüísticos primários, conduzem à escolha do âmbito da matéria, o qual é especificado na direção do âmbito do caso. O âmbito do caso é orientado pelos padrões do programa da norma e, juntos, constituem o âmbito da norma. O programa da norma e o âmbito da norma vão por sua vez formar a norma jurídica, a qual se concretizará na norma decisória. Esses são os passos do processo do trabalho jurídico de Müller, os quais não serão detectados necessariamente em todos os casos.461

Contudo, importa aduzir que na metódica estruturante o “âmbito da norma” (normbereich) é conceito diferente e não se confunde explicitamente com o conceito de Tatbestand, “suporte fático” na clássica tradução de Pontes de Miranda.462 Müller, nesse

passo, adota uma postura, quando fala do âmbito de matérias, muito mais abrangente do que o suporte fático delimitado na Teoria Ponteana, eis que a sua concepção é constituída pelos próprios fatos e pelos acontecimentos reais.463

Para Müller, ao contrário de Pontes de Miranda, “A descrição de relações sociais, tradicionalmente refletidas na doutrina do suporte fático legal (gesetzlichen Tatbestand), não deve ser concebida como descrição coisificada e ontológica, mas sim como parte integrante

460 Cf. ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 248-249.

461 Idem,ibidem, p. 249.

462 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 243.

de complexas técnicas de comunicação.”464 Portanto, ele relaciona o mundo dos eventos às

abstrações hipotéticas da norma jurídica de maneira mais ampla do que o Tabtbestand, ou seja, as condições fáticas de incidência da norma.465

É de se assinalar que Müller destaca que todos os passos elencados nos parágrafos anteriores constituem dados de entrada, e não apresentam caráter normativo. A normatividade só aparecerá nos resultados da concretização, na norma jurídica, enquanto resultado intermediário, e na norma decisória, enquanto resultado final. A norma jurídica é o somatório do programa da norma e do âmbito da norma. A norma decisória é o resultado final de todas as fases anteriores do trabalho de concretização.

Müller não vislumbra como qualidade da norma a normatividade. Para ele a estrutura normativa resultaria da conexão entre programa e área da norma (âmbito da norma) na norma de decisão. A concretização constitucional, portanto, não é uma interpretação aplicadora do texto constitucional. Ela oferece diversas possibilidades de compreensão, constituindo apenas um aspecto parcial da norma.466

Isso é confirmado pelo fato de sua teoria não conferir ao texto da norma a regulação do caso concreto, o que só pode ser processado pelo corpo legislativo, pelo órgão de governo, pelo administrador, pelo juiz e pelo parelho judiciário, os quais anunciam, fundamentam e executam a decisão reguladora do caso. O texto da norma, assim, não contém a normatividade e sua estrutura material concreta. Ele cinge-se, dentro de sua moldura, a limitar as possibilidades legais de uma determinada concretização material do direito. O texto só apresenta sentido quando posto numa situação ativa de concretização.467 A normatividade da

prescrição jurídica se fundamenta através do âmbito da norma.468

Dentro desse contexto, não é possível isolar a norma da realidade, antes é a realidade em seus respectivos dados (o círculo ou âmbito da norma ou normbereich) afetada pelas

464 Cf. MÜLLER, Friedrich. Jurisdische Methodik. Berlin: Dunker Humblot, 1997, p. 155, apud ADEODATO,

João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 244.

465 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 44.

466 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 77.

467 MÜLLER, Friedrich. Rechtsstaaliche form, demokratische politik-beitrage zu öffentlichem recht, Mathodik,

Rechts – und Staatstheorie, p. 146, Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., Malheiros: São Paulo, 2004, p. 505.

468 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., Malheiros: São Paulo, 2004, p.

disposições normativas (o “programa da norma” ou normprogramm), o elemento material constitutivo da própria norma.469

A metódica jurídica de Müller é construída, portanto, com base na diferenciação entre validade e normatividade. O trabalho com os textos não tem significado normativo, mas apenas validade.470 Essa validade significa que todos devem se conduzir de forma compatível

com o texto. É no caso concreto que se apresenta a norma. A validade, para essa teoria, é a compatibilidade com as regras do sistema jurídico no que se refere ao conteúdo, competência, rito e elaboração. Não há no termo o conteúdo axiológico.471 A normatividade, como

alinhavado alhures, é decorrente do processo de concretização. João Maurício Adeodato, nesse passo, atesta ser a teoria de

Müller útil à doutrina jurídica brasileira, pois parece mais adaptável a explicar a realidade que a maioria das teorias realistas que aqui se têm difundido. Ele busca a concepção mais realista, evitando a concepção de que interpretar é determinar o sentido e o alcance da norma diante do caso.472

Simplificando a exposição, e carreando uma síntese sobre o método hermenêutico- concretizador, é de se citar Canotilho:

esse método vem para realçar e iluminar vários pressupostos da tarefa interpretativa: (1) os pressupostos subjectivos, dado que o intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de obtenção do sentido do texto constitucional: (2) os pressupostos objectivos, isto é, o contexto, actuando o intérprete como operador de mediações entre o texto e a situação em que se aplica; (3) relação entre o texto e o contexto com a mediação concretizadora do intérprete, transformando a interpretação em <movimento de ir e vir> (círculo hermenêutico).473

Ao fim, e servindo de pressuposto do desenvolvimento da última seção deste trabalho, assenta-se que Müller defende a aplicabilidade, com eficácia, da metódica estruturante à hermenêutica dos direitos fundamentais. Ele apresenta os seguintes pontos para confirmar a sua tese: a estruturação conferida por ela à teoria dos direitos fundamentais como aspectos racionais; a estruturação de interpretação desses direitos; ela permite proceder a numerosas estruturações para a dogmática das garantias, a fim de que se possa tê-las com maior grau possível de eficácia; e, por fim, estrutura a doutrina constitucional no que respeita à

469 MÜLLER, Friedrich. Normstrukur und Normativität, Schriften zur Rechtstheorie, faz. 8, Berlim, 1966, p. 144 e ss., Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., Malheiros: São Paulo, 2004, p. 505.

470 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 250.

471 Cf. Idem, ibidem, p. 250.

472 Idem, ibidem, p. 251.

473 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed., Coimbra: Livraria

normatividade dos direitos fundamentais. 474 Sua teoria, portanto, reforça a positividade,

materialidade e racionalidade desses direitos.

São esses os motivos que justificam a opção pela teoria da concretização no que pertine à orientação de conformar a interpretação do princípio da subsidiariedade em sede de ADPF e amplificar o rol de legitimados para a sua impetração.

Assim, conforme as pautas de uma nova função do judiciário num Estado substancialista como o brasileiro, das vantagens que o método de concretização possui para a aplicação, com eficácia, das normas de direitos fundamentais, pelo fato de a normatividade da concretização constitucional apresentar um forte viés histórico e real, decorrência da ligação que estabelece entre os dados lingüísticos (o programa da norma) e o conjunto de dados reais conformes o programa da norma (âmbito da norma), é que se destaca a propriedade do uso da teoria da concretização para a resolução da questão da legitimidade em sede da ADPF e para uma interpretação ótima do princípio da subsidiariedade, com vistas a garantir a máxima eficácia dos direitos fundamentais e a legitimação do Estado. Essas, dentre outras, serão as orientações que dirigirão a vindoura seção 5.

5 A LEGITIMIDADE PARA A PROPOSITURA DA ARGÜIÇÃO DE

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