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4 DA IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM E DA SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A

4.2 A construção do direito dentro da teoria lingüística da concretização

4.2.1 Preliminar teórica os fundamentos do método de concretização constitucional

4.2.1.2 A concretização na teoria de Müller

4.2.1.2.2 O real e o normado – o caminho lingüístico no sentido da normatividade

Delimitado o processo de concretização de Müller, mesmo que de maneira superficial, cabe tratar da normatividade em sua terminologia.

A normatividade, na concepção de Müller, não é inerente à lei (ao texto da norma); é de natureza processual, deve ser produzida por meio do trabalho jurídico.439

A norma jurídica, portanto, é resultado desse trabalho jurídico. Ela se apresenta ao olhar realista como uma estrutura composta pelo resultado da interpretação de dados lingüísticos (programa da norma) e do conjunto dos dados reais conformes ao programa da norma (âmbito da norma). As instâncias ordenante e ordenada devem ser relacionadas pelas razões inerentes à materialidade da questão. O texto normativo surge, então, como dado de entrada do processo de concretização ao lado do caso juridicamente decidendo.440

A tese de Müller fixa, assim, que o texto e a realidade estão em constante inter- relação, e que esta inter-relação, seja mais, seja menos eventualmente discrepante, é que vai constituir a norma jurídica. Esmiuçando melhor: não só a norma do caso concreto é construída a partir do caso, mas também a norma aparentemente genérica e abstrata, ou seja, a norma geral não é prévia, só o seu texto o é. A norma geral previamente dada não existe, é uma ficção.441

Contudo, importante é a afirmação de João Maurício Adeodato, quando acentua que Müller vê a proposição normativa como algo expresso em artigos, parágrafos e incisos (dados

439 MÜLLER, Friedrich. Concretização da constituição. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER, Friedrich.

Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio

de Janeiro, 2005, p. 143.

440 MÜLLER, Friedrich. Positivismo. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER, Friedrich. Métodos de

trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio de Janeiro,

2005, p. 125.

441 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,

de entrada para a efetiva elaboração da norma), enquanto Kelsen acentua que as proposições normativas são os enunciados descritivos da ciência do direito, são juízos hipotéticos. É isto o que diferencia a proposição normativa de Müller da proposição normativa de Kelsen.442 Ora,

aparentemente os autores se apresentam em posição de confronto, mas ambos vislumbram o mesmo fenômeno, as proposições normativas, por prismas diferentes. São duas formas distintas de ver o sistema jurídico, uma de maneira prescritiva, no caso de Müller, do direito positivo (o programa da norma), e outro da ciência do direito, no caso de Kelsen, uma metalinguagem que fala de outras linguagens

Continuando com Müller, é de se realçar, portanto, que é só no processo de concretização, ao ser decidido o caso, que é produzida a norma.

Em Muller, como já foi mencionado, a atividade de interpretação vai além do texto. Ela passa através da conjunção dos pontos de vista interpretativos (gramáticos, sistemáticos e genéticos), os quais fornecem os elementos naturais e sociais, que não são primariamente formados pela linguagem, embora sejam secundária mas necessariamente intermediados por ela, que constituirão sucessivamente os elementos do âmbito do caso e do âmbito da norma.

443

Os dados de linguagem, portanto, serão os elementos do trabalho fundado na linguagem; os dados reais são os elementos de trabalho primacialmente empíricos, não- lingüísticos, que devem ser secundariamente mediados em linguagem para que possam ser operados juridicamente. A significação de uma norma, a eficácia atual de uma expressão lingüística, na “ação” enquanto processo de comunicação efetivamente ocorrente, deve depender essencialmente do entorno lingüístico, bem como de numerosos fatores contextuais e situacionais, que, desde sempre, se encontram incluídos no processo de produção e compreensão de enunciados.444

Em conclusão, abeberando-se das lições de João Maurício Adeodato, quando do trato da metódica estruturante de Muller, assaca-se que o resultado da interpretação de um texto normativo constitucional ou não, representa o conteúdo da norma.445

442 Idem, ibidem, P. 239-240.

443 Cf. Idem, ibidem, p. 241.

444 MÜLLER, Friedrich. Concretização da constituição. Tradução de Peter Naumann. In: MÜLLER, Friedrich.

Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. 3 ed. rev. e ampl., Renovar: Rio

de Janeiro, 2005, p. 149.

445 Cf. ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 239.

Todavia, é de se preconizar que a concretização constitucional deve ser fundada na garantia da legalidade e também da geração, reconhecimento e preservação da legitimidade no sentido do que é aceito como conteúdo “correto” pela sociedade.446 Esse é um limite que se

impõe à caracterização da normatividade.

Assim, com base no que foi aduzido anteriormente, é de se compreender que a normatividade, em seu atual estágio, não é nenhuma propriedade substancial dos textos no código legal, mas um processo efetivo, temporalmente entendido, cientificamente estruturável, de forma a se compreender o efeito dinâmico da norma jurídica, ou seja, a sua capacidade de influir na realidade que lhe deve ser atribuída (normatividade concreta) e que é influenciada por essa mesma realidade (normatividade materialmente determinada).447

A normatividade, então, resulta de uma atividade de formatação lingüística que tem como dado de entrada o enunciado, o texto posto no direito positivo. Essa atividade fixa o conteúdo da norma pelo vínculo que estabelece entre o enunciado e a realidade. É por isso que se defendem, como se verá na seção 5, novas interpretações do princípio da subsidiariedade e do rol de legitimados na ADPF, com vistas a uma concepção substancialista do direito. Nesse sentido, os influxos legitimatórios, a realidade circundante, estão a rogar por amplificações na interpretação da disposição constitucional que prevê o fato de o poder emanar do povo, de tal modo que a ADPF se mostraria como instrumento adequado de participação democrática na defesa dos direitos fundamentais, desde, é claro, que admitida uma legitimação ampla em defesa de direitos subjetivos por meio do controle concentrado. Essa é a normatividade defendida no presente estudo.

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