• Nenhum resultado encontrado

2 POR UMA ANÁLISE DEDUTIVA DO CONCEITO DE PRECEITO

2.5 O princípio da dignidade da pessoa humana como elemento de conformação dos

2.5.4 O conceito do princípio da dignidade da pessoa humana

Então, a dignidade da pessoa humana, como ethos da moralidade democrática, apresenta-se como cláusula que atribui a todos os sujeitos o idêntico direito básico à igualdade, legitimando o Estado e o sistema jurídico.

Perpassando o estudo da origem e fundamentação da dignidade da pessoa humana, traz-se o conceito de dignidade da pessoa humana proferido por Luís Roberto Barroso:

o princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se com a liberdade de valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. [...] Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute de sua liberdade. [...] O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação quanto a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde 237 Método de interpretação da Constituição onde o intérprete busca uma “compreensão” da norma que vai concretizar, a qual está vinculada a uma “pré-compreensão”, por meio da qual se esclarece e confere sentido à norma, e ao problema concreto que se vai resolver. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 604-605. Tema que será estudado na subseção 4.2.

238 Cf. RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília

Jurídica, 2001, p. 48-49.

239 BELLINO, Francesco. Fundamentos da bioética: aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Bauru: EDUSC, 1997, p. 289, apud Eduardo Ramalho Rabenhorst. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 49.

básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça. Indispensável para a exigibilidade e efetivação240 dos direitos.241242

Dentro deste novo conceito, vê-se o somatório de um novo elemento, o entendimento do mínimo existencial, núcleo material a que se dirige a realização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Falando sobre a teoria do mínimo existencial, pouco utilizada na práxis constitucional brasileira, Krell aduz que a mesma tem função de atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público em casos de diminuição de prestação dos serviços sociais básicos que garantem a sua existência digna.243

A questão do mínimo existencial, conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física, já teve acurado estudo de Pontes de Miranda, o qual destacou:

assim, é indispensável, dizíamos em 1933 (Direito à Subsistência, 41) à realização do direito à subsistência: (1) que se insira em Declaração de Direitos rígida – como direito público subjetivo; (2) que a planificação o realize, partindo-se do reconhecimento científico da alimentação, da casa e da roupa (fixado o mínimo vital), dos meios de que se dispõe para a satisfação daquelas necessidades e dos outros direitos, e das medidas que cheguem aos resultados desejados, mais o coeficiente de melhoramento. A concepção dele como direito público subjetivo evita: a) que se elimine a personalidade, o indivíduo, e, evitando-o, consegue-se que se ligue o futuro às revoluções passadas, à grega, à cristã, à francesa, à americana e à russa; b) que se desbarate a técnica do direito, adquirida durante os últimos séculos; c) e que se deixe à mercê dos dirigentes, a seu bel-prazer, a realização do direito à subsistência (p. 42) [...] O direito à subsistência nada tem com o salário; só se refere ao mínimo vital.244

Em outra quadra, estabelecendo um cotejo entre a dignidade da pessoa humana com a liberdade, destaca-se que aquela pode ser equiparada à fruição “do mais amplo sistema de liberdades iguais para todos”. Os direitos sociais e os direitos de participação política, neste sentido, não teriam um valor autônomo, porquanto não tutelam bens ou valores que são fins em si mesmos porque asseguram diretamente a dignidade humana ou o pleno desenvolvimento da personalidade do homem. Eles são, isto sim, instrumentalizados como

240 Entende-se adequado o termo eficacização do direito.

241 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós- modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), in: GRAU, Eros Roberto (coord); CUNHA, Sérgio Sérvulo da (coord). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 35-37.

242 A concepção do Acesso à Justiça como elemento instrumental da realização do mínimo existencial, núcleo

material elementar do princípio da dignidade da pessoa humana, vai ser fundamental para a compreensão das seções vindouras do presente estudo, em especial, para a defesa do caráter subjetivo do controle de constitucionalidade processado pela Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

243 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos

de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 62.

244 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Democracia, liberdade e igualdade: os três caminhos.

meios para atingir o único e verdadeiro fim da espécie humana: a liberdade humana – base do constitucionalismo e da democracia. 245

Por fim, tem-se com Ingo Sarlet, quando de sua busca em levantar conceito de dignidade da pessoa humana que, além de reunir a dupla perspectiva ontológica e instrumental, procure destacar a faceta intersubjetiva, relacionando simultaneamente as suas dimensões negativa (defensiva) e positiva (prestacional), a seguinte conclusão:

a dignidade da pessoa humana se refere a uma qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.246

Do expendido, só se pode atestar que o princípio da dignidade da pessoa humana tem o mote de garantir a liberdade dos indivíduos, bem como as condições mínimas para que estes desenvolvam a sua liberdade por meio de direitos subjetivos e objetivos carreados na Constituição. É nesse contexto, de defesa da liberdade do indivíduo e de condições mínimas para que este se desenvolva, que se apresenta a ADPF, instrumento mais do que adequado para tolher violações ao princípio da dignidade da pessoa humana, valor fundante do Estado brasileiro.

Outline

Documentos relacionados