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3 O PERCURSO LEGITIMATÓRIO DA PRÁXIS JUDICIAL: PRELIMINAR

3.2 O poder judiciário – garante dos direitos fundamentais

3.2.2 Limites e perspectivas à legitimação do Poder Judiciário

Levantada a função do Poder Judiciário, um garante dos direitos constitucionalmente assegurados, convém tracejar limites à desenvoltura da atividade desse Poder. No estado constitucional, destaca-se, os juízes são os únicos responsáveis por demarcar com clareza os limites de sua própria jurisdição, motivo pelo qual somente podem se socorrer de argumentos de natureza jurídica, uma vez que do ponto de vista político, não detêm legitimidade para conduzir as ações do governo. A representatividade eleitoral representa, então, importante fator de contenção judicial, fixando limites políticos ao decisiocismo judiciário.330

Em contraponto aos aspectos que retirariam a natureza democrática da criação do direito pelo Poder Judiciário, o fato de não existir eleição direta dos juízes pelo povo, a impossibilidade de controle direto das decisões judiciais pelos órgãos de representação popular e os efeitos inter partes do processo judicial, assacam-se as suas virtudes: a tutela de direitos fundamentais pela jurisdição constitucional, num reforço da legitimidade do Estado Democrático; a participação da jurisdição constitucional no diálogo público por seu caráter de responsável pela guarda da Constituição. Nessa atividade, o direito está constantemente sendo desenvolvido pela jurisdição; a abertura à cidadania do sistema constitucional brasileiro, com

328 Para entender essa concepção, vide subseção 2.3.1. e subseção 2.3.

329 Dentre tantos, em sentido diametralmente oposto ao aduzido nesta subseção, tem-se Martonio Mont´Alverde,

para quem o Poder Legislativo é o coração do mecanismo político em uma democracia. Ele é soberano diante dos demais poderes e a ele é incumbido o direcionamento do Estado. Assim, para Mont´Alverde, o embasamento numa pretensa “autoridade moral” do Supremo Tribunal Federal trás indiferença no que se refere à Constituição, principalmente, no que pertine à falta de implementação ou as dificuldades impostas por este Tribunal na interpretação da Constituição. Ele finda sua exposição por revelar o quão perigosa poderá ser a judicialização da política numa sociedade que procura o caminho da democracia como alternativa perene como a brasileira. Cf. LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. Judicialização da política e comissões parlamentares de inquérito: um problema da teoria constitucional da democracia. in: SCAFF, Fernando Facury (org.).

Constitucionalizando direitos: 15 anos da constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.

217-240. Todavia, em que interessantes as ponderações, destaca-se a possibilidade de o Poder Judiciário desenvolver seu mister na implementação e concretização da Constituição, desde que respeitados os limites aduzidos nas subseções posteriores e desde que atendidos os parâmetros fixados pela teoria da concretização constitucional.

suas instâncias de controle concentrado e difuso, a qual confere os aspectos essenciais a uma democracia deliberativa; a racionalidade das discussões e decisões públicas processada pelo Poder Judiciário, as quais atestam legitimidade a esse poder.331 É essa orientação à abertura

do controle jurisdicional difuso e concentrado que se defende como ponto nodal para a configuração da ADPF como instrumento de legitimação do Estado Democrático de Direito e implementação dos direitos fundamentais.

Outros questionamentos podem surgir, ademais, com relação à legitimidade das decisões judiciais, os quais podem ser refutados pela obrigação dos tribunais superiores e juízes publicarem e motivarem suas decisões, o que ocorre em todo o âmbito do judiciário. Essa perspectiva é reforçada, aliás, pela freqüente exposição a que estão sujeitos os magistrados. A isso se soma a possibilidade de as Cortes poderem verter decisões que expressem o sentimento do público, que não é capaz de encontrar uma “decidida” maioria em outro lugar. Explicando melhor: ao chegarem os pleitos que abranjam as minorias, as cortes têm maior possibilidade de ponderar os interesses dos envolvidos, coisa que é bem diversa do processo legislativo, onde, na maioria das vezes, prevalece a vontade da maioria, em descrédito da minoria, fortalecendo a concepção de uma democracia formal.332

Mais um ponto que sustenta a legitimação da criação jurisprudencial do direito é o fato de que o magistrado está sempre em contato com dados concretos, com a realidade circundante para proceder as adequações que o caso requer tanto em sede difusa ou concentrada de controle. A sua atividade é mais rápida, e, se adequada, pode atender os anseios da sociedade de maneira mais célere e eficaz do que o processo legislativo, sendo dotada, outrossim, da possibilidade de ir se aperfeiçoando com a aplicação experimental e experimentada do direito. Isso é bastante para demonstrar o caráter democrático da criação jurisdicional do direito.333

É dentro dessas perspectivas, em especial, a de guarda da constituição, que não se pode chegar a decisões judiciais fundadas exclusivamente em razões de ordem econômica e no equilíbrio fiscal, eis que as mesmas podem resultar na negação do valor justiça, donde se pode admitir o respaldo em fundamentos políticos e sociais em tais casos. Isso se destaca, em grande parte, com base na textura aberta dos valores e princípios constitucionais positivados,

331 Cf. MELLO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2004, p. 188-193.

332 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto

Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 99-101. 333 Cf. Idem, ibidem, p. 105-106.

os quais dão lastro a um mecanismo de defesa de um organismo sob ataque, o Estado. É essa abertura que permite ao judiciário, como instância de controle, a defesa de valores maiores carreados na Constituição Federal.

Nesse passo, quando da fixação desses comportamentos ativos pelo magistrado, buscando evitar o questionamento da legitimidade, o discurso da aplicação deve ser complementado pelo discurso da justificação. Devem ser justificadas todas as escolhas e valorações preconizadas pelo magistrado. Os juízes, neste contexto, assumem importante papel político quando impõem aos demais poderes da República limitações na execução de projetos de governo, fincados que estão na interpretação dos princípios e valores positivos vertidos pela Constituição Federal. A função do poder judiciário consiste, portanto, no controle da atividade dos demais Poderes, que se encontram vinculados aos ditames constitucionais previstos na Constituição e nas leis, tanto em relação ao seu conteúdo, quanto ao momento apropriado para a sua implementação. Todavia, os magistrados não possuem legitimidade para escolher, de maneira desvinculada, quais as orientações que o governo deve seguir, vez que para isso deveriam ser eleitos e ter mandatos fixos, decorrendo disto a sua responsabilização jurídica em caso de erro.334 Só a compostura do texto normativo é que vai

permitir ou não uma maior criatividade ou não na determinação da norma concreta, ou até mesmo geral, por parte dos agentes do Poder Judiciário.

Na motivação das decisões judiciais, em complemento, devem estar presentes três manifestações de controle de nossa sociedade, o sentimento, a idéia e a força. A sua influência será cada vez mais acentuada quando a norma estiver em consonância com o sentimento de justiça e com a idéia cientificamente adequada que se instrumentaliza na força estatal, tudo situado em um dado momento histórico.335 São esses limites e ponderações que se impõem

como essenciais à legitimação das decisões judiciais, motivo pelo qual, em não os atendendo, deslegitimada e injustificada será a prática da função jurisdicional.

334 Cf. APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005, p. 69-72.

335 Cf. SOUTO, Cláudio; SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 3 ed. rev. e aumentada, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 2003, p. 295, Cap. 12.

3.2.3 A função criativa dos tribunais e dos juízes na concretização dos direitos

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