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As interlocutoras uma apresentação geral

Capítulo 2 – A pesquisa de campo e seus percursos

2.2 As interlocutoras uma apresentação geral

Aqui procuro descrever minhas interlocutoras de maneira geral, apontando suas principais características, modos de vida e aspectos particulares de suas trajetórias considerados relevantes para a discussão deste trabalho. Deixo a análise mais profunda das biografias individuais reservada ao capítulo quatro desta tese.

Moradoras de Bancários

Dona Ana, 68 anos, viúva aos 36, possui 4 filhos adultos e é pensionista. Mora em um apartamento próprio de três quartos em Bancários, com a filha mais velha, recentemente separada, e que é construtora, o filho mais novo solteiro e músico, e uma neta, estudante de direito. Dona Ana frequenta assiduamente a praça da paz, onde faz caminhadas e outras atividades físicas. A praça também se constitui para ela em espaço de lazer e encontro com suas amigas do bairro. Dona Ana também realiza habitualmente passeios com seu grupo de amigas de umas das Igrejas Católicas do bairro e participa de festas periódicas nas diversas datas comemorativas do nosso calendário: Carnaval, Semana Santa, São João, Natal, entre outras. Suas narrativas são marcadas pela dedicação à família ao longo de sua vida, e pela transformação em suas relações familiares ao desenvolver uma sociabilidade “extra familiar”. Apresenta a organização social do bairro de Bancários, como elemento fundamental no desenvolvimento de uma “vida própria” nesta fase atual de sua vida. Reconhece a chegada da velhice, no entanto adota um estilo de vida baseado nos cuidados do corpo, da mente, e na manutenção de atividades sociais que contribuam para uma vida ativa e prazerosa, seu projeto atual de vida é viver tudo o que não pode fazer em outros momentos. Vaidosa, cuida da manutenção da saúde do corpo com exercícios, e cuidados médicos. Viajar e sair

com as amigas e a família são suas atividades preferidas e organizadas sempre que possível.

Dona Vera tem 66 anos, é casada e mora com o esposo em uma ampla casa em Bancários. É professora polivalente aposentada da prefeitura de João Pessoa e seu esposo militar, também aposentado. Considera-se ‘velha’, é contra a idéia de que mulheres de sua idade queiram “andar feitas mocinhas”, acredita que cada fase da vida tem suas características, e que cada pessoa tem que assumir a idade que possui, sem fantasiar ou mascarar a realidade. Orgulha-se de sua idade e valoriza o fato de ter chegado a ela com a saúde e disposição. Seus relatos são marcados pela habilidade em ter conciliado uma vida profissional, construída com empenho, e a vida familiar, especialmente marcada pela ausência do esposo quando de suas transferências à outras cidades do país no serviço militar. Dona Vera registra em seus relatos escolhas individualizadas, ao privilegiar sua própria carreira profissional, ao invés de acompanhar a carreira do esposo de perto, ainda que tenha tido que assumir sozinha os cuidados dos três filhos quando crianças e adolescentes.

Dona Maria, 67 anos. É solteira e funcionária pública aposentada. Formada em geografia, trabalhou como assistente administrativo no INSS. Mora com um filho de criação de 25 anos em um apartamento em Bancários. Suas narrativas são marcadas pela religiosidade e pelas transformações nos papéis sociais dos membros da família e nas relações geracionais. Ao tratar de sua relação com seu filho dona Maria lança mão de suas memórias, do tempo de sua juventude e de sua relação com seus pais e aponta inúmeras transformações nos comportamentos dos diversos integrantes da família. A questão da individualização em suas narrativas surgem associadas as transformações de seus valores ao longo de suas trajetórias em especial no confronto com os valores de seu filho.

Dona Selma, formada em letras pela UFPB, trabalhou 30 anos como professora de português, atualmente é aposentada do Estado e da prefeitura de João Pessoa/PB. Vive com uma renda mensal de três mil e quinhentos reais. Mãe de dois filhos, um rapaz de 28 anos e uma moça, casada, de 30 anos. Dona Selma cria um neto de 5 anos, filho do seu filho, a quem dedica parte de seu tempo. Mora em um apartamento próprio em Bancários, e tinha no período da pesquisa 65 anos de idade. É separada há 20 anos. Seus relatos de vida foram marcados pelos problemas conjugais, pelo evento da separação, e pela valorização da autonomia

adquirida com ela. As questões de sua formação e atuação profissional surgem como motor de sua individualização e como elementos que lhe proporcionaram a possibilidade de escolher caminhos alternativos, a uma vida conjugal infeliz, como por exemplo, “viver só”, sem outro companheiro. Seu relatos também são marcados pela decisão de assumir a criação do neto após a aposentadoria, decisão essa que alterou seus planos de viver nesta fase atual uma vida voltada para si.

Dona Rosa, 70 anos, é casada pela segunda vez. Mora com o esposo, com quem vive há 18 anos em uma casa em Bancários. É formada em enfermagem, atuou como em enfermeira e como servidora pública do SUS. Sua renda estava em torno de quatro mil e quinhentos reais. Dona Rosa possui dois filhos, um mora nos Estados Unidos, e ela o visita anualmente há dez anos. Sua filha mais velha é casada e também mora em Bancários, ela possui 2 filhos. Bastante religiosa dona Rosa participa ativamente de atividades religiosas e administrativas da igreja da qual é membro em Bancários. Os processos de individualização registrados em seus relatos estão associados a sua autonomia financeira, à opção por um segundo casamento centrado na autonomia dos cônjuges e no envolvimento com a igreja e com os grupos de terceira idade.

Rita, recentemente separada, também traz em suas narrativas as questões relativas a separação e aos dilemas da “vida conjugal fracassada”. Possui 62 anos, e mora num apartamento bem equipado com dois filhos, estudantes de engenharia civil da UFPB. Rita, aposentada do DNOCS há 20 anos, possui um rendimento de aproximadamente sete mil reais, é formada em Economia e atuou na área administrativa daquele órgão desde os doze anos de idade, quando ainda morava em sua cidade de origem no interior do Ceará. Sua biografia coloca em discussão as tendências mostradas em algumas pesquisas de que as mulheres dos segmentos médios e altos são mais individualizadas do que as mulheres do segmento popular. Em seus relatos de vida, Rita, destaca as contradições da individualização feminina no Brasil, coloca os valores familiares acima dos valores individuais, registra a força da vida familiar e dos valores ensinados por seus pais, como elementos norteadores de suas ações nesta fase de sua vida.

Penha, aposentada do INSS e ainda em atividade no Estado, onde atua como professora do ensino fundamental possui 63 anos, e mora em Bancários há trinta anos. É casada e possui dois filhos, um casado, que mora num apartamento no mesmo andar do seu e uma filha solteira formada em Turismo, que ainda mora

em casa. A biografia de Penha traz à discussão as contradições e ambivalências dos processos femininos de individualização. Enquanto para a maioria das senhoras a vida matrimonial trouxe impedimentos aos seus processos de individualização, no caso de Penha, o casamento trouxe maior liberdade de ação e maior possibilidade de individualizar-se. Corroborando com a ideia de que os processos de individualização não significam uma lógica de ação linear. No entanto sua trajetória também nos informa que ao passo que ganha-se autonomia, “liberta-se” de algumas regulações “tradicionais” como a família, outras novas exigências e controles entram em atividade na vida dos indivíduos através da educação, do mercado de trabalho, da mídia, da legislação e demais instituições modernas.

Moradoras do Timbó

Dona Ciça nasceu em 1945, no interior da Paraíba, mora em uma pequena casa de dois cômodos, juntamente com sua filha, seu filho e quatro netos, filhos de sua filha. “Encostada” pelo INSS, dona Ciça recebe mensalmente a quantia de um salário mínimo. Trabalhou como doméstica os últimos 30 anos em casas de famílias em Bancários, com as quais ainda mantêm relações. Sua filha trabalha como faxineira e faz um curso técnico em enfermagem à noite. Apesar de parecer muito frágil, dona Ciça cuida dos quatro netos diariamente para que sua filha possa trabalhar. Sua biografia é marcada pela violência que sofria de seu companheiro, pai de seus filhos. E pela luta que empreendeu por independência e mudança de vida. Sua narrativa traz a tônica do investimento na realização profissional da filha, evidenciando a solidariedade intergeracional feminina como elemento de individualização.

Dona Val, 65 anos, reside em uma casa de chão de barro, bastante precária e insalubre, construída por ela mesma há 20 anos. Aposentada no final de 2010, pelo INSS, dona Val recebe um salário mínimo mensal. Trabalhou os últimos 30 anos como doméstica, e sempre foi a mantenedora de seu lar. Mora com uma filha, que trabalha com coleta de recicláveis, dois netos e uma bisneta. Faz trabalhos manuais para “matar” o tempo. Tendo sido “criada” segundo modelos tradicionais de separação entre os sexos, segundo o qual aos homens cabia a provisão financeira da família e às mulheres os cuidados com a casa e os filhos, Dona Val traz em suas

narrativas a questão das mudanças desses papéis entre homens e mulheres. Suas narrativas são marcadas pela condição de ser “chefe de família”, assumindo papéis que segundo ela mesma são papéis masculinos. A questão de gênero se faz presente em suas narrativas, e traz para dentro da discussão da individualização feminina as transformações dos papéis sociais.

Dona Cida, Mãe de 10 filhos, e avó de 17 netos, mora em casa própria, de cinco cômodos, bastante ventilada e agradável no Timbó, juntamente com uma de suas filhas, que trabalha como doméstica, e o esposo dela. Nunca tendo estudado, dona Cida voltou à sala de aula para se alfabetizar, faz projetos para

conseguir ler antes dos 65 anos22. Separada há aproximadamente 30 anos, recebe

pensão do ex marido no valor de R$ 400,00 para despesas pessoais. As despesas da casa são dividas entre ele (o ex marido de dona Cida), uma de suas filhas e o genro. Uma de suas preocupações fundamentais é manter-se jovem. Apesar dos parcos recursos, dona Cida investe frequentemente em cosméticos, roupas e adereços femininos ‘juvenis’. Suas narrativas trazem à tona a discussão sobre o apagamento das fronteiras entre juventude, vida adulta e velhice. Através da qual a disjunção entre estágios de maturidade e idade cronológica se faz presente, fazendo da experiência da velhice uma responsabilidade individual.

Dona Geralda, viúva há 10 anos, é pensionista do INSS. Não tendo filhos, dona Geralda mora sozinha em uma casa de 5 cômodos no Timbó há 30 anos. Suas experiências de trabalho variaram entre o trabalho no campo e o trabalho como doméstica. Aos 69 anos sua narrativa de vida traz as temáticas da solidão na velhice, e das estratégias para superá-la. Esse processo de superação traz a discussão sobre como os agentes da terceira idade tem inserido os pobres nesse modelo de envelhecimento.

Dona Elza, 65 anos, casada há 30 anos, tem 10 filhos e mora em uma casa de 5 cômodos no Timbó juntamente com seu esposo, 3 filhos e 2 netos. Sua biografia reflete os impedimentos na construção de “uma vida própria”, trazidos pela baixa escolaridade, pela maternidade e pelos poucos recursos para os cuidados dos filhos.

Dona Nevinha 64 anos, mora com os filhos e uma neta no Timbó. Religiosa, frequenta uma igreja Católica quase todos os dias da semana. A

22

Dona Cida nasceu em 21/11/1946. Atualmente tem 64 anos.

sociabilidade desenvolvida na igreja é segundo ela elemento fundamental para sua satisfação. A temática da individualização em suas narrativas surge associada à religiosidade e a incorporação dos ideários da terceira idade as doutrinas religiosas.