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A estilização da vida doméstica: os espaços e rotinas domésticas das idosas de

Capítulo 3 – Cenários Os espaços da pesquisa suas caracterizações e

3.3 A estilização da vida doméstica: os espaços e rotinas domésticas das idosas de

“A sociedade estava “em transição”. O mesmo acontecia com as maneiras”. (Elias, 1994 b, p.83). Neste trecho de seu Processo Civilizador Elias no informa sobre um dos aspectos de mudança da transição da vida tradicional para a moderna, trata-se das mudanças nos “modos de ser e de se expressar das pessoas”. A complexidade das sociedades modernas impulsionou os processos de diferenciação social, e fomentou a pluralidade de gostos e preferências e dos estilos de vida. Vários autores já destacados anteriormente neste trabalho, entre eles Giddens (1995, 2002), Beck (2010), Mike Featherstone(1995), por exemplo, tem analisado as práticas sociais que revelam as distinções entre as pessoas, grupos, segmentos, enquanto estilos de vida, levando em consideração tanto fatores de ordem econômica quanto elementos de ordem simbólica. Featherstone (1995) elabora uma reflexão sobre estilos de vida no âmbito das sociedades de consumo. Beck e Beck-Gernshein(2003) analisam a adoção de determinado estilo de vida no processo de individualização e diferenciação definido, em última instância, pelas regras da sociedade de risco.

Em alguma medida estes autores dialogam com as perspectivas de Bourdieu(2003), quando este autor define estilo de vida, como “retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência” (BOURDIEU, 2003.p.90). Segundo Bourdieu, através das condições de existência, não somente econômicas e materiais, mas também através das especificidades dos gostos e das preferências por determinados bens culturais é possível evidenciar as diferentes posições ocupadas pelos indivíduos nos espaços sociais. O sistema de gostos e preferências de cada indivíduo, de acordo com Bourdieu, compõe o habitus, “sistema de esquemas inconscientes ou profundamente internalizados” (BOURDIEU, 2001, p.346). Que por sua vez variam continuamente e especialmente entre os diferentes segmentos sociais.

Nesta sessão procuro elaborar uma descrição das condições materiais das senhoras participantes da pesquisa, mas ao mesmo tempo também procuro destacar elementos, expressões de ordem simbólica, ou como diria Bourdieu(1974), marcas de distinção que designam gostos, preferências e estilos de vida específicos. Esta sessão foi construída a partir das observações realizadas nas residências de minhas interlocutoras não somente quando ia realizar as entrevistas mas especialmente quando “me convidava” ou era convidada a visitá-las.

Tendo em vista as considerações de Featherstone (1995), para quem numa sociedade de consumo, as mercadorias ou bens culturais consumidos correspondem não somente a valores de utilidade, mas especialmente a instrumentos de comunicação, de signos, que designam estilos de vida, ou como ele mesmo observa:

Conota individualidade, auto expressão, e uma consciência de si estilizada. O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências de comida e de bebida, a casa, o carro, a opção de férias etc., de uma pessoa são vistos como indicadores de uma individualidade, do gosto e de seu estilo do proprietário/consumidor (FEATHERSTONE,1995.p.119)

Procurei, no universo doméstico das senhoras participantes, ensaiar uma etnografia de suas residências, de seus hábitos domésticos, destacando suas particularidades de gostos e estilos. Compreendendo também conforme nos informa Douglas (2006, p. 114) que “os bens são a parte visível da cultura”.

O tipo de habitação mais comum das mulheres do bairro de Bancários é o

de apartamento, com tamanho médio de 90 m2, com divisões bem aproximadas: três

quartos, sendo uma suíte, sala para dois ambientes (estar e jantar), cozinha e área de serviços, banheiro social e varanda. Apenas duas senhoras, do bairro de Bancários propriamente dito, dona Vera e dona Rosa, residem em casa. Suas residências possuem, além dos cômodos citados acima, jardins, terraço, que também funciona como garagem, e um amplo quintal. Que no caso da casa de dona Rosa, se constitui num verdadeiro pomar, ao qual ela dedica suas primeiras horas do dia à limpeza e à irrigação de diversas espécies.

Observei que no geral dessas residências a suíte, o melhor quarto, é ocupado pelas senhoras, salvo no caso de Rita, que utiliza o quarto reversível do

seu apartamento. Segundo ela, ocupar aquele quarto foi uma opção sua, tendo em vista que seus filhos costumam receber as namoradas em casa e por isso precisam de maior privacidade. Já dona Selma, assim como dona Maria, Penha e Ana, que também moram com filhos adultos e são solteiras, a escolha pela suíte, se relaciona especialmente com a questão de privilegiar para si, dentro de “suas casas”, maior conforto e privacidade.

A mobília em geral das residências em Bancários é formada por móveis novos, alguns deles projetados, ou seja, elaborados de forma personalizada, segundo os gostos, o conceito do ambiente que se pretende organizar. Somente nas casas de dona Vera e dona Rosa, os móveis das salas e da cozinha são antigos e segundo elas foram comprados há mais de trinta anos. São móveis mais tradicionais, e segundo dona Vera, mais imponentes. Por serem de “madeira de lei”, se distinguem enfaticamente dos móveis populares.

Nestas residências as salas contêm sofás de três e dois lugares, estantes ou móveis menores onde são dispostos equipamentos eletrônicos, como TV, DVD, Som, e alguns objetos de decoração e fotografias. Na casa de Selma, no entanto, essa organização não é verificada, os sofás dividem espaço com os brinquedos de seu neto, ali todo o ambiente é inclusive organizado com a intenção de criar espaço para suas brincadeiras. No caso das residências de dona Vera, Penha e dona Rosa, a distribuição dos cômodos prevê ainda um espaço para os netos, ou outros familiares que costuma visitá-las com frequência.

No caso de dona Rosa e dona Maria chama atenção a quantidade de objetos religiosos de decoração, são porcelanas pintadas com imagens, santos, quadros com dizeres bíblicos, bibelôs e objetos de artes sacra comprados em outras

regiões do país e do exterior37. As fotografias também se constituem em ornamentos

privilegiados nas residências das mulheres de Bancários, fotografias dos filhos, e netos são dispostos em vários ambientes das casas, e são usados, como também observou Lins de Barros (1986), para valorizar a família.

As cozinhas parecem ser um dos lugares mais utilizados das residências. Em todas as minhas visitas a estas senhoras sempre precisei me direcionar à cozinha, fosse para tomar um café, ou para acompanhá-las em suas tarefas domésticas. Entre todas as senhoras de Bancários apenas dona Maria não costuma

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Ver apêndice 7

cozinhar diariamente, ela possui uma empregada doméstica que realiza todas as tarefas da casa. As demais contratam eventualmente os serviços de faxineiras. Segundo essas mulheres as atividades com a casa e em especial com as refeições da família, são consideradas bons passatempos. Pude observar que as senhoras preferem não contratar nenhum serviço doméstico diário, não somente por questões de economia financeira, mas também para que elas possam ter “o que fazer”, e com isso se manterem também ativas dentro de casa.

Dona Vera: Eu até que poderia colocar alguém que me ajudasse,

mas se eu fizer isso, ou não vou ter nada pra fazer em casa. É bom ter o que fazer em casa, não assim o dia todo, com aquela loucura de horários e tal. Mas pra mim é tranquilo, concilio tudo o que eu quero fazer fora de casa com minhas coisas aqui.

Dona Ana: Aqui todo mundo ajuda, eu fico com a cozinha, eu gosto

de cozinhar. Todo dia faço uma coisa. Quando eu não tô afim, não faço. Mas isso é raro, quando tenho algum passeio, alguma coisa pra resolver, ou as meninas assumem, ou elas pedem marmita.

Quanto a presença de animais domésticos de estimação, dona Ana e dona Vera possuem cachorros. Dona Ana possui dois animais de pequeno porte, e os trata como as “crianças da casa”. Costuma banhá-los em dias alternados, leva-os para passear na praça diariamente, e refere-se a eles como bons companheiros. Já dona Vera possui um único cão, a intenção de possuí-lo relaciona-se mais com questões de segurança.

Quanto as atividades cotidianas dessas senhoras, pude constatar algumas variações. Dona Ana e Rita costumam sair de casa as cinco da manhã para fazerem suas caminhadas e retornam aproximadamente as oito horas. Penha sai para trabalhar as sete horas e retorna as onze horas. Salvo para Penha entre as mulheres de Bancários as manhãs dos dias da semana são prioritariamente dedicadas aos serviços da casa. Eventualmente saem nesses horários. Isso ocorre especialmente em dias de médicos, ou de feira, ou para ir ao comércio. Aos sábados organizam passeios e visitas aos familiares ou a amigos. E aos domingos costumam ir às igrejas. Suas tardes da semana geralmente são ocupadas com reuniões das igrejas, cursos de pintura e costura, artesanatos, assistência a familiares - no caso de Vera especialmente que é responsável pelo transporte dos netos, para cursos e atividades esportivas. Também costumam ir aos médicos, dentistas, fazer compras e ir a salões de beleza nesses horários.

Nos horários noturnos em dias de semana geralmente estão em casa, a leitura, os filmes e em menor proporção as novelas são os passatempos preferidos nesses horários. Rita e Penha costumam ainda praticar Pilates à noite. Trata-se de uma recente modalidade de fisioterapia, que contribui para o fortalecimento muscular e melhora da postura. Constitui-se numa despesa extra no orçamento dessas senhoras, pois não possui cobertura nos planos de saúde. Entre as senhoras de Bancários saídas à noite para fins de lazer ocorre geralmente em companhia de familiares e de amigos próximos. Isso somente foi verificado em datas comemorativas geralmente nas igrejas, em épocas de confraternizações ou quando são convidadas a aniversários ou casamentos.

Nas oportunidades de observação o consumo de alimentos, roupas, acessórios, assim como artigos de beleza como maquiagens, cremes entre outros também mereceu atenção. Entre as mulheres de Bancários ficou evidente um cuidado especial com os alimentos. Além dos alimentos comumente utilizados na mesa brasileira, parte significativa de suas rendas é direcionada para o investimento em “alimentação saudável”. São comuns em suas cestas alimentícias os alimentos orgânicos, diet e light, além das famosas farinhas de “grãos e sementes nobres” como: Linhaça e Quinoa e de peixes ricos em ômega 3 como Atum e Salmão.

O cuidado com a casa despende também neste grupo considerável investimento ao longo do ano. A pintura da casa, a reposição de objetos danificados, a compra de novos equipamentos como máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar louças, assim como de eletro eletrônicos como Tvs, micro-ondas, entre outros fazem parte recorrentemente das programações do gastos nos orçamentos deste grupo.

Quanto as suas roupas para uso cotidiano, geralmente costumam comprá-las em lojas de departamentos. No entanto, também investem, com menos regularidade em “roupas de marca”. Os produtos de beleza não são artigos consumidos com regularidade por todas as senhoras, apenas dona Ana, Terezinha e Rita, costumam utilizá-los diariamente. Mas entre elas não faltaram os bloqueadores solares, e cremes anti envelhecimento e maquiagens.

Parte do orçamento doméstico de algumas mulheres também é reservado para viagens e passeios. Dona Rosa, por exemplo, viaja anualmente para os Estados Unidos, dona Ana também costuma viajar nas férias para visitar seus filhos em Roraima, Penha costuma visitar seus familiares no interior da Paraíba, assim

como também dona Vera, geralmente nos períodos dos festivos juninos. Rita viaja para Fortaleza, para fazer compras nos finais de ano e aproveita para visitar familiares.

Tais hábitos de consumo podem ser aqui tomados como indicadores do pertencimento dessas mulheres aos segmentos médios, pois demandam um nível de renda superior aos de camadas populares e representam categorias de produtos envolvidos por um conjunto de aspectos simbólicos que se associam aqueles segmentos. (VELHO, 2008).

As participantes da pesquisa residentes no Timbó habitam em casas. Nestas a distribuição dos cômodos e organização interna assim como as condições materiais dos objetos variaram bastante. Enquanto na casa de dona Cida, dona Geralda e dona Nevinha há três quartos, uma sala, uma cozinha com copa, e um banheiro interno. Na casa de Elza e de dona Val há uma sala, dois quartos uma cozinha e um banheiro interno, e na casa de dona Ciça essa disposição é alterada pois há apenas a sala e a cozinha, que também funciona como quarto e o banheiro é exterior a casa.

As casas de dona Cida, dona Geralda e dona Nevinha possuem piso de cerâmica e revestimentos nos banheiros, e na cozinha, os quartos possuem portas. As mobílias dessas casas se aproximaram bastante, nas salas há sofás, TV, e som, na copa há uma mesa de jantar, assim como os utensílios de cozinha. Nos quartos de dona Cida e dona Geralda há uma cama de casal, um armário grande. Além disso, dona Cida possui em seu quarto uma TV, e um som.

Assim como nas residências das mulheres de Bancários, no Timbó também pude observar em menor quantidade a presença de fotografias de familiares como objetos de decoração. Alguns bibelôs, vasos de flores artificiais são utilizados como decoração especialmente nas casas de dona Geralda, dona Cida, Elza e dona Nevinha.

Já na casa de dona Ciça não há quartos propriamente ditos, seus netos e sua filha dormem na sala e ela na cozinha. Apesar do pouco espaço existente tudo ali me pareceu organizado. Tal impressão não aconteceu na casa de dona Val, a falta de estrutura em sua casa me pareceu maior. As refeições são muitas vezes cozidas a fogão de lenha, no chão de barro da cozinha. No banheiro não há descarga, e uma fossa a céu aberto se acumula na porta dos fundos da casa, provocando acúmulo de insetos e muito mau cheiro. A casa também funciona como

galpão para materiais de coleta de recicláveis, esses materiais se espalham por toda casa.

Entre as senhoras do Timbó apenas Elza e Nevinha são casadas. Além de seus esposos estas senhoras dividem os espaços de suas casas com mais dois filhos e dois netos. Dona Geralda mora sozinha. Dona Maria, mora junto com uma de suas filhas que é casada e dois netos. Dona Ciça e Val também residem juntamente com seus filhos e netos.

No Timbó são as senhoras as pessoas responsáveis pela administração de suas casas. Dona Cida costuma levantar cedo para fazer almoço e “cuidar da casa”. Dona Geralda conta com a ajuda de uma de suas vizinhas, “criada por ela”, nos afazeres domésticos. Dona Ciça, além de cuidar das refeições e da casa, todos os dias toma conta de seus netos e os leva ao colégio, assim como também ocorre com Elza. Dona Nevinha costuma realizar “suas obrigações de casa” pela manhã, pois costuma ir à igreja todas as tardes.

Quando não há nenhuma atividade programada, é comum entre as mulheres do Timbó a reserva de um momento de descanso após o almoço. Costumam dormir até as 15 horas. Após as 16 horas costumam sentar-se nas portas de casa para conversar com a vizinhança. Nos horários da noite, apenas dona Geralda e dona Cida saem de casa para ir à escola. Ambas estão em processo de alfabetização acompanhadas por uma equipe de educadores de uma das escolas municipais localizada no bairro que instalou um anexo na comunidade para atender preferencialmente aos idosos, tendo em vista a dificuldade de locomoção dessa população naquele espaço pouco urbanizado. As novelas ocupam prioritariamente as noites das senhoras do Timbó, seus capítulos se constituem em assuntos privilegiados nas rodas de conversa da vizinhança.

Nas terças feiras e quintas feiras à tarde dona Geralda frequenta as reuniões de um grupo de idosos organizadas por uma das faculdades de saúde da cidade. Lá ela assiste a filmes, a palestras, faz exercícios, participa de jogos e de atividades lúdicas.

Nos finais de semana, dona Cida e dona Geralda costumam visitar seus familiares em cidades próximas a João Pessoa. Dona Ciça frequenta a casa de suas ex patroas geralmente aos domingos. A prática das visitas como bem mostrou Cabral, “corresponde às antigas tradições, cultivadas desde a época colonial, e é preservada no meio rural e nas classes populares. É o momento ritual do encontro,

da troca de notícias, das aberturas para os problemas, para demonstração de amizade e consideração.” (CABRAL, 2002, p.109).

Dona Nevinha e Elza dividem o tempo dos finais de semana entre suas atividades domésticas e as organizadas pelas igrejas que frequentam. Dona Val quase nunca sai de casa, seu lazer é resumido as conversas com na calçada de casa e aos trabalhos artesanais com plásticos reciclados.

Com relação ao consumo entre as mulheres do Timbó pude observar que todas elas em menor ou maior grau disponibilizam parte de suas rendas para o consumo próprio. Ou seja, nem tudo o que é recebido é direcionado para a manutenção da família. Dona Ciça e dona Val, apesar de possuir maior responsabilidade com a manutenção financeira da casa - o que se concentra fundamentalmente nas despesas de alimentação, gás, água e luz - também reservam parte de seus recursos para comprar “coisinhas” como brincos, batom, esmaltes, entre outros produtos de baixos custos associados ao segmento feminino. Neste grupo Dona Cida apresentou maior poder aquisitivo e disposição para o consumo próprio. Em todos os meses que a acompanhei parte de sua renda foi direcionada, segundo ela, para compra de roupas, sapatos, acessórios, assim como para a reposição de produtos de higiene voltados ao mercado feminino como tintura para os cabelos, shampoo e condicionador, desodorantes corporais, cremes hidratantes para os cabelos e para o corpo.

Tais observações em campo foram tomadas neste trabalho como observações de práticas rotinizadas incorporadas nos hábitos de cada senhora e se demonstraram como potencialmente variáveis pois se desenvolvem em função da ação reflexiva de cada uma delas, podendo ser influenciadas tanto pelas interações que as mulheres estabelecem com seus outros significativos e demais pessoas como pela mídia. Estas práticas expressam decisões e escolhas diárias que podem ser elaboradas a partir de campos de possibilidades circunscritos histórico e culturalmente (VELHO,1999). Segundo este autor, os indivíduos das camadas médias urbanas possuem mais condições materiais e simbólicas de realizar escolhas, porque possuem um campo de manobra mais amplo. Esta perspectiva também foi observada na pesquisa de campo, no entanto, isso não significa que as mulheres do segmento popular não possuem possibilidades de escolhas, antes verificou-se que elas inventam passatempos e estratégias diárias de vida que

também se apresentam como opções próprias, designadas pelo eu e baseadas na auto realização.