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As memórias sobre as práticas de oralidade

Abordagem da oralidade na formação inicial de profissionais da educação: um estudo num segundo ciclo profissionalizante de Bolonha em Portugal

B) As memórias sobre as práticas de oralidade

Incluímos, no questionário, perguntas que se voltavam para o resgate das práticas de oralidade vivenciadas pelas estudantes à época em que cursavam o Ensino Básico (Questões 18 e 19), por considerarmos a importância das memórias para o processo de formação dos professores. Segundo Freitas (2007, p. 42), “a formação experiencial descreve os processos que afetam as nossas identidades, indicando caminhos para que o sujeito em processo de formação oriente, com lucidez, sua própria aprendizagem como suporte eficaz de transformações”. As histórias de vida, de que fazem parte as vivências escolares, ajudam na construção de paradigmas no processo de formação do professor.

A fim de compreendermos as representações iniciais das estudantes sobre o ensino da oralidade, resgatamos, portanto, as práticas pedagógicas utilizadas por seus professores de Português e a frequência com que eram realizadas, resumidas no quadro abaixo:

Práticas pedagógicas/Frequência Nunca Poucas

vezes Algumas vezes Muitas vezes

Conversa com o colega A2 A3, A4 A1

Participação em diálogos/debates A4 A2, A3 A1

Apresentação oral de trabalhos A3 A4 A1, A2

Leitura em voz alta A1, A3, A4 A2

Reflexão sobre gestos e expressões faciais A2, A4 A1, A3

Interpretação de textos orais A1, A2, A3,

A4

Outros - - - -

Quadro 6 – Memórias de práticas escolares de oralidade

As informações dadas pelas inquiridas seguem, em parte, o indicado pela litera- tura, ao referir que as práticas de oralidade na escola são poucas e, quando existen- tes, muitas vezes são focadas na leitura em voz alta, na conversa com o colega e na emissão de opinião (Antunes, 2003; Marcuschi, 2001a, 2001b; Núñez Delgado, 2002). Acrescentaríamos a essa lista, a apresentação oral de trabalhos (os seminários), prática frequente em todas as disciplinas curriculares e em eventos escolares (feira de ciências, feira do conhecimento, culminância, etc.).

Como pode ser observado, a conversa com o colega, muitas vezes presente em manuais didáticos, só foi realizada numa grande quantidade por A1. As demais estu- dantes afirmaram que nunca (A2) ou poucas vezes (A3 e A4) tinham vivenciado essa experiência. A emissão de opinião através de diálogos/debates também só foi prática recorrente para A1. Já em relação à apresentação oral de trabalhos, A3 nunca tinha feito, A4 tinha feito algumas vezes e A1 e A2, muitas vezes. A leitura em voz alta foi algumas vezes atividade das professoras de A1, A3 e A4 e muitas vezes das de A3.

Ressaltamos que essas são as práticas de oralidade mais comuns na escola. Dependendo da forma como são conduzidas, podem vir a desenvolver competências importantes da oralidade ou não.

No entanto, os dados que mais nos chamam atenção estão nas três últimas linhas da tabela.

Segundo as nossas inquiridas, a interpretação de textos orais foi realizada al- gumas vezes pelas suas professoras. Neste caso, destacamos que, ou este é um dado que foge ao que está posto na literatura pesquisada sobre o ensino da oralidade, ou as estudantes confundiram com a interpretação oral de textos escritos. Em função do instrumento de coleta, não podemos assegurar qual (ou quais) dessas hipóteses foi (ou foram) contempladas.

Por outro lado, a reflexão sobre gestos e expressões faciais, elementos essenciais da comunicação oral, nunca teria sido promovida pelos professores de A2 e A4 e poucas vezes pelas de A1 e A3. Uma hipótese que levantamos para isso é o fato de que, apesar dos professores fazerem alguns trabalhos com a modalidade oral da língua, talvez eles não fossem planejados com o objetivo de desenvolverem competências e habilidades específicas das interações orais. Por exemplo, as atividades de leitura em voz alta podem ter sido realizadas para ‘treinar’ o processo de decodificação como forma de apropriação do sistema alfabético de escrita. Os debates podem ter sido vivenciados como forma de preparação para uma atividade de produção escrita sem objetivos de ensinar o aluno a interagir neste gênero textual (qual a funcionalidade do gênero, como se estrutura, quais os papeis dos participantes e como ocupá-los, etc.).

Também é importante o fato de nenhuma participante do estudo ter mencionado outras atividades, para além das referidas no enunciado da Questão 18. A produção de textos orais, sobretudo os da fala formal, ficou restrita à apresentação oral das conclusões de trabalhos e ao debate. Não foi mencionado o trabalho com entrevis- ta, notícia, júri simulado e com gêneros de tradição oral como a cantiga de roda, os ditados populares, ou, ainda, as oralizações mais recorrentes como a dramatização de textos teatrais e a realização de jograis e saraus poéticos. Não podemos, contudo, afirmar se não houve práticas dessa natureza, ou se as inquiridas não lembraram por não serem comuns ou mesmo por não as associarem ao trabalho com a oralidade ou com a relação fala-escrita.

Além de investigar a quantidade de práticas de oralidade na escola, também nos voltamos para a forma como eram conduzidas pelos professores (Questionário – Ques- tão 19). Para isso, perguntamos como era realizada a apresentação oral de trabalhos. Foi informado que ocorria em função da leitura de obras literárias (A1 e A4) e com uso de suporte digital (A1 e A2). É de destacar que nenhuma participante mencionou o trabalho prévio de preparação da atividade, conduzido pelo professor, ou mesmo posterior, relacionado com a avaliação do desempenho dos alunos, tendo em conta o conteúdo da apresentação oral, mas também a postura de quem estava a apresentar e

da audiência. Inclusive, apenas A1 mencionou ‘parâmetros’: “O trabalho era realizado individualmente, por exemplo, leitura de um livro. Depois existiam certos parâmetros que deviam ser falados sobre o livro e cada aluno preparava a apresentação da forma que queria, o que falava, se usava suporte digital, etc.”

No entanto, os parâmetros apresentados estão focados em aspectos do conteúdo a ser apresentado e não no gênero oral em si. É devido à falta de reflexão pontual sobre o gênero que muitos alunos, por exemplo, memorizam o texto a ser apresentado, têm dificuldade em fazer uso adequado do suporte (por exemplo, selecionar as informações que colocarão na apresentação) ou não conseguem concentrar-se na apresentação do colega até que a sua aconteça.