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Cruzamento dos resultados

Abordagem da oralidade na formação inicial de profissionais da educação: um estudo num segundo ciclo profissionalizante de Bolonha em Portugal

B) Focadas na implementação do módulo sobre a interação oralidade-leitura-escrita

3.4.6. Cruzamento dos resultados

Ao compararmos as representações iniciais das estudantes sobre a oralidade e sobre a didática da oralidade com as suas representações finais sobre os mesmos tó- picos, pudemos perceber a ampliação da sua visão.

No que toca à oralidade, elas passaram a vislumbrar a fala como uma modalidade de língua com características próprias, que mantém relações com a escrita. Isto está, de certa forma, relacionado à concepção de língua como forma de interação.

Em outras palavras, a visão da materialidade linguística passa a ser alargada, no sentido de serem consideradas as práticas sociais de uso da língua. Nessa perspectiva, fala e escrita são fundamentais para as interações humanas.

Também foi possível observar, entre as representações iniciais e as finais, a desconstrução da ideia de que as práticas de oralidade são informais e as de escrita, formais. Deste modo, a perspectiva do continuum fala-escrita e da integração entre as modalidades para a realização das atividades sociais ficam evidenciadas.

Sobre a didática da oralidade, um dos pontos de maior destaque da evolução do discurso das estudantes estava na consideração da escola como local importante para realização de atividades com a oralidade. Embora, inicialmente, as estudantes já atestassem isto, nas reflexões escritas finais, os argumentos utilizados para defender esta prática passaram a ser muito mais consistentes.

Essa consistência relaciona-se com o entendimento do que se pode trabalhar em termos de oralidade: tanto a partir da escuta de textos orais, quanto da produção, como de análises de textos orais ou de gêneros que estejam na interface fala-escrita.

As estudantes evoluíram também no que tocava ao como ensinar, à importância da avaliação, à necessidade de pensar sobre recursos técnicos e materiais didáticos e, principalmente, ao olhar sobre sua própria formação enquanto futuro profissional de Educação. Isso porque, mesmo considerando inicialmente que a oralidade tinha espaço presente no currículo do curso que tinham realizado (Licenciatura em Educação Básica – primeiro ciclo de estudos de Bolonha) e do curso que estavam a realizar (Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino no 1º CEB – segundo ciclo de Bolonha de índole profissionalizante), ficou atestado que a nova ótica para a concepção de oralidade e para questões de didática da oralidade só foi construída com as vivências da PPS A1.

Ao confrontar as representações iniciais e finais com a fase de desempenho, ou seja, com questões processuais, podemos fazer duas afirmações explicativas sobre a evolução do discurso das estudantes e sobre questões didáticas práticas.

A primeira – sobre o discurso – é feita a partir do que foi observado nas sessões de PPS A1: a evolução deu-se a partir das oportunidades de reflexão sobre a temática que lhes foram dadas através dos vários instrumentos de coleta de dados deste estudo, mas, sobretudo, em função das exposições da docente de PPS A1, aquando da abor- dagem do módulo de formação, que explorava a relação entre a didática da leitura e da escrita e a didática da oralidade.

A segunda, sobre a prática, é feita a partir dos planos de aula analisados: a ora- lidade ganhou espaço significativo em termos quantitativos, embora as metas e as estratégias pudessem, em alguns casos, ser mais diversificadas, principalmente no caso do 1º CEB, cujo documento de referência é mais detalhado quanto a metas curriculares focadas na oralidade.

4. Conclusões

A partir da análise dos dados coletados, pudemos observar que a formação destas futuras profissionais de Educação, estudantes do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino no 1º Ciclo do Ensino Básico, da Universidade de Aveiro, convergia para a desconstrução da ideia de que a fala não deve ser objeto de ensino-aprendizagem na escola pelo fato dos alunos lá chegarem já sabendo falar.

Também foi possível verificar que, à semelhança do que acontece com a comuni- cação escrita, a fala não é concebida como modalidade em que é possível violar regras, uma vez que a diversidade de contextos de usos da língua foi considerada como ponto importante de vários momentos do desenvolvimento da pesquisa (principalmente no discurso das reflexões escritas individuais e no da docente nas sessões de PPS A1).

A abordagem sistemática da oralidade na escola fez parte da formação daquelas futuras profissionais da Educação. Isso ficou evidenciado com o que se discutiu nas ses- sões de PPS A1, nomeadamente a partir dos planos de aula coletados, e nos discursos das estudantes, sobretudo nos provenientes da reflexão escrita individual, apresentada após terem trabalhado o módulo de formação (associados às suas representações finais).

O ato de pensar em propostas didáticas nos planejamentos realizados em casa e debatidos com a docente, a seleção de metas para as atividades planejadas e a con- cepção de avaliação presente nos discursos das estudantes indicam uma perspectiva de didática da oralidade que se volta para aspectos relevantes do processo de ensino e aprendizagem.

Podemos afirmar que o discurso e as práticas das estudantes, quanto à concepção de oralidade e da didática da oralidade, evoluíram bastante. Não estamos atestando que a formação sobre estes dois tópicos das futuras profissionais da Educação esteja completa. Destacamos isso por duas razões: a primeira é que, ao longo da análise, al- guns pontos foram destacados como frágeis e passíveis de aprimoramento; a segunda é a crença de que a formação do educador de infância e do professor do 1º CEB, assim como a de todos os profissionais da Educação, deve ser contínua, porque os saberes docentes são muitos e são essencialmente construídos ao longo da vida. Além das experiências anteriormente vividas, há o processo de formação contínua, que é tão importante para solidificar e ressignificar o que se aprendeu e, ainda, aprender novas questões a partir de novos estudos e das práticas do cotidiano escolar.

No entanto, é de referir que é através de bases sólidas decorrentes de um processo inicial de formação, vivenciado por professores formadores comprometidos e estudantes da licenciatura e de mestrado interessados em aprender, que se dá o ‘primeiro passo’ para formar um profissional crítico, que reflete sobre suas próprias ações.

Percebemos que, apesar de as estudantes também terem evoluído em termos de práticas (representação do que se quer para a prática), o que é visível nos seus planejamentos que analisamos, foi o discurso que mais evolui. Se, por um lado, faziam afirmações significativas sobre a didática da oralidade, por outro, planejavam aulas que não contemplavam em sua totalidade a riqueza do que tinha sido afirmado.

Contudo, não compreendemos isso como um problema de sua formação, mas como uma etapa importante desta. Isso porque a evolução do discurso é o primeiro passo no processo de construção e resignificação das compreensões sobre a oralidade e didática da oralidade.

Outro ponto relevante do que foi comprovado neste estudo é a garantia do espa- ço no currículo do curso de formação para a discussão sobre o assunto. Acreditamos na relevância disto para a operacionalização da transversalidade da língua portuguesa (associada ao desenvolvimento de competências em comunicação oral e escrita) e na sua contribuição para o processo de educação linguística dos futuros alunos das pro- fissionais de Educação.

À guisa de conclusão, para uma didática do oral, defendemos a consideração e integração dos múltiplos saberes, ou seja, a reflexão a partir das memórias sobre as práticas (ou ausência delas) de oralidade à época da escola, o estudo sobre questões teóricas – tanto centradas na oralidade, quanto no seu ensino – , o estabelecimento da relação teoria-prática e a vivência do cotidiano escolar – tanto a partir da observação, quanto da atuação através da regência de aulas.

Como grande desafio, embora ressaltemos a importância das atividades escola- res com a oralidade para o desenvolvimento de competências no âmbito da leitura e produção escrita (atividades-meio), está a necessidade de reflexões sistemáticas em torno dos orais e da relação fala-escrita (atividades-fim).

Por fim, ressaltamos que outros estudos sobre o ensino da oralidade e a formação do profissional da Educação devem ser realizados, uma vez que este se trata de um estudo de caso. É relevante que pesquisas futuras investiguem a temática com outros grupos da mesma instituição e de outras instituições do país.

Além disso, destacamos a necessidade de mais estudos sobre questões rela- cionadas, por exemplo, com o tratamento dado ao eixo da oralidade na produção de materiais didáticos, nos documentos de referência, na criação de políticas públicas de educação e na implementação delas.