• Nenhum resultado encontrado

Para uma avaliação formativa

Abordagem da oralidade na formação inicial de profissionais da educação: um estudo num segundo ciclo profissionalizante de Bolonha em Portugal

2. Enquadramento teórico do estudo

2.2. Didática da oralidade: proposições teórico-metodológicas

2.2.4. Para uma avaliação formativa

Uma última questão a ser mencionada é a avaliação. Tal como Méndez (2002, p. 36), entendemos avaliação como meio pelo qual podemos: “(...) descobrir a qualidade do aprendido e a qualidade do modo pelo qual o aluno aprende, as dificuldades que encontra e a natureza das mesmas, a profundidade e a consistência do aprendido, bem como a capacidade geradora para novas aprendizagens”.

Na mesma perspectiva, Luckesi (1997) sublinha que, embora a avaliação permita julgamentos e, consequentemente, classificação, essa não seria sua função constitutiva. Para o autor, há uma função maior, que é a de criar “base para a tomada de decisão, que é o meio de encaminhar os atos subsequentes, na perspectiva da busca de maior satisfatoriedade nos resultados” (Luckesi, 1997, p. 175).

Nesses termos, podemos afirmar que, para que a avaliação ser concebida como diagnóstica e imprescindivelmente formativa, ela deverá servir para a provocação de ações de intervenção, ou seja, para reorientar as estratégias de ensino (pelo professor) e as estratégias de aprender a aprender (pelo aluno) ou então trazer implicações que fundamentem uma reforma (pela gestão).

Em relação ao eixo da oralidade, podemos afirmar que há poucos estudos sobre avaliação. De acordo com Monteiro e colegas (2013), há escassez de reflexões sobre instrumentos avaliativos para a oralidade em Portugal, estando a Espanha e a Fran- ça, no contexto europeu, entre os países com estudos mais desenvolvidos. Dentre os teóricos citados pelas autoras, está Núñez Delgado, que é uma das referências que fundamentam este estudo.

Quando nos voltamos para a sala de aula, temos o seminário (a apresentação oral) como um dos poucos gêneros orais “avaliados”. Propositadamente, escrevemos o termo avaliados entre aspas, porque, muitas vezes, os alunos recebem uma nota apenas pela participação. Quando há critérios, eles estão centrados apenas no desen- volvimento da atividade de pesquisa e não no desempenho oral do aluno ao apresentar o estudo. Por conseguinte, não contemplam conhecimentos linguístico-discursivos, ou seja, os elementos efetivamente linguísticos, os paralinguísticos, os prosódicos, além dos extralinguísticos.

Para a avaliação de um seminário, então, é necessário o estabelecimento de critérios (ex.: escolha lexical, coesão e corência do texto, postura adequada para uma situação formal como a apresentação de um trabalho na escola, uso de elementos de suporte à apresentação – PowerPoint, fichas, textos – comportamento dos alunos que estão como ouvintes) que, dependendo do ano em que o aluno esteja, podem ser socializados.

Em termos gerais, além da avaliação contínua, uma possibilidade para o professor é também a realização de avaliação somativa, através de exercícios que se configurem como momentos mais formais de avaliação da oralidade.

Outra questão importante é que a avaliação não seja apenas feita pelo docente e pelos colegas de sala (heteroavaliação), mas também pelo próprio aluno (autoavalia- ção). Para isso, a apresentação de uma planilha 17 com critérios pode ser muito válida.

Por exemplo, uma proposta nossa de avaliação para a exploração da uma entre- vista teria em conta pontos relacionados com:

- A produção da entrevista

• Abordei polidamente meu entrevistado?

• Expliquei adequadamente o porquê da entrevista? • Planejei perguntas que atenderiam aos meus objetivos?

• Utilizei o roteiro (previamente pensado e produzido) no momento da condu- ção da entrevista?

• Usei linguagem adequada, tendo em conta o meu interlocutor?

• Consegui em minhas falas não induzir o entrevistado a responder conforme o que penso?

- A apresentação da entrevista

• Apresentei sucintamente meu entrevistado, trazendo as principais informações sobre ele para meus ouvintes?

• Fui claro ao expor as respostas do entrevistado?

Outro artifício que pode ser importante, no momento de fazer a autoavaliação, é gravar as interações, o que permitirá ao aluno observar se:

- A sua entoação foi adequada para produzir o efeito de sentido pretendido; 17 Planilha, em português brasileiro, corresponde a uma lista de verificação ou a uma grelha de avaliação,

- O seu ritmo e outros aspectos articulatórios foram conduzidos de forma a que os ouvintes conseguissem entender o que estava sendo dito;

- As expressões faciais e gestuais foram devidamente exploradas.

A avaliação em grupo (neste caso nos referimos à avalição feita pelos pares, ou seja, os outros alunos) também é muito válida, já que dá aos alunos a oportunidade de refletir sobre as suas produções. No júri-simulado, por exemplo, é possível levan- tar quais argumentos foram essenciais para a tomada de decisão do juiz e como eles foram construídos.

Monteiro e colegas (2013) propõem o que chamam “Grelha de Registo de Ob- servação e Avaliação da Competência Comunicativa Oral”, em que contemplam vários aspetos da oralidade, atribuindo-lhes pesos diferentes:

- A comunicação verbal (60%); - A comunicação paraverbal (30%); - A comunicação não-verbal (10%).

No Quadro 1, apresentamos, de forma adaptada e resumida, alguns aspectos a ter em conta na avaliação da produção de discursos orais:

Comunicação

verbal • Conhecimento do tema• Vocabulário (riqueza e diversidade) • Argumentação pertinente

• Clareza discursiva (articulação clara das palavras, segundo a norma-padrão) • Respeito pelas opiniões alheias

Comunicação

para-verbal • Clareza discursiva (articulação clara das palavras, ausência de hesitações) • Expressividade

• Tom de voz • Ritmo discursivo

Comunicação

não-verbal 18 • Gestos• Olhar

• Postura corporal

Quadro 1 – Critérios de avaliação da produção de discursos orais18

As autoras explicam, ainda, que a distribuição percentual referida foi estabelecida em função da opinião de:

- Docentes do Departamento de Línguas da Universidade do Minho e da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo;

- Professores de Português de outros níveis de ensino; - Planilhas construídas por formadores de professor.

18 Podemos observar na proposta que a caracterização é distinta da de outros autores. Nesta, os gestos,

por exemplos, são elementos paralinguísticos; para Marcuschi (2003), fazem parte dos elementos não- verbais. Já Dolz, Schneuwly & Haller (2004) categorizam os gestos como meios cinésicos, que fazem parte da categoria mais ampla dos meios não-linguísticos da comunicação oral. Como se percebe, várias são as terminologias e categorizações.

Acreditamos que iniciativas como a produção dessa planilha sejam necessárias para a sistematização do ensino e da avaliação da oralidade. Percebe-se que são propostos critérios de naturezas distintas que contemplam desde questões temáticas a questões relacionadas com o recurso a elementos prosódicos e paralinguísticos.

Fazemos, entretanto, uma ressalva neste quadro apresentado no ponto “clareza discursiva” quando se menciona o fragmento “segundo a norma-padrão”. Apesar de entendermos, assim como as autoras, que à escola cabe o trabalho com gêneros mais formais, defendemos a ideia de que é possível fazer um trabalho com gêneros em que o cuidado com o padrão pode ser menor. Isso porque é a partir da diversidade textual que se pode refletir sobre escolhas adequadas aos contextos.

Além disso, ainda podemos questionar o que é o português padrão? Ele também não é variável? O fato é que, segundo Faraco (2004, p. 42), o padrão “terá sempre, por coações sociais, um certo efeito unificador sobre as demais normas, não estando, porém, isento também de receber influências dessas mesmas normas”. De fato, a variação está presente em toda língua viva, por ser social, histórica e heterogênea. Enfim, por não ser foco do estudo, essa discussão não será aqui aprofundada.

Monteiro e colegas (2013, p. 122), referindo-se ainda à planilha, acrescentam que: “Todos os parâmetros são avaliados com base na escala de avaliação qualitativa formativa – Fraco (1), Não Satisfaz (2), Satisfaz (3), Satisfaz Bastante (4) e Excelente (5) –, convertida, em última análise, numa classificação quantitativa, mais conveniente para o momento de avaliação final dos períodos.”

No entanto, o sistema parece exigir do professor uma nota. Apesar de não nos parecer simples fazer a conversão de categorias qualitativas em quantitativas, esse parece ser um movimento comum dos que estão num processo de transição entre uma avaliação mais tradicional e uma mais formativa, o que evidencia, na verdade, uma avaliação com intenção formativa 19, nos termos de Hadji (2001).

Já o trabalho de Cavalcante e Melo (2006) (relativo à avaliação, que consultamos no âmbito deste nosso estudo), com base nos trabalhos de Marcuschi (2001a) sobre a língua falada e escrita e nos estudos de Schneuwly e Dolz (2004) sobre os gêneros orais e escritos na escola, faz um resgate de fatores importantes no texto falado:

- Extralinguísticos, relativos ao grau de publicidade, de intimidade dos participan- tes, de participação emocional, proximidade física dos parceiros da comunicação, grau de cooperação, de espontaneidade, fixação temática;

- Paralinguísticos, ligados à qualidade da voz (aguda, rouca, grave, sussurada, infantilizada), à elocução e às pausas, a risos/suspiros/choro/irritação;

- Cinésicos, associados a atitudes corporais (postura variada, ereta, inclinada etc.), gestos (mexer com as mãos, gestos ritualizados como acenar, apontar, chamar, fazer, sinal de ruim, de bom etc.), trocas de olhares, mímicas faciais;

19 A avaliação com intenção formativa é a tentativa de pôr em prática uma forma de avaliar que parte

de uma utopia promissora, isto é, “se refere mais ao modelo ideal que à realidade cotidiana” (Hadji, 2001, p. 10). Isso não significa que a avaliação formativa não é possível. De acordo com Hadji (2000, p. 25), deve-se trabalhar para avançar nessa direção através do progresso “(...) no conhecimento do que

é avaliação e no desenvolvimento de sua variabilidade didática por meio de busca de pistas para uma remediação oportuna”.

- Linguístico-discursivos, relacionados com marcadores conversacionais, repetições e paráfrases, correções, hesitações, digressões, expressões formulaicas, expressões prontas, atos de fala/estratégias de polidez.

Cavalcante e Melo (2006, p. 192) afirmam que “uma perspectiva frutífera de trabalho com o oral é focalizar as estratégias organizacionais de interação próprias de cada gênero textual. Do ponto de vista da avaliação, o aluno competente é aquele que, ao analisar um gênero oral, consegue perceber e relacionar aspectos de natureza extralinguística, paralinguística e linguística atuando conjuntamente na construção das significações.”

Como já mencionado, ainda são poucos os trabalhos sobre a avaliação do tra- balho como a oralidade na escola, sendo necessários mais estudos. Os dois trabalhos referidos são, para nós, importantes contribuições para esta área.