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Importância e espaço do trabalho com a oralidade na escola

Abordagem da oralidade na formação inicial de profissionais da educação: um estudo num segundo ciclo profissionalizante de Bolonha em Portugal

A) Importância e espaço do trabalho com a oralidade na escola

A perspectiva mais tradicional do ensino da língua materna prende-se pratica- mente com o estudo da gramática normativa. Uma perspetiva mais recente (saída dos contributos de diversas vertentes da Linguística e da Didática da Língua, entre outras disciplinas científicas) contempla, prioritariamente, a compreensão na leitura e a pro- dução de textos escritos, associada à gramática.

Mas há que destacar a importância do trabalho com a oralidade na escola. De fato, apesar de pouco discutida, esta está presente, de forma explícita, em documen- tos oficiais que orientam e/ou regem o ensino como, por exemplo, os Programas de Português do Ensino Básico (Reis, 2009), que abordam a relevância do trabalho com a “compreensão do oral” e a “expressão oral”, e as Metas Curriculares de Português para o Ensino Básico (Buescu et al., 2013), que apresentam propostas para o “eixo da oralidade”.

De acordo com Schneuwly (2004, p. 114), ao fazer menção a documentos oficiais que orientam práticas pedagógicas, entre os princípios do ensino de língua materna, estariam:

- Levar os alunos a conhecer e dominar sua língua, nas situações as mais diversas, inclusive em situações escolares;

- Desenvolver, nos alunos, uma relação consciente e voluntária com próprio comportamento linguístico, fornecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e falar;

- Construir com os alunos uma representação das atividades de escrita e fala, em situações complexas, como produto de um trabalho, de uma lenta elaboração.

Como se percebe, a formação do usuário competente de língua perpassa pelo processo de educação linguística de cidadãos, para que possam interagir socialmente em diversas situações através da fala ou da escrita. À luz desse ponto de vista, inseri- mos no questionário uma pergunta que permitiria identificar a opinião das estudantes sobre isso (Questionário – Questão 16).

As quatro apontaram a importância da escola no desenvolvimento de competên- cias em comunicação oral através da realização de práticas pedagógicas nela centradas, contrapondo-se a uma perspetiva de que à escola não caberia trabalhar a oralidade, pois os alunos já chegam nela falando. Considerando a transversalidade da língua por- tuguesa (Sá, 2009a, 2012), várias justificativas foram dadas, como: “A comunicação oral faz parte do ser humano e é necessário que haja uma preparação e ensino da oralidade. Cada vez mais se fazem exposições orais e verifica-se que as pessoas têm dificuldade em se expressar ( )” (A1); “Os alunos devem ser formados no âmbito da comunicação oral, preparando-se para serem futuramente cidadãos mais ativos e informados, au- mentado o poder de comunicação e argumentação.” (A4).

É destacada, nas respostas, a importância do trabalho escolar na formação do ci- dadão crítico e participativo, além de ser chamada a atenção para o fato de que práticas de oralidade precisam ser realizadas em prol do desenvolvimento de competências e habilidades que os alunos ainda não possuem ou estão pouco desenvolvidas.

Quanto à pergunta sobre o trabalho com a oralidade com crianças que frequentam a Educação Pré-Escolar ou o 1º CEB (Ficha 1 – Questão 3), tivemos duas perspectivas: i) Uma relacionada com o oral como forma de construir competências em outras áreas, já que esses alunos, ou não são alfabetizados, ou estão no início do processo de alfabetização; A3 escreve que considera “muito importante trabalhar a oralidade tanto no Pré-escolar como no 1º ciclo pois é pela oralidade que a educadora/profes- sora comunica com as crianças, comunicação essa que se torna indispensável para o ensino/aprendizagem.”

ii) Outra relacionada com o oral como objeto autônomo de ensino, que refere a importância do desenvolvimento de competências e habilidades para interações orais; A1 escreve que considera “importante trabalhar a oralidade em qualquer nível de en- sino, pois ela é necessária para a vida futura, tanto profissional, pessoal, social, etc.”

Para fazer uso competente da oralidade numa perspectiva de operacionalização da transversalidade da língua portuguesa, há que refletir sobre as práticas ligadas ao uso desta modalidade de comunicação. Por isso, acreditamos que os dois pontos de vista são importantes para a formação holística do aluno e que eles devem, portanto, estar associados, de modo que as atividades de oralidade não sejam apenas atividades- meio, mas também atividades-fim 28.

28 Conforme mencionado no enquadramento teórico, a terminologia atividades-meio e atividades-fim

Se as práticas pedagógico-didáticas associadas ao desenvolvimento da oralidade são importantes, então, é necessário que elas tenham espaço na sala de aula. Segun- do Ávila, Nascimento & Gois (2012, p. 37), em estudo realizado com professores que atuavam em diferentes municípios de estado brasileiro, “a fala tem tido pouco espaço na sala de aula e tem despertado sempre menos interesse dos professores de língua materna do que as práticas de escrita, para os processos de didatização. Esse é um enorme equívoco que tem norteado muitas ações didáticas para o ensino de língua materna, o que deixa o trabalho docente nesta área lacunoso”.

Quando as estudantes foram inquiridas sobre se o aluno possui espaço para falar em sala de aula (Questionário – Questões 17 e 17.1), as opiniões não foram unânimes. A3 e A4 afirmaram que os alunos não têm espaço para falar nas aulas.

A primeira atribuiu a culpa aos programas curriculares por não darem oportu- nidade aos alunos de falarem na aula: “os programas curriculares são tão densos que quase não deixam espaço para os alunos falarem” (A3). No entanto, conforme desta- cado anteriormente, a oralidade está bem presente nos documentos oficiais do país. Se as práticas pedagógicas em torno da oralidade não existem, não é em função desses documentos não as contemplarem.

A segunda escreveu que “os alunos estão habituados a que a professora os mande calar quando dão a sua opinião, ou muitas vezes minimizam essa comunicação com receio de serem criticados pelos colegas”. Observamos, nesta resposta: i) a herança de uma aula de Português encarada numa perspectiva tradicional, em que silêncio é sinônimo de ordem e só o professor fala, porque este tem conhecimentos a serem transferidos para os alunos, que nada ou pouco sabem; ii) a associação a característi- cas da personalidade (não falo porque sou tímido ou porque temo que meus colegas achem bobagem, discordem, enfim, emitam um juízo de valor que não me garanta o posicionamento que desejo ter).

Por outro lado, A1 e A2 afirmaram que o espaço da oralidade é garantido nas aulas através do tempo reservado para as crianças falarem sobre diversos assuntos (A1) ou do incentivo dado pelo professor para a comunicação de assuntos relacionados ao contexto da aula (A3).

Quando questionadas sobre como pode o professor aproveitar esses espaços para fazer uma abordagem didática da oralidade (Questionário – Questões 17.2 e 17.3), A1 e A2 não deram respostas esclarecedoras. Por exemplo, A1 respondeu: “O professor pode aproveitar para permitir às crianças falarem mais tempo, sobre assunto que lhe interessam, e realizar certas atividades dirigidas para desenvolver a oralidade.”). Pode- mos, desde logo, afirmar que dedicar espaço para que os alunos falem não é garantia de realização de práticas pedagógicas da oralidade.

Investigamos ainda a opinião das estudantes sobre a divisão do tempo escolar da aula de Português pelas práticas de oralidade, leitura, produção escrita e gramática (Questionário – Questões 20 e 20.1). Todas afirmaram que o tempo deveria ser dividido igualmente, como pode ser observado a partir de enunciados recolhidos nas respostas a estas perguntas: “Cada modalidade tem a sua importância, por isso devem ter todas o mesmo tempo.” (A1); “Para trabalhar de igual forma todos os domínios de português de maneira a não existirem falhas em nenhum deles.” (A2); “todas são importantes para o desenvolvimento da Língua Portuguesa.” (A3); “Penso que seria importante haver uma divisão equilibrada.” (A4).

Neste aspecto específico, relativo ao equilíbrio das atividades entre os eixos de ensino, concordamos com as estudantes. No entanto, não o vemos como uma divisão quantitativamente igual do tempo pelos vários domínios. O que chamamos de equilí- brio se relaciona a práticas qualitativamente planejadas, desenvolvidas e avaliadas em torno dos textos orais. A ênfase, então, é na formação do usuário de língua que saiba se adequar a situações diversificadas com autonomia (sobretudo, as formais – que são aquelas em que os alunos mais precisam de suporte do professor).