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Capítulo 3: VIDAS CONTROLADAS

3.2 Dos sentenciados

3.2.3 A rotina diária dos adolescentes sentenciados

3.2.3.2 As oficinas

Segundo o ECA, as oficinas que existem no CEA deveriam ter uma perspectiva educativa, socializadora e profissionalizante, contribuindo para que o adolescente possa aprender um ofício, bem como a lógica do trabalho honesto, regulado socialmente.

Quando comecei a realizar a pesquisa, funcionavam no CEA várias oficinas como a de material de limpeza, produção gráfica, artes, bola e cerâmica, mas no decorrer desta, algumas foram suspensas, segundo a instituição por questões financeiras; em meados de 2012 a instituição estava tentando fazer com que no segundo semestre, quatro oficinas funcionassem.

Essas oficinas, porém, possuem um caráter meramente ocupacional, de modo que serve muito mais para ocupar os adolescentes e exercer o controle institucional sobre eles, do que para ensinar-lhes um oficio.

Outra característica de como vem ocorrendo essa atividade no CEA é a fragmentação, fenômeno que também ocorre na escola. Deste modo, as oficinas são organizadas para atender adolescentes de uma única ala por vez, o que parece dificultar o processo de socialização dos adolescentes e incentivar, ainda mais, o faccionismo criminoso.

Segundo o diretor da instituição:

As oficinas, a proposta pro segundo semestre é ter quatro oficinas ocupacionais funcionando, a de informática que hoje a gente não tá funcionando adequadamente porque os computadores deram pau; a de material de limpeza que tá funcionando, mas hoje tá tendo uma quantidade pequena de meninos; a de marchetaria que é uma nova, que a profissional tá sendo capacitada junto a alguns órgãos da prefeitura e ela vai começar a trabalhar com isso a partir desse segundo semestre; e a oficina de artes que a gente vai trabalhar com a parte de pintura e desenho para os

adolescentes; fora a oficina de atividade esportiva que hoje basicamente é futebol, mas eu venho dizendo, se é futebol tem que ser futebol com metodologia, entendeu? Mostrando ao menino que existe a pelada, mas existe a parte profissional disso, de repente até traçando, encaminhando meninos que tem potencial pra clubes, ou seja, fazendo algo realmente que dê perspectiva e saia daquela visão, só o peladão, só o rachão, só de pé descalço que isso não constrói nada, entendeu? (Ronaldo).

Como mencionado, a lei orienta que as oficinas tenham uma perspectiva educativa e profissionalizante, a instituição planeja que elas tenham, ao menos, um caráter ocupacional, deixando de ser um mero passatempo para os adolescentes e facilitando a perspectiva do controle institucional. Porém, segundo a instituição, muitas dificuldades são enfrentadas para que esse projeto se concretize, e a principal delas é a falta de incentivo e investimento público.

Ainda segundo a instituição, muitas oficinas são interrompidas porque não existe verba para pagar os oficineiros e o poder público espera que apareçam voluntários para executar esse serviço. Outras deixam de funcionar por falta de manutenção nas máquinas ou falta de matéria prima. Vejam a fala da técnica responsável pelas oficinas:

Está parada no momento a de serviço gráfico, porque as máquinas estão precisando de manutenção, infelizmente é um pouco difícil aqui conseguir as coisas rapidamente, não é uma empresa né, depende de burocracia. A de cerâmica está fechada porque a professora tá de licença. Então a gente tá trabalhando com isso, tem a oficina de bola também, que é muito importante, mas está funcionando no CEJ, por falta de material ainda não está funcionando aqui no CEA né, aí por isso que poucos adolescentes são atendidos, no momento existem 30 adolescentes entre o CEJ e o CEA que a gente atende nas oficinas (Dalva).

Pelo relato, percebe-se que as oficinas acabam sendo temporárias, de modo que, quando uma está funcionando a outra está parada. No momento dessa conversa, a oficina da horta estava funcionando, mas logo em seguida foi desativada, sendo implantada uma de informática, que no final da pesquisa de campo também estava desativada.

Outra questão que merece ser destacada, com relação às oficinas, é a pouca quantidade de adolescentes que ela atende. Legalmente, todos os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade

deveriam participar de oficinas, mas na prática, no CEA, apenas uma pequena parcela desses adolescentes frequentam essa atividade. Além disso, o tempo médio de duração das oficinas foi reduzido, como uma maneira prática de aumentar a rotatividade e conseguir atender um maior número de adolescentes.

É, até o mês passado tinha duração de seis meses, ou seja, uma carga horária de 200 horas/aula. Mas, como nós temos que atender muitos adolescentes, e a gente fez um trabalho aqui e foi visto que com três meses dá pra ele aprender, o que é pra se aprender, dentro da oficina, então a gente tá colocando em média de três a quatro meses a duração de aulas, pra ter o certificado e ter uma rotatividade, pra gente atender o número de adolescentes que a gente tem que atender, porque quando vai a avaliação deles, eles têm que ir pelo menos com a oficina trabalhada né, escola e oficina é obrigatório, né. E às vezes ocorre de ir avaliação sem o adolescente ter passado por nenhuma oficina (Dalva).

Pelo exposto, fica claro que a preocupação dos técnicos, bem como, as preocupações dos adolescentes, se distanciam bastante do propósito legal, sendo estas próximas a realidade concreta vivenciada. Assim, percebe-se que o modo de funcionamento das oficinas, o reduzido número de vagas e o rodízio existente entre elas, parecem ter como propósito a adaptação e subordinação dos adolescentes à instituição e, consequentemente, a facilitação do controle que esta exerce sobre aqueles. Por outro lado, a preocupação do adolescente repousa em frequentar as oficinas para ser bem avaliado, tendo possibilidade de progredir na medida socioeducativa ou de ser liberado.

Devido ao contexto que envolve o funcionamento das oficinas, no CEA, há critérios para que os adolescentes possam participar destas. Um deles é o de estar frequentando a escola, como já mencionado; mas o bom comportamento, de forma geral, também é utilizado como critério.

A gente olha assim, primeiramente a gente vê o tempo que ele tá na casa, o que tá há mais tempo. Segundo assim, não por essa ordem, mas também vemos o comportamento deles da escola, se ele tá indo pra escola, ele tem que estar frequentando a escola, como tá o comportamento dele na aula, se num tá tendo nenhuma medida disciplinar. E quando ele tá na oficina, se ele tiver, é chamada atenção é chamado o social, o psicólogo pra atender, pra ele inibir isso e continuar na oficina. Senão ele é retirado, porque têm outros, que têm um comportamento excelente, e a gente tem que priorizar aqueles que tão querendo crescer. É, e também olhamos pra idade. Deixa

eu ver, o nível de escolaridade, tem muitos problemas com isso, porque a maioria é nível três, ou seja, ou não sabe ler, ou sabe pouco. E as oficinas de serviço gráfico e de produtos de limpeza, essencialmente tem que saber ler né, você não pode trabalhar com produtos químicos sem saber o que é que você tá botando, pela cor ou pelo cheiro; e aqui na gráfica também, nós trabalhamos com escrita, então eles têm que saber ler. Então vou vendo pela prioridade, e também assistentes sociais, elas mandam os nomes dos adolescentes que elas entrevistaram e eles querem as oficinas. Então é muito adolescente pra pouca vaga né, tem essa dificuldade (Dalva).

Os adolescentes, por sua vez, dizem gostar das oficinas, mas afirmam que nem sempre têm oportunidade de participar.

Eu gosto. Eu queria ir pra oficina de cerâmica. Eu fiz só de limpeza (Leandro, 17 anos, nona internação).

Pra oficina tô indo não. Fiz só uma, de produto de limpeza. Gostei (Eduardo, 17 anos, primeira internação).

Tô fazendo aqui, artes. A de informática não colocaram eu ainda não, mas eu vou fazer, vou começar agora. Gosto das oficina, eu quero fazer mesmo. Porque mais pra frente eu posso querer arrumar um trabalho (Beto, 17 anos, primeira internação).

Como toda e qualquer instituição com caráter totalitário, no CEA todas as atividades realizadas pelos internos são vigiadas e controladas, segundo as tecnologias disciplinares ou de controle, discutidas por Foucault (1996), na tentativa de transformar “corpos rebeldes” em “corpos dóceis”, “úteis” e “socialmente produtivos”.

Deste modo, mesmo durante as atividades das oficinas, que geralmente acontecem em salas fechadas, com o oficineiro presente, fazem-se presentes agentes sociais, que vigiam e controlam os adolescentes a todo instante.

Foto 26: Adolescentes trabalhando na oficina de material de limpeza Crédito: Arquivo do CEA

Deste modo, pode-se dizer que, no CEA o poder disciplinar (FOUCAULT, 1996), utiliza o “olhar vigilante” e a “sanção normalizadora” como instrumentos para a construção do modelo de ressocialização, estabelecendo uma relação retributiva/punitiva. Ou seja, aqueles adolescentes que cumprem as normas e regras da instituição, participando e tendo bom comportamento, das atividades de cunho obrigatório, como a escola, por exemplo, são beneficiados, podendo participar de diversas atividades que não são de cunho obrigatório e que os agradam, como por exemplo, as oficinas. Estabelece-se, nesse sentido, um processo de troca entre os adolescentes e a instituição.