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Capítulo 3: VIDAS CONTROLADAS

3.2 Dos sentenciados

3.2.3 A rotina diária dos adolescentes sentenciados

3.2.3.3 Os atendimentos técnicos

Com relação aos atendimentos técnicos, de acordo com uma das psicólogas da instituição, atualmente os atendimentos sociais e psicológicos são feitos de acordo com um calendário, onde consta em quais dias cada adolescente será atendido, tendo em vista uma maior organização, pois até pouco tempo atrás, esse atendimento era feito de forma aleatória.

Conversando com algumas assistentes sociais fui informada que cada profissional dessa área é responsável, em média, por vinte adolescentes a cada semestre, devendo atendê-los ao menos uma vez por semana. De acordo com os profissionais, esse número é ainda maior em alguns momentos e não é o ideal,

tendo em vista que alguns atendimentos demoram muito, e ainda há o atendimento às famílias e a elaboração dos pareceres psicossociais enviados ao juizado, que precisam cumprir o prazo previsto no Estatuto.

Assim, segundo a instituição, como o número de técnicos é incompatível com o número de adolescentes internos, os atendimentos dos adolescentes acontecem em um intervalo que varia de dez a quinze dias, quando o ideal seria que esses atendimentos acontecessem, ao menos, uma vez por semana.

Os adolescentes, por sua vez, dizem achar os atendimentos interessantes e gostar dos mesmos e, muitas vezes, se queixam por eles não acontecerem com mais frequência. Vejam as falas dos adolescentes quando se referem aos atendimentos:

Eu vou também, e acho bom. A pessoa conversa, tira uma coisa da mente da pessoa, coisa ruim (Leandro, 17 anos, nona internação).

Ah é bom, eu acho que ajuda, porque ela conversa com a pessoa. A gente lá dentro, trancado direto, não vai saber o que fazer, só vem maldade na cabeça, e ela conversando com nós, a gente fica pensando no que ela diz (Caio, 16 anos, primeira internação).

Deveria ter mais. E agora é que não tá tendo mesmo, porque teve os negócio das festa ai e tal, elas tá tudo de férias. Tá muito pouco atendimento. Ajuda, homi, ajuda e muito. Ajuda também pelos conselhos que ela dá, e pelo que ela faz pela pessoa. Porque se, por exemplo, a pessoa tiver no isolado por causa de uma briga, a pessoa chega aqui, conversa com ela, ela pergunta o que foi, porque foi, e ela fala com o diretor e a vice-diretora pra ajudar a tirar a pessoa de lá. Tipo assim, lençol, colchão, fronha, se a pessoa tiver sem nada, sem toalha, sabonete, uma escova, uma pasta, a pessoa fala com ela e ela dá. Ajuda também no comportamento da pessoa, dependendo da pessoa. Ajuda o tanto que ela pode, o que ela pode ela faz (Pedro, 16 anos, oitava internação).

Pelos relatos percebe-se que os adolescentes vêem os atendimentos técnicos como uma maneira de manter contato com outras pessoas, pessoas que não estão ligadas diretamente ao mundo do crime e das facções criminosas e que podem pensar de uma maneira diferente, aconselhando-os ou orientando-os em seu cotidiano institucional a partir de outro ponto de vista. Por outro lado, os técnicos também são vistos como mediadores entre os adolescentes e a diretoria da casa, podendo intervir, e em alguns casos, defender e amenizar a situação do adolescente na instituição.

Os técnicos, por sua vez, dizem que os adolescentes utilizam os atendimentos para expor suas queixas com relação à estrutura e às proibições da instituição, bem como para solicitar bens materiais como: uniformes, itens de higiene, colchões e lençóis. Uma técnica entrevistada comentou que, na última rebelião, os adolescentes haviam queimado todos os colchões de uma ala e agora tinham que esperar o “tempo certo” dos novos chegarem, e eles reclamam muito por isso.

Convêm ainda ressaltar que nos atendimentos técnicos os adolescentes conseguem ter notícias do que acontece fora dos muros do CEA, tendo em vista que muitos adolescentes não recebem visitas, e outros não as recebem com tanta frequência. Assim, são nos atendimentos que os adolescentes procuram saber sobre os seus familiares e amigos e, algumas vezes, quando estão com bom comportamento, conseguem realizar ligações para algum parente, como uma forma de “premiação”.

No CEA também são frequentes as reivindicações de atendimento médico emergencial, mesmo quando não há um grave e/ou urgente problema de saúde, e sim vontade de sair da instituição com a alegação de necessidade urgente. Esse processo se dá da seguinte maneira: o adolescente que se sente incomodado deve fazer uma queixa ao agente social, que levará a reclamação a direção. Esta, por sua vez, vai questionar o agente social sobre os sintomas que o adolescente apresenta e encaminhá-lo para a enfermaria, para uma avaliação, ou mesmo chamá-lo para esclarecimentos.

Como exemplo, posso citar o caso de um adolescente que se queixava de uma dor insuportável no pé ao agente social, “exigindo” sua ida imediata ao hospital. Este, quando foi chamado à sala do diretor para fazer a queixa, depois de uma conversa persuasiva e uma massagem feita pelo próprio diretor, no local machucado, afirmou estar melhor, podendo aguardar até a instituição disponibilizar um carro para levá-lo ao hospital41.

Os agentes sociais dizem que os adolescentes não conseguem compreender a lógica dos atendimentos e das demais atividades que são desenvolvidas no CEA, utilizando-se destas para adquirir algum

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benefício/favorecimento imediato, quer seja pelo fato de poderem sair do quarto ou pela possibilidade de terem uma boa avaliação e serem liberados daquela instituição. Vejam as falas dos agentes:

Todo atendimento é aceito quando ele tem o favorecimento, quando é pra favorecer ele, ele sai rindo e satisfeito, mas aquele que não é pra favorecer, ele realmente sai chateado, entendeu? Não quer aceitar. Se é pra beneficiar ele mesmo, ele sai feliz, radiante, porque a coisa aconteceu do jeito que ele queria, mas quando a coisa não acontece do jeito que ele quer, ele sai reclamando (Rui).

Alguns vêm, outros não gostam da assistente ou da psicóloga, outros gostam porque sabe que é a maneira de sair da casa. E outros não vêm de jeito nenhum, são poucos, são raros (Carlos).

Eles gostam dos atendimentos porque tão saindo do quarto. Qualquer coisa que faça eles saírem do quarto, pra eles é massa, como eles dizem (Davi).

Durante o desenvolvimento da pesquisa, pude observar que os atendimentos nem sempre são feitos de forma adequada, por exemplo, muitas vezes por questões estruturais ou organizacionais, em uma mesma sala são atendidos, ao mesmo tempo, dois ou mais adolescentes, por assistentes sociais e psicólogos, de modo que os adolescentes não se sentem a vontade para falar sobre as suas vidas, os seus problemas, na frente de diversas pessoas, técnicos e outros adolescentes, ficando esses atendimentos na superficialidade do preenchimento dos formulários obrigatórios.

Foto 27: A foto mostra dois adolescentes sendo atendidos em uma mesma sala Crédito: Arquivo do CEA

Pelo exposto, percebe-se que os atendimentos parecem não conseguir alcançar o seu objetivo no processo educativo e socializador dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa no CEA, servindo como uma forma de os adolescentes passarem mais tempo fora dos quartos ou de obterem benefícios materiais e/ou simbólicos.

Isto porque os adolescentes compreendem os técnicos, e vice versa, como um mediador entre eles e as instâncias institucionais superiores, como a Direção e o Juizado, tendo em vista que são os assistentes sociais e os psicólogos que elaboram, semestralmente, o relatório avaliativo sobre cada adolescente, que é encaminhado ao Juizado, com vistas a uma possível progressão de medida socioeducativa, liberação ou a permanência do adolescente na medida de privação de liberdade.