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Capítulo 2: A PESQUISADORA EM MOVIMENTO: TRAÇANDO O

2.5 Das entrevistas

Em um segundo momento, em meados do ano de 2011, iniciei a realização da segunda fase da pesquisa de campo, que se organizou a partir de entrevistas

semi estruturadas24, gravadas, com os diversos atores que compõem o meu campo de estudo.

A observação e as conversas informais estabelecidas no decorrer da pesquisa facilitaram a escolha dos entrevistados, bem como, a realização das entrevistas.

Isto porque, as relações que se estabelecem no campo, nesse processo de coleta de dados, quer seja através da observação participante, de entrevistas, de conversas informais ou de qualquer outra técnica de pesquisa, são mediadas pela construção de semelhanças e dessemelhanças que influenciam o desenvolvimento do trabalho do pesquisador. Deste modo, tanto as diferenças quanto as semelhanças que se estabelecem entre pesquisador e pesquisado devem ser ponderadas, tendo em vista que podem ajudar, mas em alguns casos podem dificultar o desenvolvimento da pesquisa (SALEM, 1978).

Outra questão relevante a ser discutida é a presença do pesquisador no tocante ao tempo de estadia no campo. Costuma-se pensar que, quanto mais tempo o pesquisador passa no campo maior a probabilidade de uma coleta de dados mais confiável, isto porque, as pessoas podem, em um primeiro momento, mentir sobre determinada coisa ou situação, mas ao longo do tempo elas tendem a ser desmentidas por outros membros do grupo ou até por elas mesmas, que não conseguem dissimular a situação que sustenta sua inverdade (BECKER, 1993).

Ainda em meio a essa discussão, Becker (1993) ressalta a importância de se perceber na presença de quem são colhidos os dados, ou seja, ele mostra que existem diferenças quando o pesquisador conversa com um pesquisado sozinho e quando o mesmo está acompanhado ou em grupo.

Na pesquisa realizada este fato ficou claro quando comecei a entrevistar os adolescentes com a presença de um agente social na sala. Quando percebi a mudança que a presença desse terceiro sujeito provocava na interação com os adolescentes, encontrei uma maneira sutil de dispensá-lo, mas isso não se deu de imediato. À medida que eu ia circulando mais a vontade no campo, reconhecendo os indivíduos e sendo por eles reconhecida, pude mostrar a diretoria da casa que a

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presença do agente na sala onde eu entrevistava os adolescentes não se fazia necessária, até mesmo porque isso desviava um agente de outra atividade rotineira no CEA. Porém, nas entrevistas com os adolescentes e com os agentes sociais, muitas vezes, fui interrompida por algum técnico ou pelo diretor, que sempre tinha um motivo para entrar na sala onde estávamos conversando.

Nesse ponto, levanta-se a discussão de como coletar os dados, que segundo alguns autores, falam por si. Não discordo que os dados coletados em uma pesquisa social sejam muito ricos e, por si só, sinalizem muita coisa, mas é imprescindível que o pesquisador saiba encontrar nesses dados as respostas às perguntas que ele fez antes mesmo da entrada em campo, ou seja, é preciso que o pesquisador seja perspicaz para traduzir os inúmeros dados brutos em pedras polidas e, verdadeiramente, valiosas (CARDOSO, 1997).

Zaluar (1994) aponta outra questão que pode estar presente no trabalho de campo, a de o pesquisador ter seu papel confundido durante o desenrolar da pesquisa. Nesse sentido, ela relata uma experiência onde seus pesquisados tentavam a todo custo extorquir alguma vantagem da relação que estabeleciam com ela, quer fosse através de bens materiais ou da troca de favores. Assim, para muitos pesquisados, eles estão fazendo um favor ao pesquisador, e este, deve pagar de alguma forma.

Desde que comecei a pesquisa no CEA tentei deixar muito claro qual era a minha função e o meu papel naquela instituição, ainda assim, por vezes, os adolescentes achavam que eu podia ajudá-los ou prejudicá-los, de alguma forma, frente a instituição ou a Justiça. Mas, o meu esforço sempre foi no sentido de desconstruir essas imagens ‘distorcidas’.

Não acredito que colaborar de alguma maneira com os pesquisados, e com o campo no qual se está inserido, seja de todo negativo. No entanto, devem se estabelecer limites nessa relação, pois a pesquisa não pode ser realizada em meio a uma comercialização, as informações não devem ser vendidas, e isso vai depender da forma como o pesquisador entrou em campo, das relações que ele estabeleceu e do lugar que ele conquistou dentro desse campo.

Ainda discutindo a terceira fase do trabalho de campo, ressalta-se que existem pessoas mais influentes e visíveis em qualquer campo de pesquisa; estas devem ser respeitadas e podem até servir de ponte de relação com outros membros do grupo. No entanto, o pesquisador não pode supervalorizar informantes em detrimento de outros, pois tal situação pode gerar um conflito e prejudicar o desenvolvimento de seu trabalho, ou mesmo a pessoa que se considera influente pode não ter uma contribuição tão rica para a pesquisa em questão, porém seu valor como liderança e influência, deve ser respeitado e aproveitado25.

Com base nessa discussão, selecionei alguns funcionários que compõem o quadro técnico administrativo do CEA para a realização das entrevistas. Realizei, nessa fase, oito entrevistas, sendo quatro com assistentes sociais, três com psicólogas e uma com a coordenadora das oficinas.

Essas entrevistas foram realizadas de forma tranquila, nas salas dos próprios técnicos, com agendamento prévio, tendo em vista que já havia uma relação estabelecida entre nós, e os entrevistados já conheciam os objetivos da pesquisa.

No entanto, ao analisá-las, percebi o quanto elas eram homogêneas e, em alguns pontos, se distanciavam dos dados observados por mim, o que revela um alinhamento do discurso e de visões.

Nesse momento, percebi que havia algumas lacunas que não seriam preenchidas apenas a partir dos dados coletados nas entrevistas com um dos grupos de atores que compõe esse cenário heterogêneo. Parti, então, para a realização de entrevistas com os adolescentes internos no CEA. Estas, por sua vez, foram divididas em duas etapas, sendo a primeira realizada de Junho a Outubro de 2011 e, a segunda, de Janeiro a Março do ano de 201226.

De início, pensei que esta fosse ser a fase mais difícil da pesquisa, pois adolescentes, normalmente, oferecem uma maior resistência para conversar com adultos, principalmente com estranhos, pelo próprio período de desenvolvimento e

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No CEA percebi que alguns funcionários queriam monopolizar as informações da pesquisa; estes acreditavam que detinham todo o conhecimento acerca da instituição.

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A maioria das entrevistas foi realizada pela manhã, no período em que os adolescentes estavam de férias da escola, para que estes não precisassem faltar às suas atividades.

construção identitária em que eles se encontram; segundo, porque eu estava tratando com adolescentes específicos, aqueles que estão em conflito com a lei, o que os coloca em uma situação mais delicada, pelas teias relacionais nas quais eles estão envolvidos.

Os primeiros entrevistados foram pré-selecionados a partir do perfil construído, mas ao longo das entrevistas utilizei a técnica da bola de neve, ou seja, quando um adolescente mencionava ou indicava que seria interessante eu entrevistar determinado adolescente que não estava na lista, eu tratava de incluí-lo; também acabei entrevistando adolescentes que sabiam da pesquisa e pediam para serem entrevistados.

Assim, o principal critério para a seleção dos adolescentes entrevistados foi a disponibilidade que estes mostraram em querer participar, pois antes de realizar a entrevista eu falava sobre a pesquisa, sobre a garantia do anonimato e sobre a facultatividade deles participarem27.

Isto porque, como afirma Zaluar (1997), existe uma distância social entre o pesquisador e o pesquisado que deve ser amenizada a partir da empatia e da confiança, para que a pesquisa não se desenvolva a partir de uma relação hierárquica não dialógica.

Ao todo foram realizadas 25 entrevistas com adolescentes das várias alas que compõem o CEA. Dentre estas, apenas em uma entrevista eu não tive autorização para usar o gravador. Convêm mencionar que um adolescente foi entrevistado duas vezes, por dois motivos: primeiro porque ele insistiu muito em conversar comigo uma segunda vez28; segundo, porque eu percebi que ele tinha um poder de liderança significativo na instituição.

Durante a pesquisa apenas um adolescente que foi selecionado pelo perfil se negou a dar entrevista, alegando que se eu não podia ajudá-lo em nada, não tinha porque ele conversar comigo. Apesar de já ter entrevistado muitos

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É importante mencionar que os adolescentes entrevistados já me conheciam e sabiam da realização da pesquisa e das possíveis entrevistas.

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Na segunda entrevista que realizei com esse adolescente, ele se declarou apaixonado por mim. Levei na brincadeira, disse que era casada e bem mais velha que ele, e quando revelei a minha idade ele pareceu chocado e desencantado. Depois desse encontro continuei tendo contato com esse adolescente e percebi que a nossa relação permaneceu a mesma.

adolescentes, no momento em que recebi essa negativa, fiquei muito sensibilizada, pois quando eu iniciei as entrevistas com os adolescentes esperava receber negativas, mas àquela altura do campeonato esse fato me pegou como uma surpresa desagradável, mas não me desanimou.

De modo geral, as entrevistas com os adolescentes foram realizadas sempre em uma sala cedida por um dos técnicos, de forma individualizada, muito embora, as primeiras entrevistas tenham sido acompanhadas por um agente social. No entanto, ao perceber que, a presença do agente social inibia, ou amedrontava, o adolescente, tratei de dispensar, de forma discreta, a companhia do mesmo, como já mencionado nas linhas anteriores. Mas, não foram raras às vezes em que tive que interromper a entrevista por causa da entrada repentina de algum funcionário.

Nesse momento, acreditei que as entrevistas com os adolescentes me permitiriam tapar as lacunas deixadas pelas entrevistas com os técnicos; no entanto, percebi que havia algumas questões que ainda não estavam claras, parecia que faltava uma peça nesse quebra cabeça. Resolvi, então, entrevistar o terceiro grupo de atores que compõe esse cenário, os agentes sociais.

Assim, continuei com a pesquisa de campo, através da realização de entrevistas semi estruturadas, gravadas, com os agentes sociais, durante os meses de Março, Abril e Maio de 2012. Estas entrevistas foram fundamentais para a compreensão do processo que esta tese pretende analisar, tendo em vista que eu percebi outro discurso sobre o processo de institucionalização e de ressocialização, que ora se aproxima do discurso construído pelos técnicos e ora se distancia deste.

Nesta fase, entrevistei 10 (dez) agentes sociais, buscando elencar agentes de plantões diurnos e noturnos distintos, de modo que conseguisse abarcar entrevistados de todos os plantões.

No segundo semestre do ano de 2012, ao perceber que a minha presença já se tornava enfadonha no campo29, realizei duas entrevistas, uma com o diretor da instituição e uma com a vice-diretora, de forma a concluir mais uma fase da pesquisa de campo e me distanciar, temporariamente, para analisar os dados coletados.

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Como demonstrado, a entrevista foi uma das principais técnicas utilizadas na realização dessa pesquisa. Isso se deu porque eu acredito que a entrevista possibilita que atores distintos descrevam as suas vivências específicas. Assim, essa técnica combinada com a observação participante e as conversas informais me deu um amplo quadro sobre o cotidiano e as relações (re) construídas no CEA.

Como já mencionado, as entrevistas foram realizadas de forma tranquila, com raras exceções. Durante a realização das entrevistas algumas situações me deixaram embaraçada, dentre elas, as duas vezes em que fui paquerada, sendo uma vez por um adolescente e outra vez por um agente social, que me convidou para sair. Também houve uma vez em que durante a entrevista o adolescente fez inúmeras perguntas sobre a vice diretora da instituição, perguntas pessoais, como por exemplo: se ela era casada, se tinha namorado, onde morava? Outra vez me senti amedrontada por um adolescente que pediu para ser entrevistado, ele falava baixo e devagar; olhava dentro dos meus olhos e isso me intimidou bastante; porém, ao término da entrevista ele disse que me achava bonita e que pediu para conversar comigo por isso. Em outra entrevista, descobri que o adolescente que conversava comigo havia assassinado uma pessoa que eu conhecia, o ex namorado de uma amiga, fiquei surpresa e nervosa, mas dei continuidade a entrevista Por fim, depois de ter feito inúmeras entrevistas com adolescentes, e me sentir mais segura nessa relação, eu encontrei um adolescente que se negou a me dar a entrevista. Essa reação do adolescente me fez sentir um mal estar e questionar o meu papel como pesquisadora.

Mas, algumas precauções foram tomadas para que estas tivessem sucesso. Uma dessas precauções foi com relação à delimitação do meu lugar de pesquisadora, estudante da Universidade. Isto porque no início da pesquisa, várias vezes eu tive o meu papel confundido com o de funcionários técnicos da casa, da FUNDAC ou da Justiça. Assim, antes da realização das entrevistas eu deixei muito claro que não mantinha nenhuma relação direta com nenhuma dessas instituições.

Os roteiros utilizados para a realização das entrevistas encontram-se no apêndice desse trabalho, mas é importante ressaltar que as entrevistas transcorreram de forma específica com cada entrevistado, tendo em vista que as falas destes serviam de guia para os questionamentos seguintes. Assim, os roteiros

semi-estruturados serviram, apenas, para que a entrevista não perdesse o foco central do trabalho.

Para o registro das entrevistas fiz uso de gravador. Esse instrumento, por vezes, inibe o pesquisado, por isso tanto antes como depois de utilizá-lo, eu estabelecia uma conversa com o entrevistado, de modo que alguns assuntos foram registrados, mesmo durante a entrevista, apenas no diário de campo. Porém, quando utilizado, o gravador me permitiu captar, além das informações fornecidas pelos entrevistados, seus silêncios, emoções, evasões, etc.

É importante ressaltar que, de todas as entrevistas realizadas, apenas em uma, realizada com um adolescente, eu não fiz uso do gravador, pois não tive a permissão do mesmo.

Mesmo não tendo experenciado uma grande reatividade da parte dos meus informantes, situação que desanima qualquer pesquisador; muitas vezes pensei qual a relevância que a minha pesquisa teria para os meus informantes? Isso é embaraçoso e desestimulante, mas a satisfação que alguns informantes demonstravam ao se fazer ouvir acabava com as minhas perguntas.

Apesar de toda a discussão sobre “neutralidade” que ronda as ciências sociais, acredito que nenhum cientista social pode ter um controle total sobre a sua subjetividade. Assim ao adentrar o cotidiano de um grupo específico há uma influência mútua que transforma tanto os pesquisados como o pesquisador. No meu caso, após a realização da pesquisa com uma população tão heterogênea, complexa e fascinante, posso dizer que jamais serei a mesma, bem como, não terei o mesmo olhar sobre diversas questões que envolvem esses adolescentes.

A fase descrita acima é repleta de questões especificas que merecem atenção especial por parte do pesquisador, tendo em vista ser uma fase onde qualquer passo em falso coloca todo o trabalho desenvolvido a perder.

Agora, que me encontro fisicamente afastada dos meus informantes, me vejo debruçada sobre as suas falas; a bisbilhotar ainda mais as suas vidas, suas formas de organização, suas relações, seu cotidiano; tentando encontrar respostas em seus ditos e não ditos.

2.5.1 Descrição dos entrevistados30

Técnicos

1. Júlia, assistente social, trabalhava no CEA há dez anos. 2. Carina, assistente social, trabalhava no CEA há oito meses. 3. Ruth, assistente social, trabalhava no CEA há três anos. 4. Vanessa, assistente social, trabalhava no CEA há um ano. 5. Maria, psicóloga, trabalhava no CEA há seis meses.

6. Ana, psicóloga, trabalhava no CEA há sete anos. 7. Estela, psicóloga, trabalhava no CEA há um ano.

8. Dalva, coordenadora das oficinas, trabalhava no CEA há três. Adolescentes

1. Hélio, 16 anos, primeira internação. 2. Hugo, 17 anos, segunda internação. 3. Juliano, 16 anos, primeira internação. 4. Fernando, 16 anos, primeira internação. 5. Júlio, 14 anos, terceira internação. 6. Ricardo, 16 anos, terceira internação. 7. Mateus, 16 anos, terceira internação. 8. Victor, 17 anos, primeira internação. 9. Jorge, 16 anos, segunda internação. 10. Rodrigo, 17 anos, primeira internação. 11. Tiago, 16 anos, segunda internação. 12. Leandro, 17 anos, nona internação. 13. Eduardo, 17 anos, primeira internação. 14. Inácio, 16 anos, primeira internação. 15. Luiz, 16 anos, segunda internação. 16. Pedro, 16 anos, oitava internação. 17. Beto, 17 anos, primeira internação. 18. Caio, 16 anos, primeira internação.

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19. João, 15 anos, segunda internação. 20. Artur, 15 anos, primeira internação. 21. Bruno, 16 anos, primeira internação. 22. Alan, 17 anos, primeira internação. 23. Robério, 17 anos, segunda internação. 24. Raul, 13 anos, primeira internação.

25. Fábio, 14 anos, segunda internação. O adolescente não autorizou a gravação da entrevista.

Agentes Sociais

1. Ivanildo, 35 anos, trabalhava no CEA há oito anos. 2. Rui, 43 anos, trabalhava no CEA há oito anos. 3. Emerson, 40 anos, trabalhava no CEA há sete anos. 4. Carlos, 38 anos, trabalhava no CEA há oito anos. 5. Paulo, 31 anos, trabalhava no CEA há sete anos. 6. Davi, 30 anos, trabalhava no CEA há seis anos. 7. Antônio, 30 anos, trabalhava no CEA há seis anos. 8. Marcos, 42 anos, trabalhava no CEA há oito anos. 9. Germano, 44 anos, trabalhava no CEA há oito anos. 10. José, 33 anos, trabalhava no CEA há seis anos.

Gestores

1. Ronaldo, 40 anos, diretor, trabalhava no CEA há oito anos. 2. Luana, 24 anos, vice-diretora, trabalhava no CEA há um ano.