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Capítulo 2: A PESQUISADORA EM MOVIMENTO: TRAÇANDO O

2.4 Traçando o perfil dos adolescentes internos no CEA

Para analisar as pastas e traçar o perfil dos adolescentes elaborei uma ficha para registrar os dados relevantes23. Tive como resultado 99 fichas, preenchidas de acordo com as pastas dos adolescentes, que se resumem nos resultados que serão discutidos nas linhas que seguem.

Como já mencionado, o CEA é uma instituição que atende adolescentes que se encontram na faixa etária entre 12 e 18 anos, no entanto, nesta instituição é mais comum a presença de adolescentes com mais de 16 anos.

Entre os adolescentes sentenciados no CEA, 76% têm entre 16 e 17 anos, os outros 24% estão na faixa etária entre 13 e 15 anos. É importante ressaltar que no momento em que esse perfil foi traçado não havia nenhum adolescente com 12 anos sentenciado, mas durante a pesquisa pude conhecer dois adolescentes com esse perfil etário, sentenciados, na instituição.

QUADRO 1: FAIXA ETÁRIA 13 anos 2% 14 anos 8% 15anos 14% 16 anos 31% 17 anos 45% 23

O elevado índice de internos com idade próxima aos 18 anos talvez se deva ao fato de, embora os adolescentes ingressarem cada vez mais cedo no mundo do crime (MISSE, apud PAIVA e SENTO SÉ, 2007), a lei buscar medidas alternativas à internação em centro educacional, sempre que possível. Assim, apenas aqueles adolescentes que cometem atos infracionais considerados graves e/ou aqueles que descumprem medidas socioeducativas alternativas à privação de liberdade e/ou que são reincidentes é que devem ser sentenciados à privação de liberdade.

Os adolescentes com idade mais avançada são mais presentes no CEA, tendo em vista que esta não é a sua primeira internação; muitos deles ou descumpriram outra medida socioeducativa ou reincidiram. O quadro abaixo mostra a porcentagem de entradas e reentradas dos adolescentes na instituição.

QUADRO 2: SITUAÇÃO DE ENTRADA DO ADOLESCENTE Primeira entrada 15% Segunda entrada 27% Terceira entrada 10% Quarta entrada 12% Quinta entrada 8% Sexta entrada 6% Não conta 21%

Como se pode notar, 36% desses adolescentes já esteve por três vezes ou mais nessa instituição; 27% estão no CEA pela segunda vez, e apenas 15% estão na sua primeira internação.

A questão das diversas entradas de um mesmo adolescente no CEA, em nível de senso comum, pode ser justificada pela má índole ou pelo comportamento criminoso “destinado” a esses adolescentes. Já os profissionais que trabalham na instituição, justificam esse fato pelas condições socioeconômicas que os envolve, mas esta explicação nos leva ao reducionismo de relacionar pobreza à marginalização. A pesquisa nos releva, porém, que esses índices devem ser

analisados considerando as fragilidades das redes sociais que envolvem esses adolescentes.

Não se pode negar as condições socioeconômicas e culturais desses adolescentes, mas não se pode justificar o cometimento de todo ato infracional pelo fato de o “infrator” ser pobre. Se assim fosse, em um país como o Brasil muitos indivíduos seriam infratores e/ou criminosos.

De todo modo, vejam os dados que demonstram as condições socioeconômicas, culturais e educacionais desses adolescentes.

QUADRO 3: RESPONSÁVEL PELO ADOLESCENTE Pais 16% Pai 11% Mãe 52% Avós 14% Tios 3% Irmãos 2% Outros 1%

O quadro acima demonstra que mais de 50% dos adolescentes internos no CEA têm apenas a mãe como responsável; dos outros 50%, 20% não vivem sob a proteção e/ou responsabilidade nem do pai nem da mãe, estando sob a responsabilidade de outros familiares, e apenas 16% têm o pai e a mãe como responsáveis.

Os adolescentes internos no CEA, de forma geral, não estão inseridos em uma família nuclear com pai, mãe e irmãos. As famílias, em sua grande maioria são monoparentais e, mesmo aqueles que têm como responsáveis os pais, estes nem sempre moram juntos. Isto nos leva a questionar os vínculos existentes entre o adolescente e a sua família, assim como também, o papel desta no processo educacional do adolescente.

QUADRO 4: SITUAÇÃO DOS PAIS

Percebe-se, pelos dados apresentados, que apenas 15% desses adolescentes são filhos de pais que moram juntos; 30% são filhos de pais separados; 10% não conhece ou não tem noticia nem do pai nem da mãe; 21% não conhece ou nem tem notícia do pai e 5% não conhece ou não tem notícia da mãe, sendo os 18% restantes órfãos, 10% de pai, 7% de mãe e 1% de pai e mãe.

Outro elemento que chama atenção com relação às famílias dos adolescentes internos no CEA é a quantidade de pessoas que moram na mesma casa. Geralmente, a casa do adolescente comporta não só membros de sua família nuclear, mas também outros parentes, como tios, primos, avós, agregados, etc. Tal fato pode ser percebido pelo quadro seguinte, que demonstra que existem adolescentes que moram com mais de dez pessoas em uma mesma casa, casa esta que é descrita como pequena e sem a infra-estrutura necessária para a convivência dessas inúmeras pessoas.

Moram juntos 15% Separados 30% Pai ausente 21% Mãe ausente 5% Pais ausentes 10% Pai falecido 10% Mãe falecida 7% Pais falecidos 1%

QUADRO 5: QUANTIDADE DE PESSOAS QUE MORAM NA CASA DO ADOLESCENTE 2 pessoas 4% 3 pessoas 13% 4 pessoas 17% 5 pessoas 22% 6 pessoas 20% 7 pessoas 9% 8 pessoas 3% 9 pessoas 2% 10 pessoas 4% Mais de 10 pessoas 5%

Durante a pesquisa pude perceber que os locais de moradia dos adolescentes variam bastante ao longo de suas trajetórias, a partir da história de vida de cada um. Mas, de modo geral, esses adolescentes migram da casa dos pais para a casa de parentes e/ou de amigos por questões relacionadas à violência doméstica e/ou ao envolvimento com o tráfico.

Além da grande quantidade de pessoas que convivem na mesma residência, outro elemento que agrava a situação desses adolescentes é o baixo nível de renda da casa, ou seja, somando todas as rendas dos moradores que residem junto ao adolescente, percebe-se que o valor total, geralmente, não ultrapassa dois salários mínimos. Tal fato nos leva a imaginar a precária situação em que se encontram tais famílias e, consequentemente, os adolescentes que estão internos no CEA.

QUADRO 6: RENDA MENSAL Menos de 1 salário mínimo 40%

1 salário mínimo 29% Mais de 1 salário mínimo 18% 2 salários mínimos 9% Mais de 2 salários mínimos 3%

Dos adolescentes internos no CEA, apenas 30% tem uma renda familiar superior a um salário mínimo, os outros 70% são provenientes de famílias, muitas vezes numerosas, que sobrevivem com menos de um salário mínimo.

Uma das assistentes sociais do CEA resume o perfil desses adolescentes da seguinte maneira:

São adolescentes de família, originárias de baixa renda, desestruturada, e, que não têm aquela constituição formal de pai, mãe, filhos, na maioria das vezes é monoparental, ou o pai, que assume a família, ou então a mãe, que em muitos casos também vem de histórico de violência, ou o pai é assassinado, ou a mãe foi assassinada, tem histórico já com droga. Então, o adolescente vem desse espaço, né? Já fragmentado, de vulnerabilidade social (Júlia).

Snow e Anderson (1998) lembram que a família é percebida socialmente como o agente primário de socialização, e como o amortecedor institucional entre as estruturas sociais do mundo mais amplo e as estruturas psíquicas do indivíduo.

Apesar de ser importante para o controle do comportamento individual e para o equilíbrio social, a família vem, na sociedade urbana atual, deslocando-se de sua função protetora, através da redução da atração recíproca interna, em face da expansão do individualismo, e de sua consequente fragmentação de interesses pessoais, refletindo um inconformismo dos seus membros em relação aos padrões habituais de conduta e de vida (ROSA, 1973).

No entanto, apesar da descentralização das funções familiares tradicionais e da relocalização dos papéis dos indivíduos no interior da organização familiar, a família ainda é considerada um dos principais instrumentos reguladores de

organização e manutenção da vida social, onde a dissociação do indivíduo do seu lugar, nesta estrutura, imprime-lhe a condição de desequilíbrio e desajuste social.

De acordo com Snow e Anderson (1998), a erosão de uma rede de apoio familiar solidária pode levar a uma desorganização das estruturas emocionais dos indivíduos, condição que pode induzir o ingresso na rua, bem como no crime, como fuga alternativa à crise instaurada.

Nesse contexto, pode-se, não justificar, mas constatar que a maioria dos adolescentes internos no CEA faz uso de alguma substância química tida como viciante; e este uso, muitas vezes, é justificado pela falta de estruturação e orientação familiar. Ao se afastarem da família, os adolescentes acabam se aproximando de outras pessoas que estão no meio social no qual eles convivem, meio este permeado pela pobreza, pela violência e pelo tráfico de drogas. O quadro abaixo mostra as drogas mais consumidas por esses adolescentes.

QUADRO 7: DROGAS CONSUMIDAS PELOS ADOLESCENTES

Cigarro 24% Álcool 7% Cola 6% Tinner 6% Maconha 32% Cocaína 6% Crack 15%

Não tem dependência 3%

Apenas 3% dos adolescentes internos no CEA dizem não consumir nenhum tipo de droga. A maioria deles diz fazer uso de mais de um tipo de droga, porém, eles enfatizam o uso em uma ou duas delas. Dentre as drogas mais consumidas estão a maconha (32%), o cigarro (24%) e o crack (15%).

Durante o desenvolvimento da pesquisa pude perceber que o envolvimento com drogas é comum e constante na vida desses adolescentes, sendo, muitas vezes, compartilhado com familiares e amigos.

A partir do conjunto de elementos discutidos aqui pode-se compreender quem são os adolescentes que se encontram internos no CEA; esses elementos sinalizam também o descaso com relação à educação formal e nos leva a perceber quão baixo é o nível de escolaridade desses adolescentes.

QUADRO 8: NÍVEL DE ESCOLARIDADE

Analfabeto 23% Fundamental I incompleto 36% Fundamental I completo 17% Fundamental II incompleto 19% Fundamental II completo 2% Médio incompleto 2% Médio completo 0

A maioria dos adolescentes internos no CEA, pela faixa etária instituída socialmente, a nível de escolaridade, deveria estar cursando o ensino médio, porém apenas 2% deles estão nesse nível, enquanto mais de 50% desses são semi analfabetos, estando ainda no primeiro nível do ensino fundamental.

Ademais, a convivência com esses adolescentes me fez perceber que, muitos deles, apesar de estarem cursando determinados níveis de escolaridade, apresentam-se como analfabetos funcionais, o que coaduna com a pesquisa realizada por Soares e Duarte (apud, PAIVA e SENTO SÉ, 2007) no Rio de Janeiro.

Na experiência diária com esses adolescentes, o que se percebia era o fato de que, em muitos casos, a seriação declarada estava muito além das habilidades cognitivas apresentadas durante as aulas, ou seja, o grau de instrução não era compatível com o desempenho obtido nas aulas. (SOARES e DUARTE, 2007, p. 45).

Esse baixo nível de escolaridade dificulta também a participação dos adolescentes nas oficinas, já que muitas delas exigem um nível de escolaridade e conhecimento específico, sem considerar o perfil do público que deve atender.

Assim, de modo geral, pode-se dizer que os adolescentes internos no CEA são provenientes de uma situação de vulnerabilidade social, famílias monoparentais, desestruturadas, com alto número de moradores em residências pequenas e baixo nível de renda familiar. Somando-se a isso, têm-se ainda muitos casos de envolvimento familiar com uso de drogas e participação em situações de violência, o que acarreta ou influencia o adolescente a não valorizar os estudos e, consequentemente, também se envolver com o mundo da ilicitude.

Mais uma vez quero enfatizar que não estou partindo de uma perspectiva determinista de ligar pobreza à produção de violência e/ou criminalidade, mas não posso desconsiderar que no caso do Brasil essa associação se faz, sobretudo, para punir os pobres que assumem posturas de confronto com a lei. Assim, tais elementos nos levam a compreender qual a “formatação” desses adolescentes e considerar que esta pode ser proveniente, principalmente, da ‘desestruturação’ familiar que produz outras várias formas de vulnerabilidades nos indivíduos.

Isto se dá porque a sociedade contemporânea, como já mencionado, classifica a família como um dos principais eixos organizadores da vida, fonte de suporte material e afetivo dos indivíduos, e principal instituição formadora de seus valores, atitudes e padrões de conduta (GOLDANI, 2002). A instituição familiar é classificada como o espaço da solidariedade, com a função de integrar os indivíduos em redes sociais e comunitárias.

Traçado o perfil dos adolescentes internos no CEA, parti para outra fase da pesquisa, a fase das entrevistas.