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Os anos 80 ficaram marcados pela queda do socialismo de Estado a Leste e pela crise social e ecológica do capitalismo um pouco por todos os países do ocidente. Por via disso, académicos e políticos intensificaram o debate na procura de um novo modelo de desenvolvimento que pudesse explicar as desilusões passadas e inspirar o futuro. O debate em torno de fenómenos contemporâneos à escala global inclui, entre outros: a globalização na sua componente económica, mas também social e cultural; o avanço formidável das tecnologias de informação e comunicação; a crise da política clássica (democracia representativa) e o crescimento da sub-política; o crescimento da causa ecológica e da segurança dos cidadãos; a crise de instituições (como a família) e do emprego estável.

Em diferentes tons verificámos um certo alinhamento de perspectivas em favor de um modelo de Estado (e de governação) que coexista com uma sociedade civil forte e activa. Korten (1990) e Friedmann (1992) escolhem respectivamente as designações people sovereignty e empowerment para realçar a importância das pessoas terem acesso à informação, educação e outros meios que lhes possibilitem a participação activa nas acções de desenvolvimento23. Leftwich (1994) compara dois modelos de Estado, o good governance e o developmental state. O primeiro, mais próprio das democracias ocidentais, compreende um Estado mínimo (minimal state), o qual respeita os direitos humanos e coexiste com uma sociedade civil forte e diversificada e promove o pluralismo político e a separação clara entre os aspectos económicos e políticos da sociedade. Pelo contrário, o segundo modelo, democrático ou não, assenta num Estado alargado com uma burocracia poderosa e competente, que configura e dirige as políticas de desenvolvimento; é desatento face aos direitos humanos e condiciona, ou reprime, a organização da sociedade civil; e, por fim, sustenta a fusão dos interesses políticos e económicos. Na

23 É justo realçar a visão e lucidez Schumacher (1980) que, muito antes já assinalava a importância da

perspectiva de Leftwich, o sucesso do desenvolvimento económico não depende exclusivamente do modelo de Estado e, por isso, coloca a ênfase na definição de políticas realistas e eficazes face às circunstâncias dos diferentes Estados.

Numa conferência da United Nations Research Institute for Social Development, realizada em Março de 1995, em Copenhaga, Ralf Dahrendorf depois de realçar os grandes problemas actuais da sociedade, sugere “algumas modestas propostas” para pensar o desenvolvimento, a saber: o desenvolvimento deve ser “medido” não apenas por indicadores económicos mas também com indicadores de equidade social, de oportunidades, dos direitos humanos e das liberdades; o emprego estável e a possibilidade de uma carreira profissional serão cada vez mais excepções, sendo necessário articular o sistema educacional com as saídas profissionais; deve-se proceder à integração dos marginalizados e evitar os mecanismos conducentes à marginalização, como por exemplo o desemprego e a desigualdade no acesso à informação e oportunidades; é necessário contrariar os efeitos de individualização e da centralização resultantes da globalização, através do reforço do poder local e das iniciativas de desenvolvimento local; finalmente, o Estado, ao invés de ser simples guardião das regras do jogo, deve definir o “tom” da estratégia económica e social e assegurar-se de que todos os cidadãos têm acesso a serviços essenciais como a saúde e a educação, evitando a exclusão social.

Giddens, na mesma conferência, comunga das mesmas preocupações e, em 1998, actualiza o debate em The Third Way, um ensaio curto dedicado à procura de uma alternativa de modelo de Estado e de governação entre a social-democracia clássica e o neo-liberalismo. A terceira via, na óptica do autor, poderá emanar do aperfeiçoamento da via social democrática, encontrando-se as doses exactas de Estado-providência, de promoção e respeito pela cidadania, de modernização ecológica e, ainda, de gestão capaz da globalização que avança, inexorável, nos seus efeitos económicos, sociais e culturais. A globalização, no seu entender, origina uma forte corrente de poder de cima para baixo e a correspondente corrente de devolução desse poder de baixo para cima. No meio destas correntes, o Estado tem de encontrar a justa forma de intervenção e regularização, evitando ver a sua importância cada vez mais diminuída.

Giddens sugere o aprofundamento e alargamento da democracia através de uma parceria de acção entre o Estado e as organizações da sociedade civil, ou das comunidades. Em sentido lato o autor vai de encontro ao pensamento de Leftwic, sugerindo que o problema não está em haver mais ou menos Estado, mas no reconhecimento de que a governação tem de se ajustar às novas realidades da idade global (Giddens, 1998: 69). Conforme as circunstâncias, assim deve o Estado aumentar ou diminuir o seu envolvimento directo nos terrenos da sociedade civil. A retirada não significa que se deixe de apoiar os actores locais nas suas iniciativas de desenvolvimento, pois, sobretudo nas regiões mais deprimidas ou pobres esse apoio é essencial (Giddens, 1998: 75). Santos sustenta que o consenso do Estado fraco (uma das ideias fortes da globalização) que visa repor a ideia do Estado fraco para permitir uma sociedade civil forte, inicialmente defendido pela teoria política liberal, mais uma vez não colheu frutos e, por isso, diz, o relatório do Banco Mundial de 1997, dedicado ao Estado, reabilita a ideia de regulação estatal e põe o acento tónico na eficácia da acção estatal; (...) tal como o Estado tem de intervir para deixar de intervir, também só um Estado forte pode produzir com eficácia a sua fraqueza (Santos, 2001: 47-48).

Qual deverá ser então o papel reservado e assumido pelas organizações do sector intermédio? No prefácio ao livro de Patrick Boulte (1991) sobre o diagnóstico das organizações associativas, Renaud Sainsaulieu aponta o caminho realçando a necessidade

delas encontrarem o seu campo de utilidade entre os outros dois sectores, sem contudo se deixarem encurralar nas vias paralelas e marginais do terceiro sector da economia social. O autor enfatiza que as circunstâncias da modernidade são conducentes a que as organizações dos três sectores se aproximem em termos da sua organização interna e da gestão de recursos humanos e materiais, sempre no sentido da maior eficácia. Todavia, continua, jamais o mesmo poderá ocorrer quanto aos objectivos, pois neste particular as organizações associativas deverão ter sempre presentes as suas responsabilidades sociais e de promoção da cidadania plena.

Este alerta de Sainsaulieu é de rara oportunidade no contexto actual do desenvolvimento agrário português, em que as ACA tardam em afirmar a democratização interna e a capacidade de intervenção efectiva na sociedade. Se não atingirem este desiderato a consequência será a divisão dos agricultores portugueses em dois grupos: os “privilegiados”, que acedem às organizações dos três sectores; os “marginalizados” ou “desprotegidos”, que não acedem a nenhumas delas. Situação, aliás, já verificada.

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