• Nenhum resultado encontrado

6.2.1.2 Saberes profissionais implícitos Saber comunicar eficazmente

A importância da comunicação eficaz entre os técnicos e os seus interlocutores é do senso comum. É uma questão chave da educação de adultos e do desenvolvimento. Porém, aqui devemos valorizá-la pelo seu valor confirmativo, pela sua intensidade e pelos seus efeitos multiplicadores no caso concreto dos técnicos das ACA. Talvez por isso conseguimos detectar a importância deste saber em todos os episódios contados, embora com especial relevo no episódio “Cinco Sacos” e “40 Vacas em Liberdade”.

O elemento mais marcante consiste na velocidade de conversação muito elevada e na grande mistura de assuntos falados em simultâneo, dando a impressão que o tempo urge (e urge de facto) e que a ânsia de falar por parte dos associados/cooperantes é enorme. O diálogo é frequentemente entrecruzado por momentos de gracejos e de risos, pairando um ambiente de alegria. O registo oral alinha pelo do associado/cooperante. O técnico usa sempre os significantes locais em uso e, quando recorre a termos técnico-científicos, o que por vezes acontece, não se esquece de os fazer acompanhar dos significantes locais respectivos. Uma mesma ideia pode ser repetida duas, três, e mais vezes; a repetição das ideias, das perguntas e das respostas ajuda os agricultores a controlar a ansiedade que lhe advém da estranheza dos sistemas abstractos e, desta forma também, sossega os técnicos sobre a certeza de terem sido bem compreendidos. Em todas estas preocupações se manifesta o sentido técnico-estratégico e o sentido contextual na sua vertente relacional e prudencial.

A eficácia comunicacional é um dos princípios orientadores da relação dos técnicos com os actores das ACA, nomeadamente com os associados/cooperantes (cf. ponto 4.2.4.2). Como vimos então, os técnicos distinguem muito bem as capacidades comunicativas (e consequentes necessidades) dos diferentes actores (vertente relacional do sentido

contextual). A escolha do termo comunicação na relação com os associados/cooperantes, implicitamente, destina-se a assegurar que estes fiquem devidamente esclarecidos e cientes das implicações dos actos e decisões abordadas com os técnicos. Esta necessidade deriva, claro está, do elevado nível de estranheza para os associados/cooperantes dos sistemas abstractos que condicionam a sua actividade (vertente prudencial do sentido contextual). De forma implícita, os cuidados de diferenciação dos interlocutores são reveladores do sentido interpretativo-justificativo.

Relativamente à capacidade comunicacional e à preocupação com a mesma, não encontrámos diferenças significativas entre os técnicos que acompanhamos. Talvez isto se deva ao facto de Ruivo e Puga partilharem uma identidade colectiva, dado que são ambos naturais da região em que trabalham e técnicos da mesma organização. Por seu turno, Lídia, embora não sendo natural de TMAD, tem uma experiência profissional superior a quatro anos. Lídia confessou-nos (mas muitos outros técnicos o fizeram durante as entrevistas) que ao início sentia grande dificuldade em entender a linguagem dos agricultores, porém, ao fim de algum tempo, sempre superior a um ano, esse problema estava ultrapassado. Isto quer dizer que, no caso daqueles que têm de “aprender” a linguagem local, o fazem de forma gradual.

A aprendizagem dos vocábulos, das expressões, do ritmo, dos gestos, etc. (significantes locais), assim como o seu exacto contexto e indexalidade (significado), enfim comunicar eficazmente, obriga o técnico a “passar” por uma experiência profissional que estimamos em 2 ou 3 anos. A socialização primária no mesmo ambiente sociocultural, ou em ambiente análogo, facilita obviamente esta aprendizagem. O contributo da formação académica e/ou formação profissional dar-se-á, se e quando, desperta a atenção dos técnicos para a importância da comunicação e proporciona aprendizagens relativas ao distanciamento e relativização das culturas (conhecimento-informação). Este contributo é aliás reconhecido quando os técnicos “confessam” que os ensinamentos das disciplinas como a sociologia, a sociologia rural e a extensão rural, se revelam de grande utilidade na prática profissional. A terminar, um exemplo que ilustra de forma muito clara o sentido técnico-estratégico e o sentido contextual-relacional. Ruivo, depois de identificar os vitelos, mede-lhes o diâmetro do peito com uma fita métrica de costureiro; este procedimento destina-se a estimar (por regressão linear) o peso dos vitelos, e faz parte das acções do programa de melhoramento genético da raça M em curso. Um dia, quando Ruivo se aprestava para medir um vitelo o proprietário do animal, apanhado de surpresa, exclamou: Bô… agora também lhe querem fazer um casaco é, ora é? Gargalhadas. A partir daí Ruivo começou a usar esta piada quando precisava de medir os vitelos: Ora vamos-lhe a fazer um casaquinho que é agora para o frio…

Saber conciliar dois “mundos” distantes Este saber pode assumir diferentes formas e aplica-se nas mais diversas situações. É um saber construído com base nos sentidos contextuais enunciados. Talvez por isso beneficia da identificação dos técnicos com a cultura dos seus interlocutores, que é essencial, por exemplo, para que o técnico consiga ultrapassar (às vezes suportar) as dificuldades e falhas (hesitações, imprecisões, enganos, esquecimentos, etc.) dos agricultores.

O episódio que melhor ilustra este saber é o dos “Cinco Sacos”. Lídia desenvolveu o seu trabalho entre o pós-moderno (a tramitação de assuntos administrativos via Internet) e o pré-moderno (os sacos dos documentos de Pedro Verdeal). Foi um momento particularmente grato para nós, pois num mesmo lanço de olhar, pudemos ver o monitor do computador expondo os formulários e os cinco sacos de onde haviam saído os papéis que simbolizavam a singeleza de Verdeal. Outros exemplos em que observámos uma

grande contenção e muita paciência, por parte do técnico, para encontrar nova solução para os casos, às vezes, muitas vezes, com custos organizacionais (tempo, recursos materiais) e pessoais acrescidos são: o típico esquecimento do “Livro de Existências” (do efectivo bovino) em casa, o qual é indispensável para a identificação dos animais; o clássico “tocar” das vacas para o lameiro quando tinha sido combinado previamente com o técnico qualquer operação com as ditas79; a luta diária de Lídia para evitar que o sistema informático do SNIRB (qual Big Brother) apanhe desprevenidos os agricultores que confundem a “Vermelha” com a “Cereja” e “põem” a primeira a parir duas vezes em meio ano, sujeitando-se a serem penalizados. Estes e outros exemplos similares povoam o quotidiano das ACA e são, na essência, o seu produto final.

Relativamente a este saber, não encontrámos diferenças entre os técnicos que acompanhámos, o que pode significar que é intrínseca a uma postura pessoal (de cidadão) e profissional já consolidada, a que não deve ser estranho, como já se disse, o próprio processo de socialização primária e o processo de socialização secundária resultante da preparação académica dos técnicos e, claro, uma vez mais, a amizade e o respeito pelos agricultores. Este episódio é todo ele uma manifestação do sentido técnico- estratégico e do sentido contextual em ambas as vertentes, relacional e prudencial.

Saber afirmar o estatuto e o papel social/organizacional do técnico Este saber é posto em jogo quando o técnico está em interacção directa com os actores das ACA. No episódio das “40 Vacas em Liberdade” Puga resistiu até ao fim a identificar as duas vacas sem brinco pela via mais simples mas ferida de legalidade. Puga confidenciou-nos, espontaneamente aliás, que não o havia feito para não deixar passar uma imagem de facilitismo em questões legais: (…) assim não poderão dizer que alinhamos com situações de legalidade duvidosa e, além disso, de hoje para amanhã se houvesse problema a responsabilidade vinha sobre mim; tanto mais que o homem estava sempre a dizer que queria tudo legal, se queria, então teve. Na atitude de Puga pesou o facto de nos dias anteriores ter sido recomendado aos técnicos da associação M (e a Puga também) que era absolutamente necessário (norma) respeitar escrupulosamente as rotinas de trabalho (cf. ponto 4.3.7.). Questionámos directamente Puga sobre essa possibilidade, Puga pensou durante algum tempo, parecendo relembrar o processo de tomada de decisão, e deixou escapar um enigmático: É capaz de ter pesado sim, mas não pensei nisso na altura.

Deste exemplo podemos extrair várias ilações. A mais relevante é a forma sábia, equilibrada e consistente como Puga geriu a interacção face a face com Salvador. Desta maneira garantiu a observação das normas (projecção para o futuro de uma imagem de legalidade), a execução completa de todo o trabalho previsto, e a satisfação dos objectivos dos dois interlocutores, concretamente, Salvador ficou satisfeito com o trabalho e tornou- se associado. Trata-se de uma exibição de saber técnico-estratégico em primeiro lugar, mas também de saber contextual-relacional (ritmo do diálogo) e de saber contextual- prudencial (não dar exemplos de ilegalidades para o futuro e, por isto mesmo, também revelador de um certo sentido estratégico).

A capacidade de “negociação” de objectivos e os bons resultados alcançados, de facto, habilitam o técnico a enfrentar situações face a face, em que o conflito de interesses está presente. Não observámos Ruivo em tais situações mas, em situações análogas, como os

79 Para se ter uma melhor noção do que estamos a dizer pode-se imaginar, por exemplo, um dia de trabalho

do técnico em que se percorrem meia dezena de aldeias transmontanas, visitando duas ou três explorações em cada uma delas até perfazer a bonita soma de oitenta vitelos identificados (colação do brinco e registo administrativo).

“confrontos” que resultavam do processo de cobrança de quotas em atraso, Ruivo, em caso de dificuldade, invocava sempre as normas da associação (e em alguns casos aconselhava as pessoas a tratarem pessoalmente a questão na sede da associação), o que parecia indiciar uma certa partilha de responsabilidades. Isto leva-nos a pensar que a experiência profissional é indispensável à aquisição deste saber. Isto não invalida que a legitimação que advém da formação académica jogue a favor do técnico e que o mesmo pode beneficiar do conhecimento da forma de pensar, de sentir e de agir dos agricultores que, eventualmente, lhe advém de uma socialização primária “partilhada” com os mesmos.

Saber envolver o interlocutor na intervenção técnica O envolvimento é subsequente às saudações e serve para reavivar ou, no caso de ser o primeiro encontro, ajudar a estabelecer a confiança entre os interlocutores e alimentar a amizade. É frequente a conversa iniciar-se pela invocação de episódios partilhados em encontros anteriores, por exemplo: Então, senhor Francisco, não lhe voltou a morrer mais nenhum vitelo como no mês passado. É nesta fase que, muitas vezes, o técnico ouve os desabafos (que podem ser devidos a questões político-institucionais, ao infortúnio e/ou penosidade do trabalho, ou à solidão em que muitos produtores vivem, por vezes apenas com a companhia da doença da velhice e dos seus animais: a Amarela, a Mimosa, o Cordeiro…) alimentando a conversa, dando conselhos e palavras de alento e/ou incentivo, ao mesmo tempo que executa as tarefas previstas (sentido contextual-relacional). Neste processo o técnico “aproveita” para fazer o reconhecimento da situação, ponderando factores como: o estado de espírito dos criadores, a idade e faculdades psicomotoras dos mesmos e as condições (ou condicionantes) técnicas em que irá decorrer a intervenção, condições de segurança e de estabulação, sobretudo (corresponde ao diagnóstico descrito no saber manusear animais adultos). Por exemplo, nas operações de pesagem e de identificação de vitelos, o técnico tem de aferir a ajuda que pode esperar e/ou pode solicitar aos proprietários dos mesmos.

Este saber revela sentido técnico-estratégico (ajuda a decidir entre várias formas de executar as tarefas), sentido contextual-relacional (conversação) e prudencial (avaliar a capacidade e/ou disposição do interlocutor).

Todos os técnicos que observámos desencadeiam este processo de envolvimento, embora, como é natural, os mais experientes, e/ou os que são mais da confiança dos associados/cooperantes, o façam de forma mais fácil e dele tirem mais proveito (sentido contextual-relacional mais desenvolvido). Este saber também beneficia dos ensinamentos específicos mobilizados a partir da formação académica e/ou profissional.

Saber executar, ouvir e aconselhar em simultâneo Este saber consiste no facto do técnico ser capaz de executar procedimentos práticos (saberes explícitos, como por exemplo colocar as marcas auriculares num animal) e, simultaneamente, manter a conversação atenta com os interlocutores (normalmente agricultores) e ainda aconselhá-los do ponto de vista técnico. Encontrámo-lo de forma mais vincada no episódio “40 Vacas em Liberdade”.

A importância da simultaneidade advém do ritmo muito acelerado das visitas dos técnicos às explorações e do volume de trabalho que têm de executar em cada uma. A execução das funções em separado, tal como é feita pelos técnicos menos experientes ou habituados, é mais demorada, obrigando o técnico a ficar mais tempo em cada exploração ou, em alternativa, a dispor de menos tempo para a conversar e/ou aconselhar os

agricultores. Uma alternativa e outra acontecem e são ambas indesejáveis do ponto de vista das necessidades dos agricultores e, por consequência, da utilidade das ACA.

Este saber é totalmente inacessível por entrevista e só a detectámos porque tivemos a oportunidade de observar três técnicos diferentes em acção, em funções similares, durante o trabalho etnográfico. Ruivo e Puga evidenciam grandes diferenças relativamente a esta capacidade. Ruivo, menos experiente, menos conhecido dos associados/cooperantes (e talvez também por isso mais reservado), concentra-se nas suas tarefas técnicas (procedimentos de brincagem e/ou pesagem de vitelos, sobretudo) alienando-se, aparentemente, do que os seus interlocutores dizem. Nos “intervalos” dos procedimentos práticos, ou então antes ou depois do trabalho realizado, conversa.

Puga é muito diferente, pois executa, conversa, aconselha, tudo ao mesmo tempo e a grande ritmo. Para melhor entendermos a acção de Puga sintetizemos as situações- problema que enfrentava, a saber: não conhecia pessoalmente o criador; não dominava as características técnico-produtivas do sistema de produção em causa (extensivo de montanha); pouco sabia dos aspectos produtivos e legal-burocráticos dos animais que constituíam a vacada; o criador ainda não era associado da associação M e Puga queria que ele se tornasse associado, por isso, como nos confidenciou, tinha de dar uma boa imagem (garantias) de si e da associação M. O único ponto de referência de que Puga dispunha em relação a esta exploração era o relato de uma tentativa prévia, realizada algumas semanas antes por outro colega da associação que, todavia, não conseguiu identificar os animais, devido à inexistência de uma manga de maneio que facilitasse a condução dos animais até ao tronco e também às péssimas condições meteorológicas que se verificavam nesse dia.

Durante o episódio do Montesinho, enquanto ia colocando as marcas auriculares nas vacas, Puga emitia constantes mensagens de incentivo sobre: (1) a boa condição corporal dos animais, que sancionava positivamente a decisão (até aí não tida como certa) de criar vacas M em regime extensivo em pastagens tão peculiares (e diferentes das do solar da raça) como as das serranias do Montesinho, aliás o próprio criador experimentava também algum alívio e satisfação dizendo que O monte cria bem as M, desmentindo a voz corrente (entre os seus pares) de que estes animais não medravam bem na serra; (2) o facto de o trabalho de identificação dos animais estar a correr bem o que, por um lado, permitia pensar que o sistema de produção livre não inviabilizava a execução de práticas de maneio que exigem a contenção dos animais e, por outro lado, demonstrava a eficácia “Dos de Malheiros” e sua disponibilidade para as acções futuras; (3) mensagens de aconselhamento sobre a necessidade de proceder a acertos técnicos na manga improvisada, da aquisição de uma balança para controlar o crescimento dos vitelos e a substituição do macho reprodutor por outro melhor. Estas mensagens seguiam-se sempre ao tal pedido do criador para identificar as duas vacas sem brinco e tinham como finalidade clara melhorar os parâmetros técnico-produtivos da exploração, isto é, tinham também uma projecção no futuro.

Porquê tão grande diferença entre Ruivo e Puga? Uma das explicações possíveis reside no facto de que a volta mensal (volume de trabalho, traduzido em aldeias e explorações visitadas - Anexo 2) de Ruivo ser reconhecidamente bastante mais leve do que a volta mensal de Puga. Numa saída de campo que realizámos com o colega de brigada de Puga (a brigada de campo de Bragança é composta por dois elementos), ainda mais inexperiente que Ruivo, mas a quem é reconhecida a rapidez e eficácia do seu trabalho (algo que pudemos comprovar, pois nunca numa só saída tínhamos visitado tantas aldeias, tantas explorações e identificado tantos vitelos e vacas) encontrámos razões para declinar tal hipótese. Pois, de facto, embora muito mais rápido que Ruivo nos

procedimentos técnicos, tal como ele este também “separa” os momentos de execução prática dos procedimentos dos momentos de conversa e/ou aconselhamento. Então a explicação só poderá vir do elevado sentido contextual-procedimental e sentido contextual-relacional exibido por Puga.

A simultaneidade favorece a continuidade e fluidez da interacção, pois permite alcançar muito rapidamente uma série de objectivos (do técnico), designadamente: identificar os animais, consciencializar o agricultor da importância de introduzir melhorias nas práticas de maneio, ganhar a sua confiança, fazê-lo associado e transmitir uma imagem de eficácia e idoneidade da organização que representa. Registámos como que um reforço mútuo, sinergia, entre as três acções que permitiam elevar o nível de eficácia da execução das tarefas. Eficácia traduzida na rapidez de execução (porque são simultâneas) mas também na qualidade das mesmas. Por exemplo: um criador de vacas perceberá melhor a necessidade de instalar uma manga de maneio para a condução dos animais no momento em que ela está a fazer falta (leia-se quando tem de correr atrás, ou às vezes à frente, das vacas).

Em termos de sentidos do uso do conhecimento, neste saber é manifesto o sentido técnico- estratégico e sentido contextual-relacional.

A simultaneidade das acções revela que os procedimentos (as palavras, os gestos técnicos, a postura do corpo, etc.) e a sequência de procedimentos estão altamente interiorizados. Talvez possamos falar então em algo para além dos sentidos referidos. Talvez estejamos em presença de um caso de acção prática sem consciência, que é a forma implícita e menos formalizada dos saberes prático-contextuais (Caria, 2003a: 19), inspirado no modelo de desenvolvimento/aprendizagem do conhecimento de Sun (2002), e que é regulada pelo habitus. Todavia, a prática sem consciência não significa que não haja reflexão anterior e/ou posterior à acção. Puga confirmou essa reflexão, mas não se “lembra” de no momento fazer uso do produto da mesma. Talvez seja nisto, afinal, que reside a diferença entre um profissional de determinado ofício e um, digamos assim, aprendiz do mesmo ofício. Mas, poder-se-á perguntar, quanto anteriormente e quanto posteriormente à acção tem lugar a reflexão? Há uma passagem deste episódio que nos dá pistas de que a reflexão pode ter lugar em momentos imediatamente anteriores à acção ou até durante a acção. De facto, logo no início do primeiro dia, o agricultor fez saber a Puga de que queria identificar as duas vacas que ainda não estavam identificadas para, segundo as suas palavras, ter tudo legal para a candidatura ao subsídio das raças autóctones. Pensámos, e depois confirmámos, que Puga jamais perdeu o sentido a estas palavras e optou pela via de identificação mais complexa porque, justificou: Ele [agricultor] queria tudo legal… Pois, se queria teve, não podia dar maus exemplos. Isto leva-nos a levantar a hipótese de que o ouvir do saber “Executar, ouvir e aconselhar simultaneamente” não se trata apenas de ouvir as pretensões, solicitações e desabafos criador, mas também da incorporação dessas “mensagens” na atitude e comportamento profissional a tomar. Isto pode querer dizer duas coisas: ou que a prática sem consciência, o habitus ou a ritualidade, pode ser entrecortada a qualquer momento; ou, que essa prática sem consciência inclui a capacidade de estar atento a mensagens que podem ser relevantes para a acção.

Outline

Documentos relacionados