• Nenhum resultado encontrado

No que toca à situação profissional, os principais indicadores encontram-se expressos no Quadro 5.3.

Relativamente à autonomia do técnico, em termos gerais, a nota dominante é a de uma grande autonomia. Nas próprias palavras dos técnicos: Autonomia no trabalho? Até temos demais, nem queríamos tanta!

Tendo em vista uma apreciação mais profunda da autonomia, submetemos as variáveis estudadas (oito) a uma redução factorial pelo método ACP, obrigando à extracção de três componentes, correspondentes a três tipos hipotéticos de autonomia: técnica (base), intermédia e estratégica73. As variáveis resultaram agrupadas em componente da autonomia técnica (tarefas técnicas, gestão de recursos materiais e tarefas de animação); componente da autonomia intermédia (tarefas administrativas e tarefas de gestão); e componente da autonomia estratégica (acções estratégicas, participação na definição do

72 A propósito dos Secretários Técnicos, está a decorrer o debate e o processo político-legal de constituição

do Estatuto do Secretário Técnico, que clarifique as funções dos mesmos e a consequente integração nos quadros do Ministério da Agricultura ou das próprias ACA. A situação actual é ambígua e dá azo a situações mais ou menos caricatas em que, por vezes, devido a atrasos no pagamento dos serviços prestados ao Estado pelas ACA, os honorários dos Secretários Técnicos são suportados pelo orçamento da ACA, quando de facto, estatutariamente falando, eles são trabalhadores do Estado (Actas do I Congresso das Organizações Gestoras das Raças Autóctones; Santarém, 20-22 Fev. de 2003).

plano de actividades da ACA e a gestão de recursos humanos). A “inclusão” da gestão de recursos humanos na componente da autonomia estratégica é inesperada, pois esperávamos que ela integrasse a componente de autonomia técnica. Talvez isto se deva a alguma parcimónia dos técnicos em assumirem a “gestão” dos seus colegas de trabalho, muitos dos quais mais antigos na organização, ou então companheiros desde há muito tempo. Relembre-se que as ACA são organizações de pequena dimensão, em que o relacionamento entre funcionários extravasa, em muito, o estritamente profissional.

Quadro 5.3 – Representação da posição detida pelos técnicos na ACA Autonomia técnica Elevada ou muito elevada

Média Pouco ou nula 79,5% 14,9% 5,6% Autonomia intermédia

(administrativa e gestão) Elevada ou muito elevada Média Pouco ou nula

57,7% 30,6% 11,7% Autonomia estratégica Elevada ou muito elevada

Média Pouco ou nula

44,4% 37,8% 17,8% Expectativas realizadas* Ver resultados positivos do seu trabalho

Gostar do trabalho que fazem Sentimento de utilidade Outras 44,4% 33,3% 28,9% 13,3% Expectativas não realizadas* Limitações à intervenção técnica

Disfunções do associativismo/cooperativismo Condicionalismos político-legais Limitações da ACA Pessoais Remuneração baixa Outras Nenhuma 31,9% 29,8% 10,6% 8,5% 8,5% 8,5% 23,4% 10,6% Estratégias pessoais para

alcançar as expectativas não realizadas*

Modificar a ACA Trabalhar mais Difícil/não sei como

Sair do associativismo/cooperativismo Outras 33,3% 31,0% 23,8% 4,8% 21,4% Alternativas em caso de

perda do emprego actual*

Algo similar

Dar formação profissional Empresário agrícola

Qualquer coisa dentro do sector agrícola Qualquer coisa fora do sector agrícola Constituir um gabinete técnico privado Dedicar-se à elaboração de projectos Outros 29,2% 27,1% 18,8% 18,8% 16,7% 16,7% 8,3% 14,6% *Alguns técnicos apontam mais do que uma alternativa.

O destaque vai para a autonomia profissional técnica, que é elevada ou muito elevada para 79,5% dos técnicos. Dentro desta destaca-se a inerente à execução das tarefas técnicas; a autonomia na gestão dos recursos materiais afectos aos técnicos e nas tarefas de animação segue um comportamento semelhante, embora mais modesto. A primeira explica-se pela especificidade e complexidade das tarefas técnicas, em conjugação com o desconhecimento das mesmas por parte da maioria de dirigentes e associados. Ambas, por sua vez, explicam a autonomia relativa aos recursos materiais afectos. Quanto à autonomia nas tarefas de animação, lembramos que muitos técnicos as consideram como tarefas técnicas.

A autonomia intermédia (tarefas administrativas e de gestão), embora assinalável, é comparativamente mais moderada que a autonomia técnica. Ainda assim, é considerada

elevada ou muito elevada por mais de metade dos técnicos (57,7%). Na opinião da maioria, isto deve-se a uma certa ausência física e/ou “intelectual” de muitos dirigentes e à passividade da maioria dos associados. É possível que a diferença para a autonomia técnica se deva, em parte e em algumas ACA, a uma restrição auto-imposta pelos técnicos, que assim se “livram” de responsabilidades acrescidas (as tarefas administrativas e de gestão, envolvem, frequentemente, operações com dinheiro, tratamento de informação e procedimentos institucionais que, no seu conjunto, são de grande responsabilidade).

A autonomia estratégica é mais modesta comparativamente à autonomia técnica e intermédia. No entanto, ainda se encontra a níveis elevados, o que se deve, provavelmente, à já referida “ausência” dos dirigentes.

Alguns técnicos referem flutuações no nível de autonomia, conforme o estilo de liderança da direcção da ACA. Quando esta flutuação é brusca e no sentido da diminuição da autonomia do técnico, criam-se situações de evidente mau estar, sobretudo quando a autonomia técnica é afectada. Foi-nos também referido que a autonomia é uma conquista gradual, dado que esta cresce à medida que o técnico vai elevando os seus níveis de auto- confiança, ganhando a confiança dos associados e dirigentes, e conquistando o seu “território” no confronto com os seus colegas técnicos da mesma organização. O teste de Kruskal Wallis não regista qualquer diferença com significado estatístico por tipo de ACA74, para a autonomia estratégica (KW= 0,1; p=0,995), intermédia (KW=1,6; p=0,653) e técnica (KW= 3,4; p=0,334).

Os resultados vão ao encontro da perspectiva de Friedberg em o “O Poder e a Regra” (1993), a qual concede predominância ao jogo dos actores (interacção) sobre a estrutura e burocracia organizacional. Por outro lado, uma certa ausência (quer física, quer directiva) dos dirigentes e associados/cooperantes, em parte explicada pelo modesto nível educacional geral dos mesmos, leva a que os técnicos detenham o “poder” que emana da “incerteza” que o domínio dos aspectos técnicos propicia.

Por outro lado, ainda, a forma tolerante como os técnicos assumem o seu enquadramento profissional nas ACA depende mais da “força” do seu estatuto ou diploma superior do que da natureza das tarefas realmente desempenhadas. Isto vai de encontro à ideia de que a legitimação de hierarquia salarial pela formação superior, particularmente da distinção entre quadros e não quadros, está menos ligada ao lugar ocupado na divisão do trabalho de enquadramento do que ao tipo de estatuto ou diploma possuído (Bouffartigue, 2001: 4). De facto, são mais frequentes e mais incisivas as queixas dos técnicos das ACA sobre o eventual não reconhecimento (e compreensão profunda) do seu trabalho que as queixas relativas aos aspectos salariais. Todas estas razões são concorrentes para um processo de construção identitária mais orientado pela lógica da subjectivação (Dubet, 1996).

Passando às expectativas profissionais, elas de certa forma indiciam a situação dos técnicos entre a identidade profissional desejada e a possível.

Relativamente às expectativas profissionais destaca-se a percepção da utilidade do seu trabalho concretizada nos progressos das pessoas e do próprio desenvolvimento agrário. Estes progressos traduzem desafios profissionais (e pessoais) dos próprios técnicos, entre outros: prémios em concursos, desenvolvimento de marcas de produtos agrícolas tradicionais, reconhecimento de estatuto de espécies em vias de extinção, dezenas de cursos de formação concretizados, centenas de projectos de investimento elaborados e/ou

executados. Em muitos casos, estes desafios assentam, uma vez mais, na capacidade de relacionamento humano com os associados e no esforço tremendo para os incentivar a melhorar o seu desempenho técnico e associativo/cooperativo. Esta percepção de utilidade proporciona aos técnicos um sentimento de realização pessoal e profissional. Ainda no campo das expectativas profissionais concretizadas, cerca de um terço dos técnicos invoca a oportunidade de trabalhar naquilo que gosta, onde podem expressar a sua apetência pelo contacto com as pessoas, com o campo e com os animais, e ainda pela variedade de tarefas que realizam: Saímos todos os dias para o campo, mas é sempre diferente! Duro, mas diferente! Eu não me dou fechado atrás de uma secretária. Este sentimento é, julgamos, reflexo da socialização em ambiente de proximidade à agricultura e à ruralidade.

No tocante às expectativas não realizadas, contrasta com o anterior relativamente à grande variedade de respostas, bem ilustrada pelas diferentes categorias, assim como pela importância relativa da categoria “outras”. As limitações à intervenção técnica e as disfunções do associativismo e cooperativismo em relação ao idealizado e interiorizado na formação académica, constituem as grandes frustrações profissionais e mais não são do que as duas faces da moeda.

Quanto às disfunções do associativismo e do cooperativismo, os técnicos referem e relacionam-nas com a “ausência” e o “individualismo” da maioria dos associados e de alguns dirigentes (Gráficos 4.5 e 4.6); nos casos mais extremos (três casos) esta frustração leva os técnicos a sair da ACA onde trabalham para criar uma nova ACA ou empresa privada onde possam prosseguir, a seu gosto, as mesmas actividades. No caso das limitações de âmbito legal e político-institucional, os técnicos referem-se, no primeiro caso, às restrições impostas pelo código cooperativo e, no segundo caso, ao facto das ACA estarem dependentes das “actividades” financiadas pelos diferentes programas e medidas de política agrícola nacional e da EU, as quais, nem sempre, são as mais pertinentes face às circunstâncias da realidade. Concretamente, há mais recursos disponíveis para “actividades” de índole administrativa e burocrática do que de índole técnico-produtiva e, por outro lado, as preocupações (objectivos) desses programas e medidas mudam mais vezes que o desejável e suportável pela relativa (e natural) imobilidade (aqui no sentido positivo) da actividade agrária. Dentro das limitações das ACA (as particulares da ACA em que o técnico trabalha), é referida: a escassez de meios materiais, como viaturas para as deslocações ao campo; a concentração excessiva do esforço dos técnicos nas tarefas administrativas/burocráticas; e, algumas actividades ou serviços que poderiam ser disponibilizados aos associados mas não o são, porque estes não são em número suficiente para as rentabilizar (secções de protecção integrada, de defesa sanitária e de sapadores florestais, por exemplo).

A referência à remuneração é escassa, porém, noutras fases da entrevista (e/ou da conversa posterior) ouvimos referências explícitas a esta questão. A baixa remuneração é uma expectativa frustrada, mas é minimizada por um certo reconhecimento (aceitação?) das dificuldades do mercado de emprego e das dificuldades de sustentabilidade financeira da generalidade das ACA. Outro factor que pode contribuir para essa minimização reside na manutenção, em paralelo, de outras actividades remuneradas, assim como, em alguns casos, o facto de os técnicos estarem em início de carreira.

Isto leva-nos às estratégias pessoais para alcançar as expectativas não realizadas ou para mitigar as frustrações que emanam das mesmas. Uma vez mais, a variedade de sugestões é muito grande, embora, neste caso, tenhamos tido alguma facilidade em agrupar algumas dessas sugestões. Modificar a ACA inclui várias estratégias: “pressionar” a

direcção no sentido de se mostrar mais aberta à inovação e diversificação das actividades, sobretudo no caso das cooperativas que têm recursos e “teimam” em cingir-se aos aspectos comerciais (ironicamente chamadas de “comprativas”); “seleccionar” os associados, no sentido de concentrar esforços naqueles que queiram cumprir com os direitos e deveres estatutários, nomeadamente através de uma participação mais activa; encontrar sinergias entre organizações congéneres no sentido de alargar o leque de serviços disponibilizados e alargar a base social das ACA. Por seu turno, para os técnicos, trabalhar mais, significa: incrementar (ainda mais) o tempo dedicado ao atendimento personalizado aos agricultores; levar a cabo tarefas estruturantes, como actualização de ficheiros e realização de cadastros e registos; melhorar o nível pessoal de competência técnica e cognitiva pela via da formação académica e profissional. Cerca de um quarto dos técnicos diz que é difícil inverter a situação ou então não sabem bem como o fazer. Outros apontam ainda algumas estratégias de alcance mais pessoal, em resposta a expectativas também elas de âmbito mais pessoal. Como já dissemos, alguns, poucos, tencionam sair. Finalmente, no sentido de perscrutar um pouco mais a forma como os técnicos vislumbram o seu futuro profissional, colocámos a seguinte questão: Imagine que ficava sem este emprego, que estratégia profissional seguia? As respostas surgiram normalmente acompanhadas pela expressão: Já tenho pensado nisso... Apenas 16,7% dos técnicos desejam, ou admitem, a mudança de sector. Os restantes apontam uma ou mais alternativas dentro do sector agrário, mas por uma via alternativa ao associativismo e cooperativismo. Isto é congruente com muitos dos indicadores estudados anteriormente, em particular com os motivos de escolha da profissão de técnico de uma ACA que, como vimos, era minoritário. Destaque para a apetência dos técnicos para se tornarem formadores, o que é explicado, pelos próprios, pelo gosto que sentem em ensinar os agricultores. Em alguns casos, este gosto indicia um certo desejo, não escondido, de uma situação profissional mais diferenciada, mais parecida com a de professor, por exemplo.

Outline

Documentos relacionados