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3.2.2.2 Acompanhamento do quotidiano profissional dos técnicos das ACA A investigação etnográfica tem como filiação científica a antropologia Desta filiação

3.3 O DECURSO DO TRABALHO DE CAMPO

Atendendo a complexidade das opções metodológicas tomadas impõe-se uma descrição detalhada da sua aplicação.

3.3.1 - As entrevistas

Foi mais fácil garantir a realização das entrevistas junto das associações e centros de gestão do que junto das cooperativas e adegas cooperativas. A maior dimensão, uma hierarquia mais complexa, os interesses comerciais e a pressão da sociedade sobre o cooperativismo (no presente e no passado) compõem o conjunto de razões que levam os dirigentes e técnicos das mesmas a pretender conhecer melhor os nossos objectivos antes de aceitar a entrevista.

As cinquenta entrevistas decorreram de Março a Julho, tendo o processo, no geral, decorrido de forma mais simples que o esperado. Nenhuma organização se escusou a ajudar-nos. Há no entanto a referir que a partir da quadragésima, sensivelmente, se tornou cada vez mais difícil obter a marcação e realização das mesmas. Este facto, associado a uma certa “repetição” do sentido das respostas, fez-nos sentir que poderíamos parar no limiar mínimo da amostra estabelecido, que corresponde a cerca de um terço do total do universo. O nível médio de realização de Q1 em relação ao número de ACA que foram contactadas e que tinham pelo menos um técnico superior é da ordem dos 50%, excepto para o caso das cooperativas do sector olivícola, em que realizámos a única entrevista possível. Eliminamos uma entrevista, pois o técnico (antigo regente agrícola) assumia predominantemente o cargo de presidente da ACA e não de técnico da mesma. Este entrevistado, que possuía uma experiência como técnico do Ministério da Agricultura e como dirigente associativo, não se deixou enquadrar pelas questões do questionário Q1, e tivemos de optar por o ouvir simplesmente e aproveitar a sua imensa sabedoria em relação ao associativismo e ao cooperativismo, o que também foi muito útil para o nosso objectivo.

As entrevistas tiveram duração variável entre uma e três horas. Em muitos casos a conversa prolongou-se por mais algum tempo após a conclusão dos questionários, ora em visitas às instalações, ora conversando descontraidamente sobre assuntos tão diversos como: o associativismo e cooperativismo e aspectos da vida profissional dos entrevistados (“continuação” da entrevista); assuntos da vida profissional do entrevistador; e assuntos banais, pois alguns dos entrevistados eram ex-colegas e ex-alunos e, portanto, tratava-se de um reencontro. Apercebemo-nos que alguns entrevistados “procuravam” saber também a nossa opinião sobre os assuntos falados e sobre outros que achavam pertinentes; alguns procuravam, de forma indirecta, obter uma espécie de “avaliação” do seu desempenho na entrevista. Despedimo-nos com a sensação de que, mais tarde ou mais cedo, nos encontraríamos outra vez para falar do assunto. Em alguns casos ficou o nosso compromisso formal de devolver os resultados do nosso estudo: Olhe que eu gostava de ver o resultado disso...

Nas entrevistas, o questionário Q2 foi sempre realizado no final de Q1, pois a sua importância face aos nossos objectivos era menor; em alguns casos, nomeadamente em situação de manifesto cansaço, optamos por deixar o Q2 com o entrevistado para preenchimento e devolução futura, o que se viria a verificar, embora em alguns casos com bastante atraso e depois de algumas insistências nossos (via telefone).

A aplicação do Q1, no geral, não colocou grandes dificuldades ou embaraços aos entrevistados. Todavia, frequentemente, fomos interpelados acerca do que realmente pretendíamos saber com algumas questões, concretamente:

• Na questão 2.5 pedíamos aos nossos entrevistados para enquadrar as tarefas concretas que executavam na organização pelas categorias: tarefas técnicas, tarefas de gestão, tarefas administrativas, tarefas de animação e outras tarefas. A categoria tarefas de gestão e tarefas de animação, frequentemente, provocava hesitações da parte dos nossos entrevistados. As primeiras, porque se confundiam facilmente com a gestão de grupo praticada nos centros de gestão, as segundas porque o termo é claramente pouco familiar a muitos técnicos. Embora fosse nossa intenção inicial que os próprios técnicos definissem estes conceitos, tivemos que ceder para evitar mal entendidos e esclarecíamos que: por tarefas de gestão entendíamos aquelas que dizem respeito gestão dos recursos financeiros, materiais e humanos da ACA, bem como das acções de desenvolvimento da mesma; por tarefas de animação as que visam elevar nos associados/cooperantes atitudes e comportamentos de cooperação. É um desvio em relação ao objectivo inicial, mas os ganhos compensam as perdas, como adiante veremos.

• Na questão 2.8 pedíamos para nos indicarem o grau de satisfação/concordância em relação aos recursos e alcance dos resultados da ACA. Não registámos dificuldades nas respostas, simplesmente algumas foram desdobradas, pois os entrevistados reconheciam diferenças dentro de cada uma das questões, por exemplo: atribuíam graus de satisfação diferentes aos resultados práticos das tarefas técnicas e burocráticas que executavam.

• Na questão 3.1 pedíamos uma definição de associativismo e cooperativismo, enfatizando que não pretendíamos uma definição académica, mas sim elaborada a partir daquilo que viam e ouviam na realidade. As dificuldades eram muitas e, muitas vezes, a definição dada era muito genérica e quase “académica”. Outras vezes havia a tendência para enumerarem os problemas e/ou vantagens do associativismo e cooperativismo, que eram as nossas questões seguintes. Por via disto resolvemos passar a fazer primeiro as questões 3.2, 3.3, 3.4, e 3,5 e só depois pedir a definição.

• A questão 3.6 conduziu a uma situação inesperada, dado que muitos entrevistados pareciam ficar “felizes” por alguém compreender as dificuldades mais profundas que enfrentam, e expressavam esse sentimento: Pois, é exactamente isto...; Ora aqui está o que eu queria dizer...; Ah, afinal você sabe muito disto...; Bolas, você ainda consegue ver mais problemas que eu... Este momento marcava uma mudança no clima da entrevista, que passava a ser de muito mais confiança e abertura entre entrevistado e entrevistador, possibilitando trocas intensas de opiniões. Apesar da nossa reserva (ensaiada e deliberada) não podíamos continuar a ser meros ouvintes e tivemos de nos envolver no diálogo. Alguns entrevistados encetavam um monólogo, em voz alta, enquanto hesitavam onde colocar a cruz, quase esquecendo o entrevistador; em alguns casos esta questão levou cerca de 30 minutos a ser respondida. Por este motivo, após as primeiras entrevistas, passámos a usar um bloco de apontamentos onde íamos registando alguns passos do diálogo e/ou do monólogo. Isto faz-nos pensar de que nem sempre se verifica o que está prescrito na ortodoxia da investigação sociológica clássica. De facto, com alguns entrevistados, por causa

do monólogo em voz alta, foram as questões fechadas que deram origem a “respostas” mais elaboradas e profundas.

• As questões 4.6, 4.7 e 4.8 sobre os princípios que orientam a relação profissional dos técnicos com os colegas técnicos e funcionários da organização, e com os dirigentes e associados/cooperantes da mesma, deram origem a respostas aquém das nossas expectativas. Os entrevistados mostravam-se um pouco surpreendidos e respondiam de forma “seca”, acrescentando frases do género: a resposta está em tudo aquilo de que vimos falando, referindo-se quase sempre aos problemas apontados e também às expectativas concretizadas e falhadas. Nessa altura anuímos de que a entrevista única não é a forma mais indicada de estudar estas questões, e não é. Porém, aquando da interpretação dos dados da entrevista, compreendemos o verdadeiro significa da frase anterior, de facto, uma resposta “seca”, invocando um ou dois princípios, era profundamente eloquente porque dava pleno sentido ao que antes havia sido dito.

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