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3. Representações sociais

3.2. Sociedade pensante e representações sociais

Entender a sociedade como pensante é um dos pontos de partida da teoria moscoviciana. Ao sugerir que as sociedades são pensantes, Moscovici (2005a) propõe que os grupos sociais pensam por si, produzindo e comunicando suas explicações, soluções e representações para questões que colocam a si mesmos. Por meio da conversação e em locais públicos variados – de bares a hospitais – os indivíduos analisam, debatem e formulam suas próprias “teorias”, que mesmo consideradas não-oficiais, nortearão suas relações e seus comportamentos.

Para Moscovici (1978), dentro de seu grupo social, os indivíduos atuam como “sábios amadores”. Utilizando essa expressão, Moscovici chama a atenção para aqueles indivíduos, que mesmo sem serem especialistas sobre determinado assunto, propõem-se a discuti-lo, na busca de um entendimento sobre o mesmo. Segundo o autor, todas as pessoas são “sábios amadores” em um domínio ou outro. Considera que tanto estes quanto os especialistas portam saberes e conhecimentos, porém usam ferramentas diferentes para construir suas teorias e explicações, assim como têm fins diversos.

Nada nos impõe a prudência do especialista, ou nos proíbe de reunir os elementos mais díspares que nos são transmitidos, de incluí-los ou excluí-los de uma classe “lógica”, de acordo com as regras sociais, científicas e práticas de que dispomos. A finalidade não é ampliar o conhecimento, é “estar ao corrente”, “não ser ignorante” nem ficar fora do circuito coletivo. (MOSCOVICI, 1978, p. 55)

Ao destacar a nova expressão, o autor reforça a existência de diferenças entre esses dois grupos de sábios, sem minimizar qualquer um deles. Esta ação harmoniza com sua teoria, que trata de revigorar e dar lugar ao senso comum, isto é, às teorias emergentes e circulantes no grupo de “sábios amadores”.

Esforçando-se para se manterem incorporados ao circuito coletivo, os “sábios amadores” empenham-se em transformar o conhecimento indireto, transmitido por especialistas, num conhecimento direto com o qual possam lidar. Para que essa transformação ocorra, esse conhecimento indireto adentra no “mundo da conversação”, onde os indivíduos trocam informações entre si, reafirmam os hábitos coletivos e assumem uma posição de conhecedores sobre o assunto por meio de “falatórios” variados. Assim, longe de serem sujeitos passivos que simplesmente obedecem, registram e reagem a estímulos externos, são ativos e imaginantes no

processo de dar sentido a seu mundo. Conforme Moscovici (1978, p. 56), “eles possuem o frescor da imaginação e o desejo de dar um sentido à sociedade e ao universo a que pertencem.” Portanto, a Teoria das Representações Sociais devolve aos indivíduos sua posição de sujeitos ativos, na medida em que os considera capazes de pensar e elaborar as informações que lhe são apresentadas, gerando um conhecimento próprio.

Considerando os indivíduos como “sábios amadores”, interessa saber onde os mesmos se inserem dentro da sociedade pensante. Para tanto, considera-se a distinção entre dois universos de conhecimento próprios da cultura contemporânea: o universo reificado e o universo consensual. Conforme Arruda (2002), tais universos possuem propósitos distintos, sem que isso signifique isolamento ou hierarquia entre eles. Ao contrário, ambos são eficientes e necessários à vida humana.

Segundo Moscovici (2005a), no universo reificado, a sociedade é transformada em entidades sólidas e sem identidade e tudo é visto como objeto isolado. Desse modo, as coisas são a medida do ser humano. Existe uma atmosfera impessoal, hierarquicamente organizada em papéis e classes e os indivíduos são tidos como desiguais, sendo a competência adquirida o que os habilita a falar sobre dado assunto. Apenas os especialistas podem se pronunciar sobre suas especialidades. A finalidade do universo reificado é delinear a realidade que é independente de nossa consciência, encorajando a precisão intelectual e a evidência empírica.

No universo consensual, a sociedade é tida como palpável, com características humanas, sentido e finalidade. Aqui, o ser humano é a medida de todas as coisas. Os indivíduos buscam identificar-se e integrar-se com o grupo, sendo todos vistos como iguais, livres e capazes de expressar suas opiniões. Todos os indivíduos são considerados competentes para falar pelo grupo. Sua finalidade reside em restaurar e dar forma à consciência coletiva, ao tornar objetos e fatos acessíveis a todos os membros do grupo por meio das explicações que produz. Assim, as ciências encarnam o universo reificado, enquanto as representações sociais se constituem no universo consensual, e é neste que os “sábios amadores” se encontram, empenhando-se em seu trabalho de elaboração do conhecimento (MOSCOVICI, 2005a).

A definição de representação social mais freqüentemente encontrada em estudos que a envolvem é a apresentada por Denise Jodelet, que a considera “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de

uma realidade comum a um conjunto social” (ARRUDA, 2002; GUARESCHI, 2003; MENIN, 2000; SÁ, 1993; SIMAN, 2005; SPINK, 1993a).

Segundo Moscovici

a representação social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação (MOSCOVICI, 1978, p. 28).

A partir das definições propostas, algumas considerações podem ser feitas acerca da representação social. A primeira refere-se à estreita relação existente entre sujeito e sociedade. Contrariando a tendência de separar o individual do social dentro das Ciências Sociais e da Psicologia, a Teoria das Representações Sociais promove uma aproximação entre ambos. Coloque-se da seguinte forma: o sujeito – seja ele indivíduo ou grupo – a partir de informações oriundas da sociedade, elabora em suas interações sociais um conhecimento que norteará a comunicação e as condutas que ocorrerão dentro da sociedade. O sujeito é um agente de mudança na sociedade ao mesmo tempo em que é produto desta, ou seja, há uma inter-relação entre ambos (FARR, 2003).

A segunda consideração diz respeito à indissociabilidade entre sujeito e objeto. Conforme indica Mazzotti (2002, apud FRANCO, 2004), para Moscovici, objeto e sujeito são indissociáveis, posto que o objeto só existe na relação com o sujeito, que ao representá-lo concede-lhe uma forma em seu sistema cognitivo com a finalidade de adequá-lo a seu sistema de valores. Moscovici (1978) considera ainda, que existe uma reciprocidade nesse processo constitutivo, pois ao mesmo tempo em que constitui o objeto, o sujeito se constitui. Ao definir e representar o objeto, o sujeito acaba por definir-se e criar as bases para a construção de sua identidade, posto que conforme a organização que dê ou aceite do real, situa-se no universo social e material. Ou seja, existe uma relação de cumplicidade entre a sua própria definição e a definição do que não é. Nesse sentido, há uma influência mútua e concomitante entre ambos, isto é, enquanto o sujeito recria a realidade social por meio das representações, ele é também modificado.

Segundo Spink (1993a), três funções das representações sociais são usualmente destacadas: a função social, a afetiva e a cognitiva.

A primeira função, a função social, se traduz pela orientação das condutas e das comunicações. Nesse sentido, Moscovici (1978) ressalta que as representações tanto guiam o comportamento, quanto remodelam e reconstituem os elementos do ambiente em que ele terá lugar, dando também sentido ao comportamento. Por outro lado, sendo elaboradas e compartilhadas pelo grupo, as representações permitem o estabelecimento de uma linguagem comum e inteligível a todos, o que possibilita a comunicação.

A segunda função refere-se à função afetiva de proteção e legitimação de identidades sociais. Segundo Spink (1993a), essa função remete à dinâmica da interação social e à elaboração de estratégias por parte do grupo ou do indivíduo para a manutenção de identidades que sintam-se ameaçadas diante de um objeto que se configure como diferente ou estranho.

A função cognitiva diz respeito ao propósito de familiarizar a novidade, tendo em vista que, conforme destaca Moscovici (2005a), o estranho suscita o medo da perda de referenciais habituais, do senso de continuidade e da compreensão mútua.

Como ressaltado anteriormente, nas sociedades contemporâneas o novo é algo constante, pois tais sociedades caracterizam-se pela velocidade das mudanças que se engendram em seu interior. A responsabilidade de apresentar a novidade é atribuída ao universo reificado de pensamento. Quando a novidade passa a circular no universo consensual, gera certo desconforto, pois ainda não estão estabelecidos os códigos sociais para lidar com a mesma. Dessa forma, a novidade é como um estímulo para que os “sábios amadores” se mobilizem a fim de restabelecer a ordem perdida, por meio das atividades intelectuais em suas interações cotidianas, sob as marcas da tradição, da memória e do passado. De maneira mais específica, tem-se que a criação de uma representação social dá-se quando o novo, usualmente trazido por divulgadores científicos (professores, meios de comunicação de massa, profissionais de marketing), incorpora- se ao conhecimento que já é de posse dos indivíduos e do grupo. Pela “arte de conversação”, pensando juntos sobre os mesmos assuntos, os indivíduos elaboram as novidades e as representações sociais têm sua origem (SÁ, 1993).

A comunicação é, desse modo, a via de construção das representações sociais. Jovchelovitch (2004) ressalta que a representação se organiza por meio de um trabalho de ação comunicativa que liga os sujeitos tanto entre si, quanto com o objeto-mundo. A comunicação dá- se por meio da conversação, incluindo linguagem verbal e linguagem não-verbal, mas envolve também os meios de comunicação de massa e os divulgadores científicos. Todavia, é a “arte de

conversação” que permite por meio da interação – sua única finalidade – que todos os indivíduos, mesmo aqueles que não tenham acesso a informações por outras fontes, tenham contato com a novidade. A troca promovida nesses laboratórios sociais de interação e conversação permite a disseminação e a ampliação do conhecimento. “E é nesse laboratório da sociedade que as combinações intelectuais são naturalmente selecionadas, antes de se cristalizarem em símbolos ou em ferramentas sociais” (MOSCOVICI, 1978, p. 101).

Desse modo, as representações são constituídas e constitutivas da realidade social. Ao mesmo tempo que dão significado aos objetos e ao mundo social, retira dele as informações necessárias para se constituirem, num movimento de trocas mútuas. A partir daí, entende-se a necessidade ressaltada por Jodelet (2005), de que as representações sejam entendidas e estudadas conforme seu contexto de produção e circulação. As condições sócio-econômicas, o momento histórico, a cultura vigente em um grupo social, determinam as bases para a estruturação de suas representações.