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DESCENTRALIZAÇÃO, REFORMA DO ESTADO E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO: onde fica a educação

2.2. A perversa construção de políticas públicas para a educação infantil no Brasil: as Parcerias Público-Privado

2.2.1 As Parcerias Público-Privado e a educação infantil

Domiciano, Franco e Adrião (2011), em suas pesquisas, nos contam que a primeira creche pública brasileira destinada a filhos e filhas da classe operária nasce em 1908, momento histórico em que o Estado oferecia subvenções à sociedade civil para a educação das crianças de 0 a 3 anos, em um modelo educacional que perdurará até os dias atuais, geralmente ligados às instituições religiosas.

Desta forma, Adrião, Borghi e Domiciano (2011), bem como Oliveira e Borghi (2013), definem que a história da educação infantil brasileira se iniciou através de ações da sociedade civil, alicerçada pelo Estado, para a oferta e manutenção das unidades de educação às crianças pequenas filha das mães trabalhadoras, que com o advento do processo de industrialização se encontravam necessitadas de um lugar para guarda e cuidado de seus filhos e de suas filhas enquanto trabalhavam. Tal fato, aliado a valorização da assistência aos mais necessitados pelas senhoras da classe burguesa brasileira e à eugenização da população operária, levará a sociedade abastada a mover-se para a criação de creches e asilos as crianças.

A concepção da assistência científica, formulada no início do século XX, em consonância com as propostas das instituições de educação popular difundidas nos congressos e nas exposições internacionais, já previa que o atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A educação assistencialista promovia uma

pedagogia da submissão, que pretendia preparar os pobres para

aceitar a exploração social. O Estado não deveria gerir diretamente as instituições, repassando recursos para as entidades (KUHLMANN Jr, 2000, p. 08).

Os estudos de Domiciano, Franco e Adrião (2011) apontam que apenas nos anos de 1940 haverá uma mudança no panorama da educação infantil, quando as políticas para esta área passarão a ser organizadas pela assistência e saúde, visando o cuidado com as crianças necessitadas. Tais politicas não tinham um caráter educacional, pois visavam apenas assistir as crianças para que as mães pudessem trabalhar fora de casa.

Isso perdurará até a década de 1960, quando, segundo as pesquisas de Rosemberg (2002, 2003, 2007) e Campos (2012a, 2012b), as políticas públicas para a educação infantil tanto no Brasil, quanto na América Latina, principalmente para a creche, passam a basear-se em iniciativas paliativas para atender as crianças de 0 a 3 anos, geralmente organizadas por instituições ―não formais‖, com vistas a baratear os custos desta oferta aos setores públicos.

Estas políticas eram balizadas pelos organismos multilaterais, como Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Banco Mundial (BM) entre outros, que propunham uma dicotomia na organização do trabalho na educação infantil em que creches, geralmente voltadas às crianças pobres, não necessitavam de maiores investimentos, que seriam utilizados na pré-escola, vista como etapa preparatória para o ensino fundamental. E, com isso, justificavam uma oferta de qualidade mínima para as crianças de 0 a 3 anos, frequentadoras das creches.

Neste sentido, o trabalho com estas crianças poderia ser realizado em espaços não formalmente organizados para tanto, bem como por profissionais docentes sem qualificação, para nada além do que cuidar das crianças, sendo a guarda das meninas pequenininhas e dos meninos pequenininhos o objetivo maior dessas instituições.

Neste tocante nascem os programas de cobertura das crianças de 0 a 6 anos em uma parceria do poder público com organizações conveniadas que, da década de 1990 aos anos atuais, têm crescido de forma avassaladora. Tais programas oferecem um modelo de educação para a criança de 0 a 6 anos das camadas populares, em espaços muitas vezes inadequados e ofertados de qualquer forma, o que compromete e muito a qualidade do trabalho realizado e, por conseguinte, não atende ao disposto na Constituição quando determina que a educação pública, gratuita, laica e de qualidade é um direito das crianças de 0 a 6.

Para Domiciano, Franco e Adrião (2011), a década de 1990 trouxe modificações profundas para o país como um todo e para a educação de modo especial, pois nestes anos foi organizada e consolidada a Reforma de Estado, através do Plano Diretor de Reforma do Estado em 1995, que trouxe uma série

de modificações para o cenário educacional. Entre estes novos paradigmas configuram-se a descentralização (municipalização), a criação do FUNDEF (que posteriormente se transformou em FUNDEB), a LDB e consolidou o que CURY (1992) já apontava na Constituição: as diretrizes para a legitimação e incentivo das Parcerias Público Privado no país, que terão uma implicação muito forte nas políticas públicas para a educação infantil, principalmente para as creches brasileiras.

A constituição em seus artigos 205, 209 e 213 estabelecem distinções entre o ensino privado com e sem fins lucrativos, sendo que o primeiro não pode receber subvenção ou repasse do estado. Mas abre brechas para que as sem fins lucrativos, possam coexistir em parceria com os órgãos públicos (CURY, 1992, pp. 35-36).

Além do marco legal apontado acima, outra Emenda Constitucional que foi fundante para a implementação de parcerias público-privado na educação foi a Lei Complementar nº 101 (2000), que institui a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que ao ser legislada possibilitou

[..] ao regulamentar aspectos da EC nº 19/98, fixou limites de gasto com pessoal, inibindo o investimento direto em educação [...]. Os mecanismos de descentralização, aliados às medidas de contingenciamento de gastos com despesas de pessoal, deflagraram, no contexto municipal, a ampliação de responsabilidades diante da crescente demanda por atendimento à educação infantil, o que aprofundou a busca de parcerias com o setor privado, como estratégia para a oferta educativa [...] (DOMICIANO, FRANCO e ADRIÂO, 2011, p. 314).

De acordo com Correa (2013), esse fundo teve bastante repercussão nas matriculas da educação infantil, pois com a redução da porcentagem de gastos com a folha de pagamento e tendo que atender ao ensino fundamental municipalizado, a solução foi diminuir a demanda pública direta na educação infantil, buscando alternativas mais baratas aos cofres públicos para atender a demanda.

Com estas normatizações abriram-se as portas para as parcerias entre o Estado e a sociedade civil, pois como fundamentou o texto do PDRAE, com a Reforma do Estado, torna-se possível criar diferentes parcerias e convênios. Isto ocorre devido à nova reconfiguração da noção de público que deixa de

significar estatal para ser definido como de ―interesse de todos‖, facilitando a transferência para o setor privado gerenciar os equipamentos e serviços que a priori deveriam ser organizados e geridos pelo Estado.

Para tanto é criada a parceria público não-estatal, em que o Estado fornece equipamentos, recursos e outras subvenções ao setor privado para gerenciar, com menor custo, os serviços essências que cabem aos setores público fomentar, a saber: saúde, educação e previdência.

Este processo educacional é organizado de forma pública não-estatal, pois o Estado, embora passe o gerenciamento para o setor privado, ainda mantém mecanismos de controle do serviço prestado (Domiciano, Franco e Adrião, 2011).

Este é o tipo de parceria em que o Programa Naves-Mãe se configura, pois a prefeitura subvencia todo estrutura para o atendimento a demanda. Da estrutura física à alimentação, a gestão do serviço fica a cargo das organizações sociais, com todas as mazelas que este fato traz, como já foi explicitado no capítulo anterior.

No entanto, o controle da maneira como a unidade educacional deve proceder em seu trabalho pedagógico é realizado pela SME através das supervisoras (es) e coordenadoras (es) pedagógicas (os), que devem supervisionar e acompanhar o processo educacional ocorrido nas naves, bem como ofertar formações continuadas as professoras, monitoras e equipe gestora das unidades. Porém, este acompanhamento fica comprometido, uma vez que os profissionais da rede, que já acompanhavam de perto o trabalho pedagógico das EMEIs e CEMEIs públicas municipais, com a entrada das Naves, passam a ter um número excedente de unidades educacionais sobre sua responsabilidade, tendo como resultado um acompanhamento em menor intensidade, que não possibilita o real conhecimento da realidade das instituições.

Oliveira e Borghi (2013) postulam que esta forma de gerenciamento terá fortes implicações na educação infantil brasileira, em especial na educação das crianças pequenininhas, nas creches cuja oferta de vagas por instituições conveniadas remonta a sua criação no Brasil pelas entidades assistenciais de cunho religioso ou filantrópico.

Para as autoras, essas práticas surgem a partir dos anos de 1990, principalmente depois da municipalização em que muitos municípios passaram a assumir o ensino fundamental. Esse processo onerou os cofres municipais que, visando cumprir o que determina a lei no que se refere à educação infantil, buscou diferentes formas de convênios que pudessem, por um lado, resolver o problema de atender a demanda e, por outro, diminuir os gastos dos cofres públicos. Com isso, temos uma série de modelos de convênios entre o setor público e o setor privado, muitos deles de qualidade muito duvidosa.

As diferentes formas de conveniamentos e parcerias, preconizadas pela reforma, são definidas como: a privatização, publicização e a terceirização, bem como a criação de empresas públicas não estatais, cujos conceitos podem ser definidos da seguinte maneira,

As estratégias de reforma do Estado no Brasil são: a privatização, a publicização e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta [...] Publicização, no Plano, significa transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, pública, não-estatal (PERONI, 2010, p. 03).

De acordo com Peroni (2010), o PDRAE pressupõe que, para agilizar e melhor atender os direitos sociais, é preciso que as empresas públicas sejam transformadas em Organizações Sociais parceiras do Estado, que as subvenciaria, mas a gestão ficaria a cargo de empresas privadas ou privatizadas, dentro da lógica de publicização.

Dentro dessa lógica são estabelecidas diversas parcerias e convênios, que, segundo os apontamentos nos estudos de Adrião, Borghi e Domiciano (2010), bem como Oliveira e Borghi (2013), vão desde a subvenção de recursos públicos para matrículas em escola privadas, concessão de recursos físicos, materiais entre outros para a gestão em parceria com ONGs até compras de materiais apostilados e sistemas de gestão por empresas educacionais. Infelizmente, os recursos que deveriam ser usados apenas com entidades sem fins lucrativos têm outros rumos, pois ―[...] a simbiose entre os setores público e privado para a oferta da educação infantil atua para ampliar espaços de atuação e lucro do setor privado com fins lucrativos‖ (DOMICIANO,

FRANCO e ADRIÃO, 2011, p. 316). Por fim, as autoras colocam que qualquer forma de parceria é perigosa e não poderia ocorrer, pois o dinheiro público deveria ser usado apenas em instituições públicas.

[...] embora as instituições filantrópicas e comunitárias ainda sejam majoritárias nos convênios com o setor público para o atendimento à educação infantil, não se pode desconsiderar que o advento da subvenção pública aos estabelecimentos privados lucrativos inaugurou uma situação favorável à sobrevivência dos pequenos empresários educacionais do setor, reforçando o trato mercantil a um direito (Adrião, Borghi e Domiciano, 2010, p. 294).

Partindo dessas ponderações de Adrião, Borghi e Domiciano, é preciso ficar atentas (os) para este movimento de ampliação da oferta a demanda da educação infantil através de conveniamentos com o setor privado, pois este pode acabar criando a dependência do sistema público ao privado, cuja qualidade do trabalho pedagógico na maioria das vezes é questionável.

2.2.2. Experiências de educação para a classe popular e o Programa