• Nenhum resultado encontrado

Experiências de educação para a classe popular e o Programa Naves-Mãe

DESCENTRALIZAÇÃO, REFORMA DO ESTADO E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO: onde fica a educação

2.2. A perversa construção de políticas públicas para a educação infantil no Brasil: as Parcerias Público-Privado

2.2.2. Experiências de educação para a classe popular e o Programa Naves-Mãe

A partir da discussão teórica sobre as parcerias público-privado realizadas neste capítulo, apresento aqui uma aproximação entre as análises discutidas com a implementação do Programa Naves-Mãe em Campinas, buscando respostas à questão V (Analisando em termos de leis, como os

direitos das crianças são assegurados?) lançada em minha introdução e

indicada durante as análises do capítulo I. Para aprofundar o ponto, focarei na questão dos direitos das crianças de 0 a 6 anos campineiras a uma educação infantil de qualidade e que contemple todas as especificidades presentes no cuidar e educar.

Assim, inicio a discussão apresentando três modelos inovadores de educação brasileiros, que visavam educar, como nas naves, um número expressivo de crianças e adolescentes das camadas populares. O diferencial nestes projetos foi que nasceram da visão contemporânea de políticos, artistas e educadores de esquerda, que viam na educação, na apropriação cultural e

na produção de culturas, os elementos fundamentais para a oferta de uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade.

Neste sentido, estas iniciativas apresentavam como um de seus principais diferenciais a construção arquitetônica especialmente voltada para desenvolver um trabalho pedagógico para cerca de 400 crianças e/ou adolescentes em suas instalações, a mesma lógica estabelecida para o Programa Naves-Mãe. A diferença primordial entre estes programas e o Programa Nave-Mãe é que os primeiros eram totalmente públicos e não parcerias entre o público e o privado, que caracteriza a organização dos CEIs com tudo o que isso implica e que já foi apresentado até aqui.

Inicio esta apresentação com a experiência dos Parques Infantis (PIs), construídos em São Paulo, na década de 1930, idealizado pelo poeta e visionário Mário de Andrade, que tinha como objetivo educar as crianças das camadas populares, filhas e filhos do operariado, que necessitavam de um local pensado para elas e suas especificidades.

Tais espaços foram construídos para que as crianças e jovens pudessem conviver entre seus pares, serem cuidadas (os) e educadas (os) e vivenciarem a cultura de que faziam parte, pois um dos pontos fortes do trabalho nos PIs era a preocupação com as manifestações populares brasileiras, principalmente a música brasileira.47

O contexto social e político em que os PIs estavam inseridos resultaram, de acordo com Niemeyer (2002), das transformações sociais iniciadas no começo do século XX a partir das novas condições criadas pelo capitalismo industrial. Os reformadores do período, seguindo uma tendência mundial, definiram as ruas como um local de perigo para as crianças filhas e filhos da classe operária e para a construção de uma sociedade organizada.

Esta sociedade deveria ser pensada a partir da modernização dos espaços urbanos, a serem higienizados, e do avanço da indústria como sinal de modernidade. Esta definição de modelo de sociedade a ser construída sugere que a experiência dos PIs seguiu um modelo classista de segregação

47

Com este projeto Mario de Andrade coloca de ponta cabeça o conceito de folclore exótico, pois era um pesquisador da cultura e da música brasileira, que dentro deste projeto ocupou um lugar primordial.

dos filhos e filhas das camadas populares, afastando-os (as) da visão das classes mais abastadas.

Tal afirmativa não encontra respaldo na organização destes espaços idealizada por Mário de Andrade, pois os parques tinham implícito em seu currículo a emancipação das crianças que o frequentavam através da apropriação cultural.

De acordo com Niemeyer (2002), no início do século XX cresce no Brasil a busca, pela elite brasileira, por uma identidade nacional e um projeto de nação, que verá a infância como um tempo em que precisa ser cuidado.

Para tanto, esta elite parte do pressuposto de que a classe obreira precisa de locais onde possam vivenciar o lúdico como forma de extravasar as agruras do cotidiano e, consequentemente, melhorar a produtividade no trabalho e a ordem social. Nesta época havia a crença de que a prática de atividades físicas, lúdicas e higiênicas minimizaria a violência. Assim, são criados no entorno de todo bairro operário das cidades parques e praças para as famílias terem momentos de lazer ao término do trabalho nas fábricas e aos finais de semana, como forma de controle pelo patrão do lazer do trabalhador e da trabalhadora.

Para Niemeyer (2002), os reformadores intuíram que estes espaços não eram adequados ao lazer das crianças durante o período em que não estivessem na escola. Para solucionar este problema foram organizados locais em que estas podiam permanecer longe das ruas enquanto seus pais e mães trabalhavam e, ao mesmo tempo, fossem educadas e tivessem alimentação e assistência médico-odontológica. É neste contexto social que são criados, em São Paulo, os Parques Infantis, a exemplo do que já acontecia em alguns lugares do mundo.

No entanto, os PIs paulistanos apresentaram um enorme diferencial, que era a matrícula de crianças a partir de 3 anos, que os transformaram na primeira e inovadora experiência de educação das crianças pequenas no país.

A publicização do privado e a privatização do público é uma característica da Política brasileira. Enquanto o Estado invade a família operária introduzindo as novas formas de vida intima através da puericultura, pretendendo eliminar qualquer manifestação instintiva e tradicionalmente adotada na educação dos filhos pequenos (apesar da resistência constante), MA e outros

intelectuais que colaboraram na gestão de Fábio Prado e dentro da esfera governamental estão fazendo pesquisas sobre a(s) cultura (s) e a (s) tradição (s) brasileira, sobre a criança frequentadora dos PIs, sobre a vida da classe operária e dos funcionários da prefeitura etc. para respeitar justamente aquelas tradições. Portanto, ao lado rígido dos controles exercidos pelo Estado para domesticar a classe operária sem resolver o problema da pobreza apenas amenizando-a (sic) encontramos, também, este outro tipo de atuação do poder público (FARIA, 1999a, p. 83).

Os estudos de Faria (1999b) nos contam que, para a elaboração destes espaços, Mario de Andrade, juntamente com outros artistas da Semana de Arte Moderna de 1922, criou o Departamento de Cultura, na gestão do prefeito Fábio Prado, e o dirigiu entre 1935 e 1938. Neste departamento, Mário de Andrade concebeu a primeira preocupação brasileira real com a infância e educação das crianças pequenas, implementando os Parques Infantis (PIs) na capital, cuja concepção de educação foi copiada pelos sistemas educacionais de algumas cidades do interior do estado, sendo Campinas uma delas.

Os parques infantis criados por Mário de Andrade em 1935 podem ser considerados como a origem da rede de educação infantil paulistana (Faria, 1995) – a primeira experiência brasileira pública municipal de educação (embora não-escolar) para crianças de famílias operárias que tiveram a oportunidade de brincar, de ser educadas e cuidadas, de conviver com a natureza, de movimentarem-se em grandes espaços (e não em salas de aula, [...] Lá produziam cultura e conviviam com a diversidade da cultura nacional, quando o cuidado e a educação não estavam antagonizados, e a educação, a assistência e a cultura estavam macunaimicamente integradas, no tríplice objetivo parqueano: educar, assistir e recrear (FARIA, 1999b, pp. 61-62).

Organizados em espaços amplos, planejados para que as crianças de 3 a 12 anos durante o dia pudessem explorar o mundo ao redor de forma prazerosa, os PIs tinham capacidade para receber 400 crianças. A organização do trabalho tinha como objetivo a construção de uma política de educação das crianças das camadas populares baseada no respeito e na atenção as suas singularidades culturais e sociais, e não mais no controle, como eram as propostas da época, dando voz e expressividade a este grupo social.

A planta padrão do PI comporá um programa arquitetônico de crescente atualização em face das necessidades ampliadas de lazer e de assistência moral. Os modelos mais evoluídos da primeira fase possuirão biblioteca, refeitório, oficinas para trabalhos manuais, palcos para apresentações teatrais e musicais, gabinete médico-

odontológico e instalações administrativas e funcionais para direção, recreadores e higienistas. Não havia salas de aula. A área coberta era mínima, em geral ocupando em torno de 15% do terreno deixava um vasto espaço livre ocupado por um generoso playground. O plantio de árvores e arbustos em linha junto às cercas divisórias buscava amenizar o calor do verão e caracterizava espacialmente a praça (NIEMEYER, 2005, p. 12).

Figura 1. Planta baixa dos PI - FONTE: apud FARIA, 1999b, anexo.48

Figura 2. Vista do pioneiro Parque Infantil de Santo Amaro (década de 1930). Fonte: NIEMEYER, 2005, p. 11.

48

http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br /Main/Noticia/ Visualizar/ PortalSMESP/ Memorial-do-

O público alvo dos parques infantis eram os filhos e filhas da classe operária, visando criar espaços onde a cultura pudesse ser transformada. Os PIs eram uma política em que o público se faz público, atendendo uma parcela da população cujas políticas públicas de educação, até então, tinham um caráter assistencialista e higienista, dando-lhe direito à infância, ao brincar, a criar e ao não-trabalho. Estes não eram escolas ou pré-escolas tradicionais da época, mas um projeto que atendia as crianças de 03 a 07 anos em caráter integral e as de 07 a 12 no contra turno da escola obrigatória, buscando ofertar um leque de atividades lúdicas e culturais, descoladas das atividades escolares, tendo como centralidade o folclore brasileiro e o lúdico.

Criticando as teorias que priorizam o crescimento dos pequenos transformando-os precocemente em alunos, futuros adultos, entendo que o espaço coletivo (com adultos e crianças) como ambiente de educação e cuidado das crianças de 0 a 6 anos tem por objetivo garantir seu direito à infância: o direito a brincar, a não trabalhar, a expressarem-se das mais variadas formas e intensidades, promovendo o exercício de todas as dimensões humanas (lúdica, artística, do imaginário etc.) e possibilitando a construção do conhecimento espontâneo, do imprevisto, da cultura infantil e seu intercâmbio com os adultos e suas culturas (FARIA, 1999b, p. 61).

Segundo Faria (1999a), os objetivos dos PIs estavam alicerçados no tripé de organização do trabalho pedagógico de: assistir, educar e recrear, em uma proposta de trabalho totalmente voltada para as crianças, sem excluir suas famílias

O idealismo de Mário de Andrade, sua atenção e seu respeito para com as crianças, (...) fazem com que ele conceba um PI diferente das experiências com jogo, espaço aberto e nacionalismo existentes para disciplinar o operariado: enquanto as crianças estavam no parque, não estavam trabalhando, estavam conhecendo várias manifestações da cultura brasileira, estavam expressando-se das mais variadas maneiras, convivendo com a natureza e com pessoas de idade e origem étnica e cultural diversificadas (FARIA, 1999b, p. 63).

De acordo com a autora o que diferenciava a experiência com os parques infantis em São Paulo de outros lugares eram as realizações artísticas desenvolvidas em seu interior; as portas sempre abertas às interessadas e aos interessados; o programa de recreação e a valorização da criança como produtora de culturas, ser integral.

Quanto aos Parques Infantis, percebe-se que se tratava de colocar à tona variadas provocações inovadoras, de modo a instigar a criação, a invenção, a expressão, a busca pelas soluções, que, de forma coletiva ou individual, se encontram apoiadas num território da infância e para a infância, no qual as culturas infantis sejam construídas e reconhecidas (GOBBI, 2012, p. 214).

De acordo com as pesquisas de Faria (1999b), o Departamento de Cultura, ao instituir os parques infantis, visava cumprir o requisito legal constituinte da época, que destinava 10% dos recursos das prefeituras à educação. Ao mesmo tempo, visava, também, atender os filhos e filhas do operariado paulistano, concebendo uma educação para as crianças pequenas diferenciada da educação escolarizante das escolas da época. Nos PIs a ênfase do trabalho pedagógico estava no incentivo à brincadeira, aos aspectos lúdicos, principalmente referentes aos aspectos culturais e tradicionais, que as instrutoras deveriam incentivar as crianças a explorar ao brincar com elas, respeitando a diversidade cultural de cada uma delas, sem estabelecer julgamentos morais ou puni-las.

Podemos dizer que esse espaço coletivo de convívio entre crianças (de várias idades, meninos e meninas, de origens culturais diversas), entre adultos (educadoras sanitárias, instrutoras, médicos, vigilantes, zeladores, mães) e entre adultos e crianças pode ter dado origem a uma pedagogia das diferenças, uma pedagogia das relações, à qual pretendemos dar continuidade e na qual a criança é a protagonista (FARIA, 1999b, p 69).

Os parques infantis se expandiram para cidades do interior do estado como concepção educativa, principalmente para as crianças da educação infantil. De acordo com Niemeyer (2002), com o final dos anos de 1940 e inicio dos anos de 1950, a cidade de São Paulo, em crescente modernização, necessitava de novos lugares para o lazer e cuidado das crianças e jovens das camadas populares. No entanto, estudos apontavam quão onerosos os PIs eram para os cofres públicos, e uma solução apontada foi a construção de Recantos Infantis para as crianças oriundas de favelas e cortiços, e Recreios Infantis para as crianças da periferia. Esses espaços eram muito menores do que os Parques Infantis, tendo uma concepção de educação e infância diferente da preconizada nos parques. No ano de 1949 foram criados os últimos parques infantis: o PI do Tatuapé e o PI do Bom Retiro, sendo que o

primeiro é o único PI tombado como patrimônio público, graças ao movimento popular.

Em 1974 são criadas, na prefeitura de São Paulo, as Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs), com concepção bem diferente da preconizada no parque, como explicita FARIA (1999b, p. 87):

Analisando o documento que justifica a criação das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) na mesma prefeitura de São Paulo em 1974, pode-se notar a separação entre cuidado e educação que estavam unidos no PI, assim como se nota a eliminação por completo dos seus objetivos iniciais relacionados ao lúdico, aos jogos tradicionais infantis, ao artístico, enfim, abandonando uma concepção de criança competente e capaz, sujeito de direitos, criadora e consumidora da cultura e não apenas um aluno, geralmente entendido como consumidor da cultura produzida por outros, sendo precocemente escolarizado.

Os espaços que antes eram instalados os PIs foram sendo reformados, sendo que muitos deles abrigaram as EMEIs que hoje atendem as crianças da educação infantil em São Paulo, como aponta a pesquisa de Gobbi (2012). Neste trabalho, a autora nos conta a experiência realizada com crianças da EMEI Neide Guzzi, a partir da curiosidade destas em reconstruir o passado da unidade, ao encontrarem pedaços de azulejos do antigo Parque Infantil da Lapa que funcionava em parte do que hoje é a EMEI.

Outra experiência significativa em instituições educacionais públicas aconteceu entre os anos de 1980 e 1990, no Rio de Janeiro: os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), iniciados no governo estadual de Leonel Brizola (PDT).

De acordo com Cavaliere e Coelho (2003), os CIEPs são escolas públicas de educação integral, que atendem ao público da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio), tendo como diferencial uma gestão administrativa e pedagógica própria para as crianças das camadas populares de todo o estado e, com isso, propiciar um avanço na qualidade do ensino ofertado.

As pesquisas de Mignot (1989) apontam os caminhos que as políticas públicas para construção dos CIEPs tomaram desde a sua elaboração até dois anos após sua implementação, buscando analisar todos os envolvidos no

processo de implementação do programa, o que usarei para apresentar o contexto histórico e social em que os centros nascem.

Neste sentido, Mignot (1989) faz um resgate da historicidade da construção dos CIEPs enquanto políticas públicas para a construção de uma escola pública de qualidade para a população em vulnerabilidade do Rio de Janeiro, organizadas pelo então governador Leonel Brizola e seu Secretário de Ciência e Cultura, o antropólogo, admirador de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro.

A autora nos conta que em sua campanha para o governo do Estado, Leonel Brizola, assim como os demais candidatos, elegeu como carro chefe do pleito atuar na educação, bem como dar assistência alimentar, médica e odontológica a todas as crianças em idade escolar, promessa que buscou cumprir com as construções dos CIEPs.

Desde o primeiro dia de governo já existia toda uma preocupação com a educação presentes no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social (PDES), o Plano Quadrienal de Educação (PQE), o Programa Especial de Educação (PEE) e a partir da criação da Coordenação de Educação e Cultura, cujas linhas de elaboração de políticas públicas para o setor evidenciava que seriam construídas escolas muito além do modelo escolar que todos já conheciam. Esta nova proposta de escola fazia parte de um projeto educacional que visava fomentar um modelo escolar que fosse, depois de testado no Rio de Janeiro, seguido em todo o país.

Baseados nos ideais educativos do Uruguai, do Japão e das experiências de Anísio Teixeira na Bahia, os CIEPs, cujo projeto arquitetônico era de Oscar Niemayer, eram escolas cujo espaço físico possibilitaria tanto uma educação integral as crianças das camadas populares, como atenderiam as mesmas em suas necessidades médico-odontológicas e moradia para as que necessitassem.

Estas múltiplas atividades da escola estavam bem sintetizadas na propaganda em rede nacional de TV, financiada pelo BANERJ, que dizia: "Vocês vão ver agora, em 30 segundos, o que uma criança faz em nove horas no CIEP: café da manhã, ginástica, aula, almoço, estudo dirigido, sala de leitura, banho, jantar. Já fizemos 60, vamos fazer 500. CIEP - uma aula de futuro" (MIGNOT, 1989, p. 49).

Figura 3: Vista aérea do CIEP. Fonte Ribeiro, 1986, p.41.

Figura 4 - Nota de Niemayer: ―É uma construção simples (...) que se adapta harmoniosamente ao programa formulado. E está tão inteligente e inovadora que garante o sucesso do empreendimento‖. Oscar Niemayer, apud RIBEIRO, p 105.

A ideia dos CIEPs, de acordo com Darcy Ribeiro (1986), nasce da inadequação e insucesso do sistema nacional de ensino em educar as crianças das camadas populares.

Nós propomos, como explicação, que estamos diante de um caso grave de deficiência intrínseca da sociedade brasileira. Nossa capacidade de educar a população, como a de alimentá-la, se deve ao próprio caráter da sociedade nacional. Somos uma sociedade enferma de desigualdades, enferma de descasos por sua população. Assim é, o que aos olhos das nossas classes dominantes antigas e modernas o povo é o que há de mais reles. Seu destino e suas aspirações não lhes interessa, porque o povo, a gente comum, os trabalhadores, são tidos como mera força de trabalho, destinada a ser desgastada na produção. É preciso ter coragem de ver este fato porque só a partir dele, podemos romper nossa condenação ao atraso e à pobreza, decorrentes de um subdesenvolvimento de caráter autoperpetuante (RIBEIRO, 1986, p. 15).

Estes centros não tinham como função responder a demanda da população por suprir a falta de salas de aulas, de materiais pedagógicos, de recursos, ou dos (as) professores (as) por melhores salários, formação entre outros, mas ―tentavam colocar em prática uma proposta de reformulação mais profunda da escola, propiciando uma reflexão sobre sua organização, objetivos, métodos e inserção social‖ (CAVALIÉRI, 2000, p. 02), visando resgatar um direito da população brasileira das camadas populares negado desde a colonização à época da escravidão.

O Brasil construiu escolas, pois não havia como não fazê-lo: a República, o liberalismo, e, após 1930, os ideais de desenvolvimento nacional autônomo, assim o exigiam. Entretanto ―não houve até hoje

o desejo de que o nosso povo se educasse, se alfabetizasse, pois educação implica em dividir, em reconhecer o outro, em ouvir e ser ouvido, em aceitar e em respeitar opiniões diferentes das nossas, em partilhar com todos o que é direito de todos” (p.

62). A escola que resultou dessa ambiguidade é [...], elitista e estruturada mais para expulsar do que para absorver as crianças das classes populares, na medida em que as trata como se fossem iguais às oriundas dos setores privilegiados. O grande desafio, hoje, seria o rompimento com essa atitude: ―falsa‖ e ―desonesta‖ da escola pública brasileira e a sua reestruturação em função da criança real que a frequenta. Esses pressupostos terão forte influência na definição da concepção e do currículo dos CIEPs (CAVALIÉRI, 2000, p. 03 - grifos

meus).

Do mesmo modo, Mignot (1989), em sua pesquisa de análise dos impactos da criação dos CIEPs na educação carioca, postula que,

As novas escolas faziam parte de um plano de impacto que pretendia revolucionar o sistema educacional brasileiro e ajustar a escola pública ao "alunado popular". Elaborado por técnicos dos órgãos representados na Comissão Coordenadora de Educação e Cultura, o projeto demonstra ser desejo do governo "devolver à escola pública, prestígio e qualidade"; antecipar a escolaridade para crianças fora da faixa de obrigatoriedade, atendendo crianças com cinco, seis anos; construir novas escolas e assegurar condições de nutrição, saúde e locomoção aos alunos da escola pública (MIGNOT, 1989, p. 47).

Em relação à valorização do magistério e formação das (os) professoras (es), na segunda gestão estadual do CIEP foi criado um sistema de contratação de jovens educadoras e educadores recém formadas (os) como bolsistas, exercendo trabalho pedagógico em um período do dia e no outro sendo orientadas (os) por professoras (es) mais experientes.