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DESCENTRALIZAÇÃO, REFORMA DO ESTADO E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO: onde fica a educação

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO DE DIREITO?

3.1 Definindo políticas públicas e educação

O termo política pública, como aponta Souza (2006) em seus estudos, é uma expressão originária dos pensadores alemães do final do século XIX, sendo difícil sistematizar em um conceito único. No entanto, há um consenso que define política pública como um fenômeno comum a toda sociedade, que depende das intervenções do Estado para funcionarem:

Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ―colocar o governo em ação‖ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006, p. 26).

Dessa forma, as políticas públicas são resultado de um processo histórico, em cujo interior são constituídas formas especificas de exercício do poder político no seio das sociedades democráticas contemporâneas, que se configuram como maneiras de intervenções estatais na sociedade.

Por Estado, Souza (2006) define que esse existe onde há mecanismos políticos envolvidos que controlam determinado território e que usa a base legal e as forças políticas para a regularização da ordem social. Assim, Estado é tudo que envolve repasse e organização da ordem pública.

Utilizando os mesmos pressupostos de Hofling (2001), Souza considera que

Políticas públicas são aqui entendidas como o ―Estado em ação‖ [...]; é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas. As políticas públicas são aqui compreendidas como as de

responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção

a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada (SOUZA, 2006, p. 31).

Políticas sociais, seriam, então, as ações que determinam o padrão de proteção social outorgado pelo Estado e que visa à diminuição das

desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. E, neste contexto, a educação é uma política pública social, de responsabilidade do Estado, mas não pensada apenas por seus organismos.

As políticas sociais – e a educação – se situam no interior de um tipo particular de Estado. São formas de interferência do Estado, visando a manutenção das relações sociais de determinada formação social. Portanto, assumem ―feições‖ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo (HOFLING, 2001, p. 32).

Assim, as políticas públicas para a educação, após suas formulações, desdobram-se em planos, programas, projetos, bases de dados e sistemas de informações e pesquisas que, quando implementados, ficam submetidos a sistemas de acompanhamentos e avaliação.

Hofling (2001) entende a educação como uma política pública de caráter social que é pensada por diferentes organismos do Estado, responsável por sua implementação, pois fazem parte das formas com que o Estado interfere na manutenção e formação da sociedade em que está inserido. Nesse mesmo sentido, Nogueira (2005) postula que as ações do Estado não são neutras, mas fazem parte de um aparato de dominação, que atua de acordo com as classes econômicas que perpetuam seu projeto de hegemonia.

O inglês Stephen Ball cunhou o termo ―novo gerenciamento público‖, para explicar o novo modelo de política pública realizado inicialmente na Europa e nos Estados Unidos, e que está se expandindo de forma globalizada para outros países, inclusive o Brasil. No novo gerencialismo, as políticas públicas passam a ser regida pela busca da eficiência, da excelência e da qualidade na solução do gerenciamento dos problemas do Estado. Partindo desse novo paradigma, a boa política é aquela que resulta de análises racionais e não burocráticas, tendo como base a competitividade e a performatividade. No novo gerencialismo são exaltadas a desregulamentação, privatização e as reformas no sistema social. Na educação, o papel da gestão das unidades escolares é fundamental neste processo, como fica claro na implementação do programa de oferta da educação infantil em estudo aqui.

No momento histórico iniciado no final da década de 1980, tais afirmações foram na direção ao que postula o novo gerencialismo de Ball

(2005) e do teor das regras da Reforma do Estado que primam por um estado mínimo e regulador, em que os serviços essenciais, saúde, previdência e educação, passaram a ter um caráter comerciável e não mais de bem não mensurável.

No tocante às políticas públicas para a educação infantil, as pesquisas de Faria (2005), Rosemberg (2002, 2003, 2007), Campos (2012a, 2012b), Silva (1999) e Nascimento (2012), buscam traçar um panorama de sua trajetória no Brasil e na América Latina, tendo como base a constituição da garantia da educação infantil enquanto direito subjetivo das crianças de 0 a 6 anos, a ser ofertada em instituições públicas gratuitas, laicas e de qualidade.

Rosemberg (2003), em seu artigo ―Sísifo e a educação infantil brasileira‖, já citado aqui, faz uma comparação dessas políticas e a lenda grega de Sísifo, que, por ter enganado a morte, foi condenado a empurrar eternamente uma pedra morro acima e ao chegar ao seu destino, vê-la cair e ter de recomeçar novamente a caminhada.

Para a autora, as políticas legisladas para a educação infantil têm seguido um caminho parecido, pois se iniciaram, ao longo da história da educação infantil no Brasil, diversos movimentos de busca de melhoria na cobertura da educação das crianças desta etapa educativa, com leis que privilegiam a garantia de um trabalho de qualidade para com as crianças pequenas nem sempre foi colocado em prática.

Isto acontece ora devido à pressão de organismos multilaterais ou a cobertura precarizada, ora pela oferta do trabalho em instituições não formais; terceirizações, entre outros, puxando novamente a educação infantil para baixo. Para minimizar os efeitos destas quedas, são estabelecidas continuas discussões e lutas dos movimentos sociais em prol da infância, para que seja garantido o direito das crianças pequenas à educação.

Em cada um destes momentos de pausa entre uma política e outra, os movimentos sociais entram em campo para chamar a atenção dos governantes para a causa da infância, lutando para que novos paradigmas entrem em cena em prol de uma educação pública de qualidade para a educação infantil.

Estas pausas, reitero, podem ser comparadas às teorias que Camus (1995) define em sua leitura de Sísifo. Camus nos apresenta outra visão do trabalho deste herói, em que em cada pausa, Sísifo aproveita para fazer uma

reflexão sobre o seu trabalho, buscando pensar alternativas, soluções para que ele logre êxito. Para tanto, ele sempre mantém viva a chama da esperança e da não subordinação à realidade dada, da mesma maneira que as pessoas que militam pela infância fazem diuturnamente na luta diária pela emancipação das políticas públicas para a primeira infância.

Partindo desse princípio, a exemplo de Hofling (2001), Rosemberg (2003) entende que conceitualmente a educação infantil, como subproduto de políticas educacionais e assistenciais, integra-se às políticas sociais a partir do momento em que esta passa a ser um direito da criança e da família trabalhadora. Para a pesquisadora, as políticas sociais são intervenções dos poderes públicos para a organização de uma educação e aos interesses e necessidades expressas pelos indivíduos de uma dada parcela da sociedade, com toda a gama de inter-relações que tais decisões implicam para o coletivo.

A partir de 1988, com a promulgação da constituinte nacional, pela primeira vez se discutirá a implementação de políticas públicas educacionais para as crianças de 0 a 6 anos. Para atender a esta parcela da população houve um forte movimento dos organismos multilaterais - Banco Mundial (BM); Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre outros – para moldar como seria a oferta da educação infantil no Brasil e na América Latina, que tinham como princípios e propostas as seguintes prerrogativas:

 A expansão da EI constitui uma via para combater a pobreza (especialmente desnutrição) no mundo subdesenvolvido e melhorar o desempenho do ensino fundamental, portanto, sua cobertura deve crescer;

 Os países pobres não dispõem de recursos públicos para expandir, simultaneamente, o ensino fundamental (prioridade número um) e a EI;

 A forma de expandir a EI nos países subdesenvolvidos é através de modelos que minimizem investimentos públicos, dada a prioridade de universalização do ensino fundamental;

 Para reduzir os investimentos públicos, os programas devem apoiar- se nos recursos da comunidade, criando programas denominados "não formais", "alternativos", "não institucionais" isto é, espaços, materiais, equipamentos e recursos humanos disponíveis na "comunidade", mesmo quando não tenham sido concluídos ou preparados para esta faixa etária e para seus objetivos (ROSEMBERG, 2003, p. 180).

Segundo Arelaro (2012), a proposição da Emenda Constitucional (EC) 19/1998, que legislou a Reforma do Estado brasileiro estabelecendo claras restrições ao crescimento do aparelho do Estado. Esta política delineou, também, as linhas de organização das parcerias público-privado na demanda educacional, criando o conceito de público não estatal.

Este novo modelo de política pública implicará em uma nova queda da qualidade na oferta aos direitos das crianças pequenas, garantidos pela Constituição. Isto ocorre no momento em que os municípios, para atender a demanda reprimida, principalmente nas camadas mais populares, iniciam uma série de debates e discussões, orquestradas pelos organismos multilaterais a da maneira como deve ser definido o trabalho em creches e pré-escolas brasileiras.

Um fértil e variado menu foi formulado no período, divulgado através de publicações e seminários em diversas línguas. Apesar da variedade, os ingredientes básicos foram selecionados dentro dos custos, ou melhor, do parco investimento público na linha de chegada: educadores (as) ou professores(as) leigos(as), isto é, não- profissionais, justificando salários reduzidos; espaços improvisados, mesmo quando especificamente construídos para a EI; material pedagógico, também improvisado ou escasso, como brinquedos, livros, papéis e tinta. A educação infantil para os países subdesenvolvidos transformou-se na rainha da sucata. O modelo incorporou uma articulação perversa entre espaço inadequado, precariedade de material pedagógico e ausência de qualificação profissional do(a) educador(a), redundando em ambientes educacionais pouco favoráveis ao enriquecimento das experiências infantis (ROSEMBERG, 2003, p. 180, grifos da autora).

Segundo a mesma linha, Campos (2012b) faz uma discussão a respeito da educação infantil na América Latina denunciando a organização da demanda nos países periféricos por organismos visam trazer para estes países modelos de programas educacionais que primem pela diminuição da vulnerabilidade educacional desde a primeira infância, em prol de melhores resultados nos demais níveis de escolarização.

Para a autora, estes modelos buscam legitimar antigas concepções de trabalho já superadas através da ―infantilização da pobreza‖, em que seria necessário focar os investimentos em educação no segmento em vulnerabilidade da educação.

A centralidade da infância no século XXI constitui-se, assim, por um duplo jogo: por um lado, a visibilidade das crianças e de suas misérias e, por outro, a invisibilidade das condições econômico- sociais que as produzem. Essa operação, que poderia ser compreendida apenas como um mecanismo discursivo das novas liturgias sobre a infância, de fato, expressa um processo perverso de repolitização da concepção de pobreza, na medida em que se introduz uma disjunção entre as condições estruturais que a produz e suas formas de manifestação. É, pois, negando a organicidade entre as relações econômicas e políticas que governantes e organismos multilaterais atuantes na região podem anunciar a emergência de um fenômeno de tipo novo: a ―infantilização da pobreza‖ (CEPAL, 2010). Neste contexto, a infância, a criança e sua educação adquirem um sentido de urgência e um caráter estratégico, posto considerar-se que educar desde cedo é o meio mais eficaz para romper com o chamado ―ciclo geracional da pobreza‖ (CAMPOS, 2012b, p. 82).

Campos (2012b), em sua análise sobre os programas oferecidos as crianças pequenas nos países da América Latina, divide-os em dois seguimentos. O primeiro refere-se à educação formal para as crianças da pré- escola, em que catorze dos dezessete países analisados já instituíram a obrigatoriedade do ensino a partir dos 4 ou 5 anos, aumentando a matrícula, de forma geral para este seguimento. E o segundo em educação não-formal, para as crianças de 0 a 3 anos, que têm sua demanda ofertada por Organizações Sociais ou outras formas ainda mais precárias como: clubes de mães; subvenção de recursos para a contratação de pessoas para cuidar das crianças, entre outros.

Essa flexibilização manifesta-se também em uma espécie de ―divisão de tarefas‖ na gestão dos sistemas educativos: o provimento da oferta nos níveis considerados ―formais‖ ou ―escolarizados‖ fica sob a responsabilidade público-estatal, o que se expressa nos elevados indicadores de matrículas das crianças de 4 a 5 anos nas unidades públicas. Já ao contrário, a modalidade ―não formal‖, por ser considerada ―não escolar‖, e dirigida na maioria dos países às crianças de 0 a 3 anos, tem uma formação compósita, dependendo majoritariamente de convênios ou ―parcerias‖ entre a esfera pública e a privada, notadamente com as chamadas organizações sociais. Neste segmento de 0 a 3 anos concentram-se também, na atualidade, boa parte dos programas de alívio da pobreza (CAMPOS, 2012b, p. 91).

Neste contexto, o que tanto Campos (2012b) quanto Rosemberg (2007) postulam é que este tipo de educação fragmentada, com cisão dentro de uma mesma etapa educativa, privilegiando um grupo em detrimento do outro, não promove equidade de gênero, étnica ou social, como é prometido pelos

programas, mas, ao contrário, resultam, em sua maioria, em um trabalho de baixa qualidade, incompleto, criando políticas pobres para crianças pobres.

É a partir destes postulados que se configura a análise de uma das formas de organização da oferta de educação infantil em Campinas, o Programa Naves-Mãe, tendo como foco analisar como foram estabelecidas as parcerias entre a Secretaria de Educação de Campinas (SME) e as Organizações Não-Governamentais (ONGs) para a oferta desta fase da educação básica no município.

Entendendo que este programa apresenta as características organizacionais do novo gerencialismo, precisando ser explicitado como se configura esta oferta e quais suas consequências para a educação das crianças pequenas de Campinas.

3.2 Uma questão de direito? As legislações nacionais para a educação