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Conceitualizando o caminho da minimização do Estado à concepção das Parcerias Público Privado

DESCENTRALIZAÇÃO, REFORMA DO ESTADO E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO: onde fica a educação

2.1 Conceitualizando o caminho da minimização do Estado à concepção das Parcerias Público Privado

Dentro do processo de redemocratização do país, oriundo da abertura política pós-ditadura, nos anos de 1980, houve uma reformulação da sociedade brasileira no que tange à política, economia, agendas sociais etc., concomitantemente às mudanças estruturais econômicas e políticas em toda a América Latina.

Segundo Rodriguez (2009), durante o período de discussão da constituinte e após sua promulgação, o debate sobre as dimensões do público e privado na educação foi uma constante, alcançando seu grau máximo durante a Reforma do Estado entre os anos de 1994 e 1996, dentro do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa reforma legitimou as parcerias com instituições não governamentais, sejam essas filantrópicas, confessionais ou comunitárias, dentro do conceito público não-estatal, preconizado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que entrou em vigor a partir de 1995. Nesse momento, vemos despontar inúmeros mecanismos de privatização dos serviços essenciais públicos, a saber: educação, saúde e previdência, tudo dentro de uma nova lógica mercadológica.

Reforma do Estado, nos paradigmas preconizados pelo PDRAE (1995), postulava-se que a crise do Estado, nos anos de 1990, era uma crise de ajuste fiscal e a solução seria produzir uma reforma que trouxesse: Estado mínimo e regulador, com capacidade de recuperar a governança e a governabilidade. Nessa reconstrução do Estado entra em cena como um organismo gerencial, baseado nos moldes das organizações administrativas do setor privado, que prometiam, através de ações baseadas na análise de desempenho, resolver as mazelas do setor educacional, diminuindo o fracasso escolar e elevando sua qualidade.

Mas, afinal, quais são os componentes ou processos básicos da reforma do Estado dos anos 90, que levarão ao Estado Social-Liberal do século vinte-e-um? São a meu ver quatro: (a) a delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho em termos principalmente de pessoal através de programas de privatização, terceirização e "publicização" (este último processo implicando a transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta); (b) a redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário através de programas de desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competição do país em nível internacional ao invés de protetor da economia nacional contra a competição internacional; (c) o aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, através do ajuste fiscal, que devolve autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial (ao invés de burocrática), e a separação, dentro do Estado, ao nível das atividades exclusivas de Estado, entre a formulação de políticas públicas e a sua execução; e, finalmente, (d) o aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graças à existência de instituições políticas que garantam

uma melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou democracia direta (BRASIL, PDRAE, 1995, p. 60).

Assim, de acordo com o documento, na década de 1980, constatou-se o fracasso do Estado regulador com as demandas sociais, sendo necessário enxugar sua influência na sociedade com a descentralização de serviços, como educação (municipalização), privatizações das empresas estatais e repasse dos serviços essenciais - saúde, educação e assistência - para setores público- privados. Nesses setores, encontram-se as ONGs e Organizações Sociais geridas pela sociedade civil.

As pesquisas de Peroni (2007, 2013) postulam que a crise fiscal do Estado, da maneira como foi explicitada pelos intelectuais liberais, autores (as) do Plano de Reforma do Estado não procede, pois é apenas uma face de uma crise estrutural do capitalismo e as medidas adotadas para sua superação - políticas neoliberais, globalização, redistribuição da produção, chamada à sociedade para assumir parte dos serviços que antes ficavam a cargo do Estado -, trouxeram uma nova redefinição das fronteiras entre o público e o privado, cujos resultados a autora define a seguir,

O Plano de Reforma do Estado, com esse diagnóstico, busca racionalizar recursos, diminuindo o seu papel no que se refere às políticas sociais. E dá-se em um contexto em que a proposta do governo federal para fazer frente à crise do capital baseia-se na atração de capital especulativo, com juros altos, o que tem aumentado as dívidas interna e externa, provocando uma crise fiscal enorme nos estados e municípios.

Isso nos leva a crer que a proposta de descentralização apresentada pela União consistiu e continua consistindo, em um repasse, para a sociedade, das políticas sociais. Portanto, o que aparentemente seria uma proposta de Estado mínimo, configura-se como realidade de Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado máximo para o capital (PERONI, 2007, p. 02).

Neste sentido, para Peroni (2010), o plano vai ao encontro das definições neoliberais, que em sua crítica à democracia, a define como causa e efeito da crise do estado, pois um sistema democrático de gestão pública implica em dar poderes as cidadãs e aos cidadãos para decidirem sobre os bens públicos, através do voto.

Para essa teoria, o cidadão, através do voto, decide sobre bens que não são seus, gerando conflitos com os proprietários, o que é visto como uma forma de distribuição de renda. Hayek (1983) denuncia que a democracia faz um verdadeiro saque à propriedade alheia. E, como em muitos casos não se pode suprimir totalmente a democracia (voto, partidos), o esforço é para esvaziar seu poder (PERONI, 2010, p. 218).

A autora define que para a teoria neoliberal a crise não é do capital, mas do Estado que onerou os cofres públicos ao atender as demandas sociais e o resultado foi a crise fiscal. A solução seria o Estado Mínimo, com redução drástica dos benefícios sociais, privatização da coisa pública e adoção da lógica mercadológica em busca de qualidade e eficiência. Estas decisões acabaram trazendo graves consequências para a organização das parcerias público-privado no Brasil.

Paralelo à discussão sobre os alcances do neoliberalismo nas soluções da crise estatal, mas comungando da mesma fonte, temos a Terceira Via, cujos postulados corroboravam com os ideais neoliberais de que existia uma crise estatal que precisava ser corrigida, mas não concordava que o Estado para resolver a crise devesse encolher-se, mas, sim, que este deveria ser reconstruído (Peroni, 2010).

Para tanto, seria preciso que o Estado fosse reformado com base nos parâmetros do mercado para os serviços estatais, dentro da lógica gerencial a ser aplicada nas administrações públicas que seria a valorização do indivíduo através da avaliação de desempenho. Assim, os serviços essenciais, que eram realizados pelo Estado passaram a ser ofertados pela sociedade civil através de parcerias entre o público (Estado) e o privado (mercado).

Portanto, o diagnóstico é o mesmo, mas com estratégias diferentes: o neoliberalismo propõe o Estado mínimo, privatiza e passa tudo pelo mercado; a Terceira Via propõe reformar o Estado, argumentando que é ele ineficiente e, portanto, sua reforma terá como parâmetro de qualidade o mercado, através da administração gerencial, fortalecendo sua lógica de mercado dentro da administração pública. E, também, repassando para a sociedade tarefas que até então eram do mercado (PERONI, 2010, p. 219).

No caso brasileiro, a Terceira Via se consolida na Reforma do Estado de 1995, em que as políticas sociais foram consideradas serviços não exclusivos

do Estado e, assim sendo, de propriedade pública não estatal ou privada

No PDRAE, há um incentivo a privatização das empresas públicas e no caso em que estas não pudessem ser totalmente privatizadas foram apresentadas diferentes formas com que o Estado poderia tecer parcerias com as instituições da sociedade civil a qual constituiria o terceiro setor. Dentro da lógica da Terceira Via, teoria predominante no Plano Diretor, existe o primeiro setor que seria o Estado, o segundo setor que seria o Mercado e o terceiro setor, que se constitui na subvenção de recursos públicos para instituições públicas-não estatais através do processo de publicização.

A palavra "publicização" foi criada para distinguir este processo de reforma de privatização. E para salientar que, além da propriedade privada e da propriedade estatal existe uma terceira forma de propriedade relevante no capitalismo contemporâneo: a propriedade pública não-estatal. Na linguagem vulgar é comum a referência a apenas duas formas de propriedade: a propriedade pública, vista como sinônima de estatal, e a propriedade privada.

Esta simplificação, que tem uma de suas origens no caráter dual do Direito - ou temos direito público ou privado - leva as pessoas a se referirem a entidades de caráter essencialmente público, sem fins lucrativos, como "privadas". Entretanto, se definirmos como público aquilo que está voltado para o interesse geral, e como privado aquilo que é voltado para o interesse dos indivíduos e suas famílias, está claro que o público não pode ser limitado ao estatal, e que fundações e associações sem fins lucrativos e não voltadas para a defesa de interesses corporativos, mas para o interesse geral não podem ser consideradas privadas. A Universidade de Harvard ou a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo não são entidades privadas, mas públicas. Como, entretanto, não fazem parte do aparelho do Estado, não estão subordinadas ao governo, não têm em seus quadros funcionários públicos, não são estatais. Na verdade são entidades públicas não-estatais (ou seja, usando-se os outros nomes com que são designadas, são entidades do terceiro setor, são entidades sem fins lucrativos, são organizações não governamentais, organizações voluntárias) (BRASIL, PDRAE, 1995, p.66).

Neste sentido, a escolha pela oferta de serviços por uma instituição pública não-estatal implica que os serviços essenciais podem ser gerenciados pelo privado, mas não podem ser totalmente desvinculado do Estado, uma vez que este é seu principal subsidiador. Em outras palavras, estes não podem ser totalmente repassados para as empresas privadas, que visam apenas o lucro, mas atesta que para poder alcançar a universalização da demanda é necessário que se façam parcerias com o setor privado, dentro de uma administração gerencial, que possibilite certo controle do Estado.

O Plano de Reforma do Estado no Brasil (BRASIL, MARE, 1995) propõe que as empresas públicas sejam privatizadas ou transformadas em organizações sociais, organizações parceiras do Estado não dirigidas pelo poder público, mas recebendo fundos públicos. Bresser Pereira justifica, ainda, que estas organizações serão mais eficientes, pois mais flexíveis e competitivas, portanto atendendo melhor aos direitos sociais. Mas é importante atentarmos para o fato de o Estado continuará financiando, apesar do controle político e ideológico passar para as ditas organizações públicas não estatais (PERONI, 2010, p. 219).

Este tipo de ação seria definido como quase-mercado, isto é, a lógica do mercado é que será o norte para as políticas estatais, pois o Estado continua financiando os serviços, uma vez que as propriedades continuam sendo estatais, mas o gerenciamento deste serviço em sua totalidade passa para o mercado, ao qual a lógica de gestão será a mesma tanto no setor estatal quanto no privado (PERONI, 2010).

No que concerne à educação, Rodriguez (2009), em suas pesquisas, aponta que as tensões entre o público e privado, nas décadas finais do século XX e nos últimos anos, surgem da inserção cada vez maior da lógica mercadológica nos sistemas de ensino, transformando este bem público em mercadoria que pode ser comercializada tendo como princípio a melhoria da qualidade, que estaria relacionada a avaliações institucionais e de desempenhos constantes dentro do que é preconizado pelo novo gerencialismo.

Segundo o autor, estas tensões dentro do cenário educacional alcançam maior repercussão no ensino superior e na educação infantil, em que o setor filantrópico, o terceiro setor, através do conveniamento, tem ocupado significativa parcela na educação da demanda, dentro da lógica da descentralização das políticas públicas.

O verbete do Dicionário de Ciências Sociais, de autoria de Roberto Moreno Espinosa (2012, p. 118), define descentralização como

[...] o processo por meio do qual os governos centrais, sejam eles estados unitários, sejam federais, transferem ou compartilham o poder e a autoridade com os governos estaduais, e, em menor medida, com os municípios, o que se concretiza através da transferência de recursos e funções.

Os estudos de Rodriguez (2009), Arelaro (2007), Peroni (2007, 2010, 2013) postulam que a descentralização no setor educativo encontra-se atrelada ao repasse da gestão dos serviços públicos à sociedade civil e, neste tocante, provoca o desgaste e enfraquecimento da esfera pública/estatal e amplia o alcance da esfera privado-mercadológica, no que se refere à regulação social.

Foram dois os processos mais significativos de descentralização no setor educativo nos anos de 1990, cujos impactos na área ainda reverberam nos dias atuais. O primeiro refere-se à municipalização, iniciada em 1996, em que a esfera estadual transfere as matrículas do ensino fundamental para a esfera municipal. Em relação a este processo, Rodriguez (2009) o classifica como perverso, no sentido em que: enfraquece um sistema precário, pois suas verbas são menores, inflando-o com a necessidade de rever toda a educação da rede, desde construção de escolas, contratação de profissionais docentes entre outros para atender a demanda; realiza uma divisão e desarticulação no sistema público de ensino, tornando mais difícil o estabelecimento de políticas conjuntas entre os entes.

O segundo refere-se à atribuição da demanda da educação infantil aos municípios, que sendo obrigados a atender também o ensino fundamental, acabam por minimizar a educação das crianças de 0 a 6 anos, aumentando o déficit de vagas ou buscando parcerias e conveniamentos com o setor privado. Estas parcerias, por um lado, resolvem o problema da demanda, mas por outro, e este muito mais grave, firma convênios de qualidade muitas vezes duvidosa para a educação das crianças das camadas populares, cujas famílias necessitam do serviço e se sujeitam as limitações do mesmo, legitimando e abrindo caminho para a privatização do setor.

A tese apresentada indica que a menor pressão de matrículas combinada com a deficiência institucional nos municípios somada à indução federativa (legislação/PRADE) e à exigência de qualidade no sistema (PNDE/MEC) estão levando os municípios a encontrar no setor privado alternativas de gestão e financiamento para os sistemas municipalizados.

Neste encontro entre o público e o privado, nas múltiplas formas que assume esta relação, é que podem ser compreendidas as novas formas de regulação no setor educacional. Novas formas de gestão e de financiamento do setor educativo nas quais o público e o privado voltam a fundir-se no conceito de sociedade civil, que por principio deveria ser o principal ator do processo social (RODRIGUEZ, 2009, p. 119).

Discorrerei a seguir sobre o alcance e limitações destas políticas na sociedade brasileira.

2.2. A perversa construção de políticas públicas para a educação infantil