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Educação infantil em Campinas – do assistencialismo a terceirização

SÃO DOIS PRA LÁ E DOIS PRÁ CÁ: a educação infantil em Campinas

NÍVEL DE ENSINO INSTITUIÇÕES MATRICULAS

1.1 Educação infantil em Campinas – do assistencialismo a terceirização

A exemplo da história da oferta da educação infantil no país, no tocante a creche, que segundo Tonolli (1996) desde a sua criação esteve atrelada à assistência e higienização, não foi diferente em Campinas. Assim, no início do século XX, por iniciativa da Sociedade Feminina de Assistência a Infância, tem início a educação institucionalizada da pequena infância campineira, com a inauguração, em 1914, da Creche Bento Quirino, instituição que ainda funciona na atualidade, agora dirigida pela Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC).

Essa creche tinha o objetivo de cuidar do crescente número de filhos e filhas das trabalhadoras e dos trabalhadores. Devido ao desenvolvimento urbano e industrial oriundos do processo final de escravidão, esses necessitavam de educação e cuidados, enquanto seus pais e mães se preparavam para formar a massa trabalhadora do início do século. Tal Sociedade atendia a uma creche e um asilo (orfanato) e tinha caráter assistencialista, caritativo e filantrópico, recebendo crianças recém-nascidas até a idade de sete anos.

A despeito do caráter assistencial, Tonolli (1996) explicita em sua pesquisa que a concepção de educação infantil contida na organização dessa entidade estava voltada para a oferta de uma educação que ultrapassasse a filantropia, preocupando-se com a criança como um todo, isto é, de sua saúde ao trabalho pedagógico organizado, conforme postulava os enunciados da instituição. Os anais e documentos da época apontavam que já existia a contratação de educadoras especializadas em educação infantil pagas pelo estado atuando naquela unidade.

A experiência da instituição Bento Quirino foi promovida antes por um caráter de ―cuidado‖ à infância pobre, claramente assistencialista e filantrópica. Não obstante, isto não dirime uma possível preocupação ―pedagógica‖ que podemos notar por dividir as crianças em faixas etárias e corresponder, a cada uma delas, atenções diferenciadas.

Chama-nos atenção, também, o fato de não se configurar como mera guarda temporária de crianças. Estava presente uma atenção integral à infância, como atendimento médico e odontológico, bem como preocupações higienísticas e de combate à mortalidade infantil, tão própriasda época (TONOLLI, 1996, p. 43).

Os apontamentos da autora explicitam o vanguardismo de Campinas em relação à primeira infância desde o início do serviço de sua cobertura no município, ainda que seguindo os ditames nacionais da época de oferta de educação higienista e caritativa às crianças pobres que frequentavam as instituições de educação infantil, principalmente as creches, pois a pré-escola ou kindergartens24 era ofertada apenas às crianças mais abastadas da sociedade. No entanto, tais políticas não eram oferecidas pelos órgãos públicos, como explicitado acima, mas iniciativas de organizações filantrópicas, geralmente ligadas à igreja Católica e geridas com recursos próprios, isto é, estavam distantes da esfera pública no que diz respeito a sua organização ou mesmo formas de concepções curriculares e pedagógicas de trabalho.

A partir de 1930, com a crescente urbanização da população e criação de novas organizações trabalhistas, segundo Tonolli (1996), Campinas sofre um crescimento populacional graças ao estabelecimento de várias industriais têxteis e manufatureiras na cidade. Com um novo contingente de famílias de trabalhadores, é preciso encontrar formas de atender às crianças, filhas de operárias (os), através de espaços para a educação e cuidado das crianças.

Partindo dessas ponderações, vemos com Ramos que a partir de 1934, tem início o Plano de Melhoramentos Urbanos em Campinas, que busca transformar a cidade outrora cafeeira em uma cidade moderna e funcional, dividindo-a em: habitação, recreação, trabalho e circulação (RAMOS, 2010, p. 5). Os novos bairros organizados na cidade são constituídos de parques e jardins, com playgrounds em grandes praças, em que a população pudesse ter uma opção de lazer próxima as suas casas.

Há uma preocupação com construção de escolas de ensino primário em cada bairro com o intuito de que as crianças não precisassem se locomover por grandes distâncias para estudar. Essas também estavam localizadas em espaços como pouco trânsito de veículos: a intenção era criar trajetos seguros, levando os pequenos pedestres a atravessarem praças e jardins. As escolas

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tinham também a função de ser centros de lazer para a população nos finais de semana, sendo, portanto equipadas com: bibliotecas, teatros, salas de concertos, praças, quadras e campos, servindo como verdadeiros centros comunitários.

Nesse contexto, Tonolli (1996) nos conta que a partir de 1940 novas preocupações e políticas para educação das crianças pequenas estavam sendo pensadas e desenvolvidas no país. Campinas, sempre despontando como uma cidade pioneira, devido às transformações urbanas e populacionais, seguiu o exemplo de São Paulo e criou na cidade o primeiro Parque Infantil (PI), como um local de educação das crianças de 3 a 14 anos. Buscando se diferenciar das creches assistencialistas, o trabalho pedagógico com as crianças de 3 a 6 anos era realizado em horário integral, enquanto as crianças maiores frequentavam as aulas no contra turno – voltarei ao ponto no Capítulo II.

Nessa dinâmica são construídos dois parques infantis na cidade, ambos imitando os modelos de PIs existentes na capital paulista. Trata-se de o Parque Infantil Violeta Dória Lins, localizado no bairro Cambuí, onde existe hoje o Centro de Convivência de Campinas; e do Parque Infantil Celisa Cardoso do Amaral, na Vila Industrial; esse atende às crianças da educação infantil até hoje, mantendo muitas das características da época. Diga-se de passagem, nos dias atuais a escola teve seu espaço reduzido devido ao novo crescimento urbano, com a instalação do hospital Municipal Dr. Mário Gatti e à especulação imobiliária que concorrem na cidade.

Os parques de Campinas tinham os mesmos objetivos dos parques paulistas de educar a criança recreando-a, sendo considerados experiências pioneiras e diferenciadas de educação das crianças das classes populares, buscando enfatizar um trabalho voltado para a arte, educação física, recreação e valorização da cultura local e nacional.

Foram os parques infantis de Mário de Andrade a primeira experiência em nosso país de uma ação direcionada à criança que permitiu a ela a não adaptação compulsória a um modelo pré- estabelecido, mas a possibilidade de criar uma cultura infantil, ou seja, estabelecer princípios próprios, brincadeiras, desenhos, formas de comunicação, relações e tudo mais, que de fato significasse seu reconhecimento e criação, sem apenas a interferência de normas e regras da sociedade externa, com seus critérios e padrões, impostos

pela imposição da mente e palavras adultas, no entanto, sem perder de vista o desenvolvimento pleno da criança enquanto pessoa e cidadão do Brasil [...] (TONOLLI, 1996, p. 24 – grifo meu).

Como vemos, a composição funcional dos PIs de Campinas seguia os padrões organizados em São Paulo, sendo formada por: uma diretora, que gestava o parque sob orientação técnica da Diretora de Ensino e Difusão Cultural, que em sua ausência poderia ser substituída pelo secretário; uma professora de educação física; uma de educação infantil atuando com crianças de 2 a 6 anos; uma de educação recreativa, que atuava com as crianças e adolescentes; e outra encarregada do clube agrícola. Os parques contavam também com um zelador, que era encarregado da disciplina e servente.

As professoras de educação infantil e de recreação possuíam formação inicial em nível de Curso Normal (antigo magistério). Para as profissionais que atuavam nessas unidades eram ministradas formações continuadas, na forma de cursos de especialização de dez dias na capital, ofertados inicialmente pelo Departamento de Educação Física e Esportes do Estado de São Paulo (DEFE). Contudo, em 1956, esse tipo de profissionalização foi transferido para o Parque Celisa Cardoso do Amaral, reconhecido por sua organização excelente e eficiência nas atividades pedagógicas e de recreação ofertadas na unidade.

Na década de 1950, continua aumento o número de pessoas residentes na cidade, cujos filhos precisam frequentar as instituições de educação infantil. Com isso, além dos parques são construídos Recantos Infantis na cidade para educar as crianças em idade pré-escolar. Construídos, nos moldes dos parques, mas em escala menor os Recantos Infantis, atendiam crianças de 4 a 10 anos, enquanto os parques atendiam as de 3 a 12 anos com as mesmas atividades. Nos Recantos as crianças menores só poderiam frequentá-los acompanhadas de uma pessoa adulta.

Durante as décadas de 1960 e 1970, de acordo com as pesquisas de Ramos (2010), há uma cisão na organização da educação das crianças de 0 a 6 anos na cidade. A questão relaciona-se ao debate das políticas públicas para a educação infantil, a saber, as políticas de cunho minimalistas e de baixo custo, elas mesmas moldadas pelos organismos multilaterais. Nesses termos, nas creches a educação das crianças de 0 a 3 anos passou a ser organizada pela Secretaria de Assistência e Bem-Estar, enquanto a pré-escola, para

crianças de 4 a 6 anos, permanece na pasta da educação, sendo desenvolvidos nos antigos Parques e Recantos Infantis, agora batizados de Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF).

Ramos (2010) indica que em ambas as modalidades de ensino o trabalho pedagógico ocorria de forma integral, visando, além de educar as crianças, atender algumas necessidades sociais, como a criação de locais para permanência das crianças enquanto seus pais trabalhavam. Isso significa que mesmo com o passar do tempo a perspectiva assistencialista se mantém atrelada ao ensino das crianças. Tal modalidade de ensino visava investir nas crianças para a promoção da segurança nacional, tema em voga na época no país, tendo um cunho compensatório com o intuito de erradicação do fracasso escolar. Nessa época, a oferta da educação infantil, de acordo com a Constituição de 1971, passava a funcionar em parceria com o Estado.

Esse quadro se manteve durante toda a década de 1970, até meados dos anos 1980, quando houve o processo de abertura do regime ditatorial, tendo sido promulgada em 1988 a nova Constituição. Transferia-se para os municípios, em parceria com os entes federais e estaduais, a demanda de oferta da educação infantil.

Trata-se de período de agitação política e de inúmeras reações ao estado vigente, como as lutas dos movimentos populares e as reivindicações feministas, muitas delas em prol da educação das crianças. As creches e pré- escolas ganham espaço com ampla discussão sobre os direitos da infância e da adolescência. Por outras palavras, a Creche passa a ser sinônimo de conquista (RAMOS, 2010, p. 81).

Em se tratando da cidade de Campinas, buscando atender o disposto na Constituição Federal de que a educação infantil devia fazer parte da pasta da educação, o município, pioneiramente, transferiu essa modalidade educacional do setor de promoção social para a secretaria de educação, em 1989, isto é transferiu a creche para a pasta da educação, onde a pré-escola já estava configurada.

No ano seguinte, a Lei Orgânica do Município veta as matrículas a outras modalidades de ensino no município, enquanto a municipalidade não atendesse plenamente as demandas da educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA). Nesse contexto, caberá a SME a

instalação, funcionamento e fiscalização das instituições de educação infantil públicas e privadas no município. Já ao Departamento Pedagógico (DEPE) cabe organizar as ações pedagógicas e avaliativas dessas instituições, sendo, então, criados os:

Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI) – atendendo crianças de três meses a sete anos

Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI) – atendendo crianças de quatro a sete anos

Centro Integrado de Educação Infantil (CIMEI) – resulta na integração de duas ou mais EMEIs, ou um CEMEI mais uma EMEI - atendendo crianças de sete meses a sete anos (Cf. RAMOS, 2010, p. 92).

Para organizar o trabalho pedagógico nas instituições de educação infantil no município, e atender aos princípios pedagógicos ―cuidar‖ e ―educar‖, presentes na CF, LDB e as DCNEIs, são criadas, na década de 1990, as diretrizes municipais para a educação infantil sobre o título Currículo em

Construção da Educação Infantil. Trata-se de um documento construído há

muitas mãos que envolveu muitos (as) profissionais do município. Esse regerá acerca da organização curricular no trabalho nas creches e pré-escolas municipais até meados de 2013. Depois disso, foram lançadas as Diretrizes

Curriculares para a Educação Infantil.

Na prática, no entanto, o trabalho desenvolvido nas unidades de educação infantil continuou a ser organizado de acordo com o estabelecido pelo Currículo em Construção (1991), pois os (as) profissionais que atuavam na educação infantil campineira não se sentiam representados (as) pelo novo documento, cuja discussão não foi realizada no coletivo das creches e pré- escolas, ao contrário, foi algo imposto pela SME, negando a realidade das instituições.

Campinas sempre primou por ter uma rede própria de oferta de educação infantil, contudo, devido à demanda e ao crescimento desordenado da população, buscou, ao longo dos anos, de maneira pontual, parcerias com instituições conveniadas ligadas à Federação de Entidades Assistenciais de Campinas, num sistema colaborativo de repasse de vagas e subvenções

públicas para a educação das crianças nas instituições com sedes próprias ligadas a essa entidade.25

Mesmo com as CEMEIs, EMEIs e CIMEIs atendendo em sua capacidade máxima e tendo cerca de 39 entidades conveniadas, em 2005 a cidade apresentava um déficit de 15.294 vagas26 para a demanda do 0 a 6 anos. Por conta disso, o prefeito à época, Hélio de Oliveira Santos (PDT), resolveu criar o Programa Naves-Mãe para tentar solucionar alguns impasses da educação infantil no município.

1.2 “Onde é essa fábrica?” A Pedagogia dos Sentidos e o Programa Naves-Mãe: a pesquisa de campo