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As partes do corpo

No documento o Ator e Seus Duplos (páginas 34-45)

Deitar sobre um colchonete e relaxar o corpo.

Tencionar perna esquerda e braço direito. Alternar e relaxar.

Tencionar da cintura para cima e relaxar da cintura para baixo. Alternar.

Tencionar o corpo e manter o rosto tranqiiilo. Relaxar. Tencionar os músculos da face e relaxar o corpo.

Deixar uma emoção qualquer acumular-se dentro de si (alegria, raiva, tédio, medo, curiosidade, etc.). Expressá-la no rosto. Manter a expressão congelada, criando assim uma máscara muscular. Mantê-la o máximo possível. Relaxar. Repetir o exercício para cada uma dessas sensações, fazer uma pausa e concentrar na sensação oposta. Por exemplo, da alegria, passar para a tristeza; do medo, para a descontração, tranqüilidade, etc. O corpo todo acompanha a sensação estampada no rosto, mas o trabalho aqui deve ser o de expressar essa sensação apenas através dos músculos faciais, mantendo o corpo tão neutro quanto possível.

Os opostos

1. Rosto exposto (corpo coberto)

Dois atores escolhem sensações opostas. Por exemplo, empáfia e humildade, insegurança e auto-suficiência, desprezo e admiração. Cobrem o corpo com uma túnica. Concentrar-se para que cada um consiga expressar a sua emoção através do rosto. Quando estiverem prontos, isto é, com a “máscara” da emoção esculpida no rosto, apresentar-se ao grupo, disposto em círculo. Os atores encaram o público, olhando um a um (olho no olho), expressando-se pela máscara facial e pelo olhar. Depois de encarar todos do grupo, posam no centro, por alguns segundos, evidenciando- se os contrastes entre ambos. Saem de cena para se concentrar na troca de papéis.

Repetir o exercício.

2. Corpo exposto (rosto oculto)

Os mesmos atores tiram suas túnicas e, com o corpo descoberto, cobrem a cabeça com um capuz. Combinam entre si os temas que vão interpretar. Depois, concentram- se para fazer agora um trabalho de expressão corporal. Entram no círculo e contracenam um com o outro. O jogo agora é entre eles, não com o público. Num certo momento, congelar. Trocar de papéis (eles têm alguns segundos de pausa para se concentrar em seus novos papéis). O jogo continua. Repetir momentos de congelamento e momentos de troca de papéis.

3. O todo (rosto e corpo)

De capuz, sem túnicas, voltar a fazer o mesmo exercício com troca de papéis e momentos de congelamento.

Num dado momento, sem aviso, o diretor retira os capu- zes e os atores continuam o exercício trocando sempre de papéis e com momentos de congelamento em situações mais críticas. Nesse jogo corporal surgem, às vezes, movi- mentos muito expressivos.

O jogo dos opostos enfatiza partes do corpo (rosto e corpo, pernas e braços, mãos e rosto) e, ao mesmo tempo, a necessidade de expressão de todo o corpo. Com o corpo coberto, o ator concentra-se no olhar; mesmo estando oculto por uma túnica não significa que o corpo não participe, ao contrário, ao ser visualmente anulado, sua energia con- centra-se no rosto.

Esse exercício nos leva também a refletir em que medida o corpo serve à máscara, nesse caso, a máscara

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Rosto exposto (corpo oculto) Rosto oculto (corpo exposto)

Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

facial criada pelo ator. Ou, em que medida se deve anular o corpo para maior concentração de energia no rosto, isto é, na máscara.

No exercício inicial (rosto exposto), em que o ator se confronta com a platéia, ele precisa de muita concentração. É um momento difícil, pois a tendência é se deixar levar pelo público. O objetivo desse exercício é o ator manter-se dentro do personagem por ele criado, apesar dos estímulos externos contraditórios. A dificuldade está em encarar a platéia. E preciso atraí-la sem se deixar levar ou se envolver com ela, mantendo a “máscara”. Esse é também um treinamento para o “mostrar-se”, mantendo distanciamento com o público.

O confronto ator/platéia, que surge através da troca dos olhares, reforça a máscara ou desconcentra o ator? Como neutralizar o olhar da platéia para não se envolver, para manter a própria máscara? O jogo dos opostos reforça a máscara?

Sejam quais forem as dúvidas e as dificuldades, esses exercícios procuram desenvolver a concentração. Por meio deles procura-se mostrar a necessidade de se trabalhar o corpo e o rosto, separada e simultaneamente. O fato de o corpo estar coberto por uma túnica, ou o rosto oculto por um capuz ou máscara, não significa que não participem; ao contrário, partes do corpo quando não visíveis reforçam a expressão das partes expostas, pois ocorre uma concentração maior de energia.

O ator em máscara

Cena de A Benfazeja, conto de João Guimarães Rosa. Montagem da Pesquisa Teatro de Animação, 2001. Foto de Angela Garcia.

X áscara é o que transforma, simula, oculta e reve- JL la. Se bonecos, imagens e marionetes representam o homem, a máscara é sua metamorfose. Por sua rigidez, prende o momento, registra e fixa o essencial, mais per- manente. O rosto humano está sujeito a instabilidades emocionais, reflete o interior da alma e facilmente se deixa trair. Já a máscara é como um rosto sem interior. Ao vesti- la, o ator assume sua parte racional e sensitiva, assim como constrói o seu corpo.

Por que a máscara vem sempre associada ao teatro, aos ritos, à magia? E o que é teatro, rito, magia?

Teatro é o que acontece num determinado momento e espaço, onde alguma coisa se transforma através de movimentos, gestos, palavras e, ao se transformar, modifica o ambiente e as pessoas à volta. Um ato teatral acontece quando o indivíduo que o executa modifica-se, colocando outra personalidade em seu lugar. E outro o seu tom de voz, outra sua aparência, trata e representa outra coisa que não a simples rotina. O personagem surge quando o ator deixa de ser simplesmente o que é para aparentar ou simbolizar algo além de si mesmo. O teatro existe desde que o homem passou a sentir esse tipo de necessidade, necessidade de sair de si, de se despersonalizar, de se disfarçar, de escapar do dia-a-dia para expressar outras maneiras de ser. Seja em rituais ou no teatro, experiências desse tipo sempre existiram, desde os primórdios.

Num ritual, o homem, em máscara, transforma-se em deus, em animal, em forças cósmicas. A máscara provoca transformações imediatas, com ela a pessoa passa de sua condição para outra. E magia porque magia é um fe-

nômeno que surge quando duas realidades diferentes, mesmo opostas, são conectadas. A máscara, sendo um ob- jeto material, também representa algo não material.

Os rituais, aos poucos, foram sofrendo

transformações e tornando-se cada vez mais espetaculares. Mas no ritual ou no teatro, a máscara continuou representando forças, conceitos, idéias abstratas. O que antes eram deuses transformou-se em personagens- arquétipos.

A máscara esteve sempre presente nas manifestações espetaculares do Oriente, na origem do teatro grego, nas grandes tragédias e depois nas comédias; des- sacralizada, foi levada às ruas pelos mimos. É parte das festas populares, das cerimonias religiosas e profanas, com o intuito de reverenciar ou simular, assustar ou brincar. Nos folguedos, representa liberação de forças sociais anárquicas. É riso e contestação.

No teatro, com o surgimento do gênero literário, o homem, representado na figura do ator, passa a ser o centro. A máscara é assim praticamente abolida do teatro europeu, tornando-se objeto cenográfico, objeto de cena e, para as artes, um objeto estético. No início do século XX, no entanto, por influência da arte abstrata africana e do teatro oriental, em reação aos excessos do Realismo, ela retorna enquanto símbolo. E parte do teatro simbolista.

Para Maeterlinck, a máscara atenua a presença do homem no palco. Os futuristas usaram-na contracenando com objetos. Está presente nos experimentos cênicos da Bauhaus; Meyerhold, em seus laboratórios, utiliza-se dela para exercícios de movimento do corpo no espaço. E, dentro de uma nova concepção de interpretação teatral, passou a ser usada também.

Ainda que a máscara tenha perdurado no tempo, a sua conceituação mudou. Se antes, no ritual, o portador de urna máscara sentia-se habitado por forças e deuses, hoje, para o ator contemporâneo, ela não tem a mesma significação.

Símbolo, cenografia ou personagem, a máscara continua instrumento fundamental do trabalho teatral.

Mas por que é a máscara considerada instrumento no treinamento do ator quando, na verdade, o que ele (pelo menos num primeiro impacto) sente ao usá-la é uma grande sensação de desconforto? De pronto, ao vesti-la, percebe uma limitação no seu campo visual, a respiração é dificultada e a voz ou se distorce ou perde a força. Em compensação, o espaço à sua volta toma outras dimensões, o simples mover do corpo exige uma atenção tal que, para mínimos gestos, exige-se muita concentração. A máscara leva à conscientização do corpo, tornando o ator muito sensível aos estímulos físicos que o cercam. Por isso ela é fundamental para sua formação, principalmente quando o ator pretende se expressar através de personagens materiais, inanimados.

O treinamento em máscara exige tempo, paciência e muita concentração. Pode ser feito por etapas. E a primeira etapa são exercícios com máscara neutra.

Máscara neutra é uma máscara sem expressão, branca ou de cor indefinida; em si, nada representa. A máscara neutra é o oposto da individualidade. Através dela o ator começa a se perceber e aprende a desvencilhar-se de sua própria personalidade. Despoja-se de si, abrindo espaço para o personagem. Entra no vazio. E o ser antes de qualquer definição. Em máscara neutra percebe-se o ponto zero, momento de energização e de escuta que antecede

a ação, pausa antes do agir. Mas esse é apenas um momento fugaz, pois assim que recebe algum estímulo exterior, essa neutralidade cessa. E ao sair do estado neutro a máscara reage, sem “pré-conceitos”, e, assim desprevenida, age como se percebesse o mundo pela primeira vez. Trabalhar com máscara neutra leva o ator a perceber as nuanças entre o seu estado-matéria ou estado-objeto (estar), o seu estado- orgánico (ser) e o seu estado-racional (analisar, deduzir).

A etapa seguinte é o treinamento com máscaras expressivas. As máscaras expressivas representam tipos, são personagens que pedem um gestual próprio e inspiram situações determinadas. A percepção do espaço à volta, dos objetos e de outros personagens fica mais clara. E o momento da contracena.

Máscaras abstratas levam o personagem para algo além das qualidades sociais, enfatizam o movimento e a forma, são metafísicas.

Para o uso de máscaras - neutras, expressivas ou abstratas - existem certos requisitos. Para começar é preciso concentração, tranqüilidade, disponibilidade para deixar de lado o seu eu e, sem pré-conceitos, assumir o desconhecido. E o começo de uma transformação. Afinal, não é essa a função do teatro?5

As máscaras podem ser classificadas por sua forma, pelo material com que são confeccionadas ou tamanho. De acordo com a forma, elas podem ser neutras, expressivas ou abstratas. As expressivas subdividem-se em realistas e exp ressumis tas - usando aqui uma classificação muito generalizada (as realistas imitam a realidade, as expressionistas apontam e exageram determinados tipos). De acordo com o material com que são confeccionadas, podem ser rígidas ou maleáveis. As rígidas são construídas de madeira, metal, couro, tecido, papel maché, plástico, isopor. As maleáveis podem ser feitas de tecido ou couro fino, espuma, látex. De acordo com o tamanho podem ser faciais (cobrindo todo o rosto), meia- máscara (só a parte superior do rosto), parciais (nariz, orelha, partes do corpo), ou corporais (corpo inteiro).

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A máscara em seu estado-objeto

No documento o Ator e Seus Duplos (páginas 34-45)