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Forma, cor, textura, estrutura, etc.

No documento o Ator e Seus Duplos (páginas 157-163)

O material de que um objeto é feito é muito importante, uma vez que determina suas ações. São diferentes os

movimentos de uma peça elástica ou metálica. O material determina também sua força, durabilidade ou fragilidade. Por exemplo, a diferença que existe entre uma bola de ma- deira e uma bexiga. A forma (cubos, circunferências, formas chapadas, etc.) também, por si, cria o personagem. A textura sugere sensações, sensualidades: a maciez da seda ou a aspereza de uma lixa influem no conteúdo de uma cena.

Essas peculiaridades são quase sempre captadas por artistas plásticos, mas os atores também podem ser sensibilizados por meio de exercícios de observação. Num laboratório pode-se propor que se desenhem as sombras refletidas pelos objetos, pois no delinear desses traços, muitas características, normalmente não percebidas, tornam- se evidentes. Para desenvolver a sensibilidade de crianças, M. H. Larminat propõe um jogo muito interessante.42 Ele sugere um jogo de dominó, no qual objetos vão-se emparelhando de acordo com semelhanças de cor, textura, forma ou quaisquer outras características.43

A metamorfose

Ter disponível um elenco grande de objetos. Grandes, pequenos, objetos úteis, em uso ou sucatas, peças de máquinas, objetos delicados, transparentes, opacos, pesados e leves, etc.

Pedir aos atores que selecionem os que mais os atraírem e, a partir da função original de cada objeto,

descobrir outras possíveis funções que possam,

coerentemente, lhes ser atribuídas.

42

Max-Henri Larminat, Objets en dérive (Paris: Atelier des Eníants/Centre George Pompidou, 1984).

43

Em H. Larminat, ver também o exercício do habitat dos objetos, que assim parecem ter vida própria, lião apenas funcional.

Depois que os atores selecionarem seus objetos, dar o tempo que lhes for necessário para que descubram, para cada objeto, urnas cinco, dez ou mais funções diferentes. Individualmente, os atores apresentam o resultado de suas pesquisas.

Conforme visto nos exercícios anteriores, para se observar um objeto é necessário levar em conta sua fon ma, mobilidade ou rigidez, som, textura, transparências, fragilidades, maleabilidades, peso, etc.

Para submeter um objeto a metamorfoses, é necessário observar também o seu centro de equilibrio e modificá-lo. Para isso, deve-se virar o objeto em posição contrária à que foi construído, isto é, de “cabeça” para baixo, ou de “pernas” para cima. Da mesma forma que o corpo humano, todo objeto tem um eixo e um “centro pensante”. O eixo é a parte principal que o sustenta, é sua espinha dorsal. Usando uma expressão de Hubert Japelle, “o centro pensante” é um ponto a partir do qual o objeto parece estar vendo, “pensando”.15

O ator, ao tomar em suas mãos um objeto, deve procurar seu eixo de equilíbrio e seu suposto “centro pensante”, procurando coincidi-los com o eixo e o equilíbrio de seu próprio corpo.

Na apresentação das várias metamorfoses a que os objetos podem ser submetidos, as situações colocadas devem ser claras, para que se compreenda bem o que o objeto, naquela situação, significa. Tentando especificar com detalhes a proposta deste exercício de metamorfose, diria que se deve começar por apresentar o objeto em sua função original e só então fazê-lo passar por transformações,

15 H. Japelle, “L ’interprétation du mouvement”, em Théâtre Public, Paris,

setembro de 1980.

adquirindo outras funções (plausíveis). Começar sempre do mais simples. Se a transformação vier do próprio obje- to, melhor, isto é, a causa da transformação do objeto deve, preferencialmente, vir dele mesmo. Por exemplo, se uma cuia vai-se transformar numa canoa, deve-se mostrar antes que ela, enquanto cuia, está boiando, para depois dar a perceber que está navegando e que se transformou num barco ou canoa. Outro exemplo: um ator inicia a cena sentado num banquinho de forma oval; de repente, desequilibra-se e percebe que o banco se move. E agora uma grande tartaruga. Assim sucessivamente, fazer uma sequência de metamorfoses. Em cada mudança, é preciso que se perceba a razão, externa ou interna, dessa transformação. As situações devem ser claras para que se compreenda bem o que o objeto significa. As mudanças também podem vir do narrador.

O papel do narrador é ajudar o público a perceber a ligação que existe entre uma etapa e outra no processo de metamorfose a que o objeto é submetido.

Quanto mais abstrato é um objeto, mais fácil é metamorfoseá-lo; e quanto mais óbvia sua função, mais difícil transformá-lo. E fácil metamorfosear peças ou sucatas de máquinas, não muito identificáveis em suas funções. Difícil é trabalhar com objetos óbvios, como gaiolas, facas, chaves, pois suas formas e funções são evidentes, por isso, mais difíceis de ser metamorfoseadas.

O jogo da metamorfose é um exercício preliminar e básico para se conhecer e explorar as possibilidades do objeto, seja por suas formas externas, seja por seus mais óbvios conteúdos.16

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Os exercícios das metáforas e metamorfoses foram colocados por J. Krofta em sua oficina sobre teatro de objetos, realizada no Instituto Internacional da Marionete, em Charleville-Mézières, em 1984, da qual a autora teve a oportunidade de participar.

O conteúdo

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a) Objeto em movimento e ator imóvel

Uma pessoa coloca-se dentro do círculo; o diretor coloca um objeto que para ele tenha uma conotação pessoal: bom ou mau, agressivo ou passivo, “moral” ou “imoral”.18

Escolhe depois um ator e dirige-o sem usar uma palavra, utilizando apenas sons e gestos corporais, sem cair em mímica descritiva. Dessa forma, o ator deve perceber que tipo de movimento ou que tipo de animação o diretor deseja que ele imprima ao objeto/personagem. O ator deve expressar-se apenas por meio do objeto, mantendo-se absolutamente neutro.

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Os exercícios b) objeto imóvel e c) objeto em movimento foram sugeridos por R. Paska, na mesma oficina sobre teatro de objetos mencionada anteriormente. R. Paska, bonequeiro e pesquisador americano, é hoje o diretor do Instituto Internacional da Marionete.

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Esses conteúdos são determinados por opção pessoal subjetiva dos atores- manipuladores. Por mais pessoal que seja essa atribuição, o conteúdo dado deve ser sempre relativo às qualidades do objeto em si.

w

Metáforas e metamorfoses

b) Objeto imóvel e ator em ação

O ator escolhe um objeto e coloca-o em cena,

reagindo a ele de acordo com a emoção pessoal que o objeto lhe desperta.

c) Objeto em movimento e ator em ação

Em cena, dois atores e dois objetos de conteúdos opostos. Cada ator manipula seu objeto de acordo com o conteúdo que lhe atribui. Quando surge um conflito ou quando a relação entre os objetos se torna crítica (muito violenta ou repetitiva), o grupo que assiste à cena deve perceber que esse é o momento de interferir. Entra então outro ator com um terceiro objeto, substituindo o objeto agressivo. O objeto que entrar não assume a posição do objeto agressivo, eliminado, mas assume papel passivo, e o objeto que já estava em cena, antes passivo, torna-se ativo ou agressivo. A cena continua e quando novamente a situação se torna crítica, novamente o objeto agressivo, ou ativo, é substituído. Assim sucessivamente. A interferência na cena é necessária sempre que ela se torne crítica ou quando já não apresente outras possibilidades senão repetir-se.

Este exercício mostra os três momentos básicos de uma encenação: o momento neutro, inicial, em que as coisas começam a se configurar; o momento de conflito; e o momento de transição ou transformação.

Um objeto é sempre um objeto. Suas possibilidades dramáticas surgem do conflito que as metáforas criam. Mas esse momento é muito efémero e deve ser imediatamente seguido por alguma transformação. As transformações devem ser coerentes com as possibilidades de conteúdo e forma dos objetos.

No documento o Ator e Seus Duplos (páginas 157-163)