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o Ator e Seus Duplos

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Academic year: 2021

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¿MASCARAS

•BONECOS,

¡OBJETOS

Ana Maris Amaral I

m

SAO PAULO

I

(2)

01-4982

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Amaral, Ana Maria.

O ator e seus duplos : máscaras, bonecos, objetos / Ana Maria Amaral. - São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 2002.

ISBN 85-7359-227-3 ISBN 85-314-0665-X

1. Arte dramática 2. Atores 3. Bonecos (Teatro) 4. Máscaras (Teatro) I. Título.

CDD-792.028

índices para catálogo sistemático: 1. Duplos no teatro : Artes da representação 792.028

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máscaras, bonecos, objetos

Ana

Maria

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ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SENAC NO ESTADO DE SÃO PAULO

Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman

Diretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de Assis Salgado

Superintendente de Operações: Darcio Sayad Maia EDITORA SENAC SÃO PAULO

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ESP

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E-mail: eds@sp.senac.br Home page: http://www.sp.senac.br © Ana Maria de Abreu Amaral, 2001

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KI

M

MO

7

Nota dos editores

9

Prefácio Henryk Jurkowshi 1) Introdução

19

Capítulo 1-0 ator

79

Capítulo 2 - A máscara

77

Capítulo 3-0 boneco

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)

Capítulo 4-0 objeto

1)3

Objetivos, processos e fotografados D)

Referências bibliográficas

1)9

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NOTA DOS tDÍIOüCS

Wp' ator como personagem e o ator como manipulador de

objetos são analisados aqui pela diretora e dramaturga Ana Maria Amaral, que alia a cuidadosa pesquisa e a acuidade teórica ao sentido didático desen- volvido na orientação de cursos e workshops. Como resultado, tem-se um livro que, útil para profissionais e estudantes de interpretação, é também de vivo interesse para todos os apreciadores das artes cênicas, graças às considerações sobre o trabalho do ator em geral e o do ator que manipula máscaras, bonecos e objetos.

A arte teatral ganha mais uma merecida contribuição com este livro que o SENAC de São Paulo e a Edusp (Editora da Universidade de São Paulo) lançam em parceria.

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atual interesse por atores não humanos, tais como manequins, máscaras, bonecos ou objetos, parece resultar de um longo processo histórico das artes cênicas. Desde os primórdios a humanidade esteve em contato com essas representações de deuses, homens, animais e seres fantásticos que serviram para que o homem visualizasse o mundo antes mesmo de decidir-se a pisar num palco. Pouco a pouco, máscaras, figuras e bonecos foram retirados das cerimónias religiosas e das produções artísticas, cedendo lugar a pessoas-atores-mas apenas temporariamente. Hoje ressurgem em grande número, não como expressões marginais de arte popular ou peças de apelo infantil, mas com papel de destaque entre as mais refinadas manifestações artísticas.

Se nos voltarmos para a origem das artes, compreenderemos esse processo. Os homens de então, chocados e amedrontados com o ambiente hostil que os rodeava, tentaram negociar com as forças naturais - terra, fogo, água e ar e seus fenômenos decorrentes (terremotos, vulcões, inundações) -, assim como com os animais selvagens, conferindo-lhes o status de existência divina. Por não poderem se comunicar diretamente com esses elementos, passaram a representá-los por meio de ídolos, fetiches, estátuas. Essas figuras ganharam movimento, tornando-se estátuas e bonecos animados.

Os homens também inventaram máscaras para apresentar os deuses em ação. De imediato, um portador de máscara se transformava em outro ser, divino, sagrado. Assim paramentado participava de todo tipo de ritual, para reverenciar os deuses ou para com eles negociar em favor

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de seus fiéis. Os sacerdotes que dirigiam esses rituais, assim como seus auxiliares, preenchiam as funções mais primárias, que depois se configurariam como próprias de um ator.

Muitos pesquisadores acreditam por isso que o teatro nasceu nos degraus do altar, mas as opiniões se dividem em relação à primeira apresentação de personagens - essas figuras seriam estátuas ou seres humanos? No que concerne ao teatro grego, sabemos que se tratava de pessoas com máscaras. Mas outra questão se coloca: essas pessoas seriam atores? De qualquer forma, sabemos que os portadores de máscara assumiram e mantiveram as funções de sacerdotes e curandeiros.

Um longo caminho foi percorrido entre as primeiras apresentações semi-religiosas com máscaras e o conceito popular que hoje temos de ator. Os próprios atores passaram por vários estágios em sua profissão até chegar à situação atual, quando são reconhecidos como parte da elite cultural e, muitos deles, amplamente admirados. Não apreciam ter como substitutos manequins ou bonecos; orgulham- se de seu status no teatro moderno e principalmente no cinema. Não necessitam de máscaras. Essas e outras representações que os personalizam são requisitadas apenas por uma categoria especial, a dos diretores e cenógrafos!

E evidente que todos nós admiramos os grandes e talentosos atores, embora sejam egocêntricos e tenham a tendência de dominar a arte teatral. No entanto, não desprezamos outras formas de expressão, como as transmitidas por meio das coisas e dos objetos. Os estudos de semiótica nos tornaram mais cientes de que tudo que nos rodeia se comunica conosco - todas as coisas emitem mensagens importantes. Não há, portanto, surpresa no fato de que formas animadas, ou formas não humanas, se manifestam hoje com energia renovada, pois sabemos que são tão antigas quanto a profissão de ator, senão mais antigas.

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Nosso interesse em promover esse gênero reside no fato de estarmos procurando maior contato com as origens da nossa cultura, com todos os estágios de seu desenvolvimento e com a sua diacronia. E por isso que vamos em busca das máscaras e dos bonecos. Ao pensar em máscaras, sabemos que elas nos transportam aos primórdios dos tempos, quando eram as substitutas de “outros”. No tempo do “era uma vez...”, os “outros” eram os seres divinos. “Outros”, no nível psicológico, são criaturas de um mundo ilusório criadas por nós mesmos, pertencendo, assim, a um modelo de mundo imaginário. Mas os “outros” não vão além da imaginação humana, dos sonhos humanos e dos elementos próprios da subconsciencia humana.

Portanto, as máscaras, modeladas de acordo com diferentes objetivos culturais, nos introduzem em um outro mundo. É o processo da transformação que ocorre nas cerimónias rituais e nas festas profanas, como as do carnaval de Veneza, pois as máscaras permitem que seus portadores escondam a posição social mediante uma substituição de personalidade em busca de instintos e emoções. Assim, é natural que máscaras tenham sido usadas nas produções teatrais no decorrer de tantos séculos.

Lembramo-nos da esplêndida tradição do teatro grego e da commedia deWarte, que, com as máscaras, imortalizou personagens como Arlechino ou Pulccinella. E lembramos, como a autora deste livro enfatiza, que a meia-máscara da Renascença tem relação com a máscara abstrata moderna, que, por sua vez, também apresenta similaridades com o enfoque ritualístico da máscara africana.

Hoje, as máscaras pertencem à expressão teatral de muitos grupos, dos quais talvez os mais importantes sejam o Groteska, teatro de bonecos e máscaras da Polónia, e o Bread and Puppet Theatre, dos Estados Unidos.

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As máscaras não são apenas instrumentos de disfar- ce; são peças de arte, urna forma especial de manifestação artística. Como tal, são um ponto de partida para a interpretação teatral, desde que seu portador siga as características e a forma que têm, para isso adequando-lhes seu corpo, tal como se fazia na escola de Jacques Lecoq.

A historia dos bonecos é similar à das máscaras - de sua utilização religiosa a seu uso como signo plástico inanimado em cena -, podendo ser, nas mãos de um ator, a aparente e completa substituição de um personagem. Ator e boneco passam a constituir então uma simbiose, uma unidade, enquanto compartilham a tarefa cênica que lhes cabe. Os bonecos, oriundos das mais diversas culturas, são muito diferentes entre si e essa diversidade os torna atraentes. Cada tipo de boneco, de acordo com o material de que é feito, com sua forma, os equipamentos técnicos adotados e a função cênica, demanda um tratamento especial e habilidade de manipulação.

Os bonecos fascinam pelo material com que são construídos, quer sejam simples e básicos (de argila, palha,

galhos ou madeira), quer sejam mais sofisticados

(pergaminho, papel maché, tecido e todo tipo de objetos que sirvam à sua confecção). Atraem também pelo visual inusitado tanto na reprodução de esculturas divinas como na representação de imagens naturalistas ou abstratas. Por isso são objetos cobiçados.

É claro que. bonecos são objetos, mas objetos especiais, ícones de personagens teatrais que diferem dos outros - os não teatrais, de uso prático, ícones de sua própria categoria. Na realidade, a quantidade de objetos em nossos dias é tal que passaram a nos dominar. Daí a tentação de reverter essa situação e procurar dominá-los... no palco. Nas fábulas, contos de magia ou contos populares, certos

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objetos recebem vida e até se tornam personagens. Nesse aspecto, Hans Christian Andersen causou grande impacto.

Já se admite que o teatro de objetos é a grande no- vidade atual. Essa inovação, também chamada de teatro plástico ou visual, é um teatro no qual formas e objetos são criados de acordo com a visão pictórica dos artistas.

A autora deste livro tem pleno conhecimento desses fatos que constituem a base das suas discussões sobre o teatro moderno. Ela valoriza a diacronia da nossa cultura; por essa razão, faz uma revisão histórica do uso das máscaras, assim como do uso dos bonecos, mencionando os mais famosos gêneros e companhias - o teatro Nô, o Teatro Campesino, o Mummenschanz, o Teatro Manarf e as últimas produções de Julie Taymor.

Seu objetivo não é apresentar uma antropologia, uma história ou uma taxionomia dos objetos teatrais. Sendo ao mesmo tempo pesquisadora e praticante de teatro, ela pretende com este livro oferecer uma espécie de manual com informações culturais básicas a todos os interessados nos

aspectos contemporâneos da interpretação teatral.

Naturalmente, as considerações que coloca se baseiam em sua sensibilidade para captar as características de nosso tempo, no qual o homem se vê cercado por múltiplos objetos originários de culturas passadas ou dados a nós em abundância pela civilização atual.

A autora trata com facilidade de todos os aspectos técnicos da interpretação teatral, salientando o trabalho interior do ator e sua concentração, que é de dupla natureza, psíquica e fisiológica. Descreve algumas experiências, dando aos leitores exemplos e caminhos e tendo sempre em vista esta perspectiva: a conexão humana com os principais elementos da natureza. Todos os exemplos de espetáculo teatral que apresenta pretendem ser uma recomendação para o estudo da interpretação e sua dramaturgia.

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Ana Maria Amaral não tem a intenção de criar uma nova teoria de interpretação, sendo provocativamente modesta em sua abordagem a esse respeito. Ao mesmo tempo, explora princípios gerais de interpretação, visando à preparação de um novo tipo de ator - um ator virtual, possível, mas ainda inexistente ou existente apenas em nossas expectativas. Ator que tanto poderá usar máscaras como manipular bonecos e objetos, sejam quais forem suas formas, técnicas ou procedência. Nesse aspecto ela é absolutamente singular entre todos os pesquisadores da arte teatral.

A autora tem consciência da capacidade expressiva dos bonecos e dos objetos que, com as máscaras, constituem uma linguagem especial do teatro contemporâneo. Destaca a diferença entre esses elementos de animação e a mímica. Faz uma observação certa e ao mesmo tempo poética quando diz que, ao se trabalhar com objetos, a representação do personagem se desprende do corpo desses objetos, que é de onde provém sua energia, porque os objetos são de diferentes matérias. Considera a dicotomia existente entre os objetos e a natureza humana uma porta surrealista para o mundo da metáfora. Vê arte teatral como unidade total, sendo o ator o núcleo dos elementos materiais empregados. Ana Maria Amaral compartilha essa visão com os leitores, dando um novo enfoque ao teatro contemporâneo. E isso que faz com que seu trabalho seja tão especial e valioso.

Henryk Jurkoivski2

Natural de Varsóvia, Polónia - historiador, pesquisador e crítico teatral -, é um dos raros teóricos especializados em teatro de airimação. Como acadêmico, foi reitor da Escola Superior de Teatro de Cracovia, vice- reitor da Academia de Teatro de Varsóvia; atualmente, professor convidado de várias universidades européias. Possui livros publicados na Polónia, França, Inglaterra e Espanha.

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9f\ teatro se situa entre o ritual e o jogo profano. Do ^1/ ritual herdou seus principais elementos: dança, ritmo, máscaras, gestos codificados, narrativas e mitos que falam das transformações do universo.

As máscaras usadas nos rituais representam forças da natureza e entidades sobrenaturais. Nas tragédias gre- gas, encarnavam heróis divinos que lutavam contra as forças do destino; nas comédias, com os mimos, passam a reproduzir o cotidiano; e no confronto homem versus homem satirizam os dramas sociais. Os bonecos, na Grécia, eram réplicas dos mimos, numa expressão de teatro mais popular.

Na Europa (apesar do controle da Igreja sobre certas manifestações), máscaras e bonecos continuam a apresen- tar-se em feiras e praças até a Idade Média e Renascença. E um teatro ambulante, irreverente e crítico, que mostra caricaturas do dia-a-dia em situações ilógicas, provocando o riso. No período romântico, começa a ter outra conotação. A máscara representa agora o estranho, o grotesco- numinoso, e o teatro de bonecos, como os autómatos, atrai e perturba pela magia que a ilusão de vida desperta. Num outro plano, os bonecos são usados também como substitutos do ator nos teatros elitistas da corte, em repertório literário.

No Oriente, o teatro de bonecos é principalmente épico; temas míticos, ligados à tradição, são apresentados em cerimónias religiosas e no culto aos antepassados. Na índia, inicialmente, as narrativas eram ilustradas por imagens estáticas, iluminadas por uma luz que se movia e seguia os diferentes quadros. Aos poucos essas imagens pas-

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saram a receber movimentos, isto é, as figuras bidimen- sionais, iluminadas por uma luz fixa, adquirem articulações e transparências. Começa assim o teatro de sombras. Não que não houvesse também naquele país outro tipo de teatro, mais leve, satírico e popular, com bonecos tridimensionais, mas seu teatro de sombras é o mais fascinante. Em Java, o teatro de bonecos é até hoje a mais importante manifestação de cultura no país. Os wajang purwas (teatro de sombras) apresentam temas tradicionais, que terminam com uma dança dos wajang

goleks (bonecos de vara, esculpidos em madeira), encerrando

os espetáculos de forte cunho ritual.

E foram essas características do teatro oriental que, no final do século XIX, tanto chamaram a atenção de Edward Gordon Craig, que via nos bonecos “o homem em grande cerimónia”, lançando a idéia da supermarionete como ideal do ator.1 Também Maeterlinck dizia que, por ser a arte um símbolo e como todo “símbolo não suporta a presença ativa do homem”, dever-se-ia substituir o ator orgânico por figuras e imagens.2 Assim, com os simbolistas, bonecos e máscaras voltam a ocupar seu espaço, priorizando-se a linguagem dos arquétipos, trazendo de volta símbolos ausentes. Pesquisas e experimentações de espaço, cor e forma levam a um teatro cada vez mais abstrato. Os futuristas substituem a psicologia pelo lirismo da matéria e, no Surrealismo, o objeto, agora sujeito, se coloca como protagonista.3

1

E. G. Craig, O» the Art of the Theatre (Nova York: Theatre Ares Books, 1956).

2

M. Maeterlinck apuã Denis Bablet em O. Asían (org.), Le masque, du rite

au théâtre (Paris: CNRS, 1985), p. 140.

3

No palco, quando a luz incide sobre objetos, acontece um fenômeno estranho, como se do interior deles saltasse alguma coisa; não é apenas a luz que provoca essa sensação, mas os objetos mesmos que parecem ter dentro de si alguma coisa que assim se manifesta.

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A matéria ganha assim dignidade e o mundo mate- rial é visto sob outro ponto de vista. Cada vez mais, figuras inanimadas representam o ator vivo. E com as novas possibilidades que a tecnologia oferece, o homem acostuma-se a traduzir a vida por imagens, provocando no teatro profundas modificações. O ator agora divide o espaço com seus duplos, contracenando com objetos, simulacros, reflexos e projeções da própria imagem.

Os duplos

O que são afinal esses reflexos, imagens, objetos, símbolos e simulacros? São materializações das nossas idéias, dos nossos pensamentos.

Segundo Novalis, o pensamento cria na mente imagens, traduzidas depois em palavras, que se concretizam e se transformam em objetos.4

Assim, a imagem é anterior à fala e à escrita (a escrita era realizada por meio de imagens simbólicas), está no nível do inconsciente, é ligada aos arquétipos e, como estes, depende de uma concretização para sua manifestação. E como as manifestações dos arquétipos, as palavras e os objetos são também centros energéticos. A cópia, o duplo, ou a repetição de eventos vêm carregados da energia original. Talvez seja por isso que o homem sempre se sinta fascinado ao se ver representado, atraído por seus reflexos, seja o seu reflexo em sombra, na água ou em espelhos, em desenhos, esculturas ou fotos. Curiosidade e prazer como se, ao conferir detalhes de sua imagem, se reassegurasse da própria existência.5

4

Novalis apud B. Boie, Lhomme et ses simulacres (Paris: Conti, 1979).

5

Será que sofremos os efeitos de uma pane tía memória que apaga de nós um tempo em que fomos espíritos des-corporificados?

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Os duplos e os simulacros estão em toda parte, na vida prática, na ciência, na arte, no lazer. São estátuas e estatuetas, figuras de cera ou de presépio, bonecos e ma^ nequins, os autómatos de ontem e os robôs de hoje; pinturas, fotografias, projeções e transparências; nossa imagem em vídeo, cinema e TV.

No teatro, os duplos sempre existiram através das máscaras, do teatro de sombras e do teatro de bonecos.6 As máscaras, por sua fixidez, amplificam, generalizam, tomam-nos por inteiro. As sombras mostram-tomam-nos a realidade sob um aspecto sutil, transportam-nos a outros níveis. Os bonecos são como corpos sem alma que, no teatro, repentinamente adquirem vida e/ou nos perturbam ou nos fazem rir. Figuras e estatuetas de cera ou de brinquedo, corpóreas ou incorpóreas, cómicas ou poéticas, materiais e ao mesmo tempo imaginárias, o que existe, afinal, por trás das figuras que representam o homem?

No teatro busca-se com elas algo mais do que simples aparências e semelhanças. São transposições da realidade. H é nesse jogo de transformações, simulações e revelações que vamos aqui nos adentrar. Vamos experimentar?

As máscaras podem ser classificadas por suas formas (faciais, corporais ou parciais) ou por seus conteúdos (neutras, realistas, expressivas ou abstratas). Os bonecos podem ser classificados por sua estrutura técnica (com luvas, com fios, articulados, de sombra, etc.). Já os objetos, por sua grande abrangência, têm uma classificação mais complexa. Podem ser naturais (produtos da terra, do ar, do fogo, da água) ou construídos pelo homem (funcionais, artísticos, sagrados, em uso ou desuso, etc.).

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Boneco-máscara

Personagem de A Benfazeja, conto de João Guimarães Rosa. Montagem da Pesquisa Teatro de Animação. 2001. Foto de Angela Garcia.

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líj eatro é transformação. No teatro o ator morre en' 1§L

quanto indivíduo e renasce enquanto personagem. Existem semelhanças entre ritual e teatro. Assim, da mesma forma que o crente oferece seu corpo e torna-se um instrumento para que o contato com o divino aconteça, o ator, para estabelecer comunicação com seu público, torna-se outra pessoa. Passa assim por um processo de constante ambiguidade, oscilando entre o ser si mesmo e o pretender ser outro, entre o criar e manter disfarces, sempre consciente desses seus desdobramentos.

A primeira etapa no trabalho de um ator é o aprendizado do sair de si. Num primeiro momento, deve estar aberto, disponível, ter a mente vazia, sem tensões, procurando antes comunicar-se com o próprio corpo. E um estado de prontidão e alerta. Vem, em seguida, o momento da criação do personagem, e a comunicação passa a ser entre um indivíduo e outro (entre personagens) ou entre símbolos, inicialmente numa linguagem em que predomina o olhar. Para construir o personagem, treina os seus músculos, sua voz, mantém o controle sobre a sua respiração, enfim, aprende a manipular o seu corpo. Por isso acreditamos que, ao manipular um objeto estranho, mas a ele ligado (como máscaras) ou distanciado (como bonecos e objetos), o ator desloca o foco de si para algo fora dele mesmo, e isso o ajuda a se perceber melhor. Passar portanto pela experiência de manipulação de máscaras, bonecos e objetos, como a que nos propomos aqui, é para ele muito importante.

Se o deslocamento de si para um objeto externo é importante para o ator, as percepções que a máscara des-

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perta são ainda muito mais importantes para o ator- manipulador e para o bonequeiro, porque é sua linguagem mesma.

Bonequeiro é aquele que não só dá vida aos personagens, mas também os concebe, constrói, dirige, quando não é também o dramaturgo, o iluminador, o produtor, numa polivalência de responsabilidades muito questionáveis, que não pretendemos tratar aqui. Todo bonequeiro é um ator-manipulador, mas qual a diferença entre bonequeiro, manipulador e ator? Ou, ator-manipulador, que tipo de ator é esse?

O ator é aquele que no palco é visto, encarna e tem a imagem do personagem. O ator-manipulador é um ator que eventualmente se propõe ou, num determinado espetáculo, tem necessidade de animar e dar vida a personagens inanimados. Enquanto ator-manipulador, nem sempre é visto ou, quando visto, deve manter-se neutro para que o foco não caia sobre si, mas sobre o boneco ou objeto. Nesse caso, pode ser considerado também como um duplo, um duplo de si mesmo.

A preparação corporal do ator é o primeiro passo de um processo contínuo. A máscara torna-se parte do corpo de quem a usa, pois as sensações aí são emitidas direta- mente. No relacionamento com bonecos e objetos existe um distanciamento. E como se a máscara fosse um meio- termo entre o homem e o boneco, uma mistura, fusão de ator e personagem, o vivo e o inerte, uma verdadeira metamorfose. O boneco representa o homem, é um simulacro. Os objetos representam situações ou idéias e no teatro são colocados como metáforas.

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PRCPARAÇÀO DO CORPO DO ATOR - CKCRCÍCÍOS'

Percepção de si

O espaço de trabalho deve ser um espaço amplo, fechado à volta por um grande círculo de giz. Os atores, ao chegar ao local, antes de entrar no grande círculo, devem se preparar, tirando os sapatos, vestindo a roupa de trabalho, deixando os seus pertences fora do espaço de* marcado. Dar um tempo para “baixar a poeira da estrada”, isto é, desligarem-se do mundo de fora e irem aos poucos apagando os estímulos externos. Os atores devem entrar depois no grande círculo, onde cada um traça um pequeno círculo a sua volta - pequenos círculos individuais, ou círculos duplos, enganchados um no outro. Sentados assim dentro de seu próprio espaço, fechar os olhos e concentrar-se em si, percebendo as concentrar-sensações de concentrar-seu corpo. Mover os dedos do pé, sem tocá-los. Sentir os músculos. Mover os dedos da mão. Suavemente, uma mão deve tocar a outra e, depois, com ambas, tocar o próprio corpo, massagear os pés, os braços, a nuca, coxas e torso, mantendo sempre os olhos fechados. Tocar depois seu rosto e mentalmente procurar visualizar os seus traços.

Abrir os olhos e, num pequenino espelho - então colocado ao lado de cada círculo - olhar-se e perguntar- se se a imagem que vê coincide com a imagem que interiormente se tem de si. A imagem no espelho refletida, será a imagem de um “outro eu”? Ou, será esse nosso rosto, nossa primeira máscara?

Material necessário: giz, espelhinhos, duas túnicas, dois capuzes e más- caras transparentes.

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?1

Percepção do outro

Olhar à volta e ver o outro. Observar os traços do rosto da pessoa mais próxima. Observar depois os outros e refletir sobre as diferenças. Somos todos reflexos uns dos outros. Levantar-se e com os pés apagar o pequeno círculo.4 Sentirse inserido no círculo maior, com todos do grupo.

O corpo e seu espaço

Voltar o pensamento para o seu corpo. Centralizar o olhar e deixá-lo cair no próprio umbigo. Sentir o corpo como algo externo à sua mente, sentir seu volume, seu peso. Mover os braços, as pernas, os ombros e todas as partes do corpo físico que estão sob nosso controle. Sentir o peso da cabeça, dos ombros, do tórax, o peso das pernas e deixar-se cair. Sentar. Procurar perceber depois, na medida da sensibilidade de cada um, as sensações do corpo

4

Esses pequenos detalhes gestuais, como riscar ou apagar o círculo, são importantes, pois esses atos físicos representam atitudes mentais.

Nossa primeira máscara

Laboratório 0 ator e seus duplos. 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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orgânico, isto é, os órgãos sobre os quais não temos com trole e se movem e vivem por si. Por exemplo, as batidas do coração, os músculos do estômago, a respiração, etc. Voltando a concentração agora para partes do corpo sobre as quais temos controle (pernas, braços, etc.), fazer movimentos, como balançar-se, levantar-se, andar, correr, deixando o corpo agir por si, descontraidamente.

Observar até que ponto, ou em que momento, o corpo está, ou não, sob seu comando.

Movimento e ação

Sentindo toda a sola do pé, andar normalmente, no ritmo da respiração e/ou do coração. Sentir o chão e suas irregularidades. Imaginar-se depois andando num terreno esburacado ou sob poças d’água, em cima de uma corda bamba, na areia quente, sobre pedregulhos, etc.

Andar de costas, depois lateralmente. Voltar a andar para a frente, percebendo agora o balanço do corpo de um lado para o outro, esquerda, direita, com o deslocamento de peso. De repente, mudar o seu ponto de equilíbrio, transferindo o eixo do corpo. Por exemplo, apoiar- se apenas sobre uma perna, andar torto, andar com uma perna e um braço, andar arrastando-se ou saltitando. Continuar o exercício usando cada um sua própria imaginação. Em alguns momentos congelar, depois prosseguir.

Observar que, quando se modificam os movimentos habituais do corpo, a concentração mental se aguça. Quando o eixo do corpo muda, quando o corpo adquire posições que alteram seu centro de equilíbrio, geram-se tensões orgânicas. A não estabilidade exige do corpo muita energia, colocando-o em estado de alerta, pronto para a ação, e mais apto a tazer novos movimentos.

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Movimento e gesto

Sugerir ao grupo que faça os seguintes movimentos: a) espontâneos: não racionalizados. Por exemplo,

andar aleatoriamente, jogar bola, brincar de estátua, etc.;

b) mecanizados: marchar, limpar o vidro de uma janela, bater prego;3

c) dinâmicos: quando os movimentos se aceleram. Os mesmos movimentos, mas em ritmo mais forte;

A cada novo tipo de movimento, pedir ao grupo que improvise outros semelhantes.

n

Experimentando movimentos

Laboratório 0 ator e seus duplos. 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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d) energéticos: movimentos nos quais existe sempre um cálculo premeditado antes da ação; quase sempre uma pausa antecede esse movimento. Por exemplo, a posição da mão pronta para matar um mosquito que zumbe à nossa volta;

e) impulsivos: nestes movimentos, ao contrário dos energéticos, não existe pausa antes da ação; eles nascem de um impulso interior e refletem-se numa ação exterior. Impulso de dar um tapa em alguém, gritar de susto, pegar uma bola ou segurar uma criança que cai;

0 de esforço: por exemplo, puxar ou empurrar um carro, levantar uma pedra pesada, arrastar uma mala;

g) aleatórios, não intencionais: coçar, passar a mão no cabelo, etc.;

h) movimento e gesto: gesto é um movimento intencional, acompanhado de emoção. Por exemplo, entregar a alguém uma flor, ou dar-lhe um tapa, abraçar, olhar com emoção. Essas ações não são simples movimentos. São gestos.

Pedir ao grupo que realize ações, como lavar roupa, tirar objetos de um baú, ler jornal, varrer, até que algo inesperado surja e esses movimentos simples sejam interrompidos por segundos, suspensos, e, depois de uma pausa, sob efeito da emoção, susto ou curiosidade, prossigam lentos, hesitantes, perscrutadores, mais densos.

Esse tipo de movimento mais consciente é o que se pode chamar de gesto. A diferença entre movimento e gesto é uma diferença de grau. E intenção mais emoção, ou seja, movimento é uma ação mais mecânica e gesto uma ação mais consciente ou emocional.

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O estático

Numa ação cotidiana qualquer, fazer com que o grupo acelere ou desacelere os seus movimentos. Dançar, cozinhar, varrer, escrever. Em seguida, aos poucos, diminuir o ritmo até que esses movimentos se tornem muito lentos. Parar. Congelar o gesto no ar. Permanecer estático. Sentir o corpo percebendo ora uma, ora outra parte. Perceber o equilíbrio dos dois lados, esquerdo e direito. Mover o corpo sutilmente de um lado para outro, a ponto de não ser visível o seu deslocamento. Jogar o peso do corpo ora para um, ora para outro lado. Sentir a pressão do solo sob os pés, como se o piso os empurrasse. Ter a sensação de que existe um fio puxando a cabeça para cima, como se a pessoa fosse uma marionete. Imaginar, por exemplo, que se está segurando uma grande bola ou que existe alguma coisa entre as mãos ou entre as pernas. Permanecer imóvel, imaginando porém que está correndo, abraçando alguém, fazendo alguma ação. Manter, enfim, a mente sempre ocupada com alguma atividade corporal, mentalmente criada. Relaxar aos poucos. Do estático passar para um movimento muito lento e do lento para o normal, al- ternando-os. Balançar o corpo. Relaxar.

Para manter o corpo estático é preciso muita concentração e atenção. Para isso é necessário muita energia, pois energia é contenção.

Os opostos: expansão e recolhimento

a) Estático e lento

Repetir o final do exercício anterior, isto é, a alternação entre o estar estático e em movimento, lentamente, sentindo os músculos, o coração e a respiração.

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b) Sólido e fluido

Inspirar, sentindo a tensão dos músculos e a firmeza dos ossos. Prender a respiração e soltá-la. Ao expirar, sem tir nesse momento a fluidez do ar, como se todo o corpo se esvaziasse.

Visualizar um copo de água a alguns passos. Estender o braço para alcançá-lo, inspirando e prendendo a respiração, sentindo a firmeza da musculatura. Sentir como se a mão tocasse realmente o copo imaginário. Levá-lo então à boca e, à medida que bebe a água, expirar conscientemente, sentindo a leveza do corpo.

c) 'Ferra e céu/chão e teto

Sentir o espaço acima da cabeça e o suporte do chão sob os pés.

d) Interior e exterior

Com os braços caídos ao longo do corpo, abrir e fechar as palmas das mãos. Com as mãos abertas, girá-las para fora, permanecendo assim por alguns segundos, fechando-as depois. Novamente girar as mãos para dentro. Repetir três vezes.

Levantar os braços até a altura dos ombros, com a palma da mão para cima, e aí sentir a energia que vem do alto; girar as palmas das mãos para baixo e sentir a atração da terra; fechar os braços. O olhar acompanha o movimento das mãos. Repetir três vezes.

Levantar os braços agora acima da cabeça, estican- do-os como se fdo-osse tocar o céu. Abrir as palmas das mãdo-os, sentindo a energia que vem do alto; depois deixar cair os braços lentamente, com as palmas das mãos para baixo. Repetir três vezes, com movimentos lentos.

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Tensão e relaxamento - exercício do gato

Colocar-se na posição de um gato, e, como um gato que dorme, deitar e relaxar totalmente o corpo. De repente, perceber algum estímulo (som, luz, ou um objeto que se move), abrir os olhos, fixar-se no objeto ou dirigir o olhar para o estímulo sonoro ou luminoso atentamente. Por alguns segundos, todo o corpo parece deslocar-se em direção ao estímulo recebido, perscrutando-o. O estímulo se desvanece, o corpo relaxa e novamente volta ao ponto inicial de repouso.

Foco - exercício do galo

Olhar um ponto à frente e seguir em sua direção. Girando o pescoço, olhar outro ponto, à direita ou à esquerda (os olhos ficam sempre fixos, o que se move é apenas o pescoço). Fixar o olhar, acertar o corpo girando na direção do novo foco e encaminhar-se para essa direção. Tomar outros pontos. Repetir.

O olhar

É importante fazer esses exercícios numa sala com fundo negro e que tenha pelo menos um refletor para dar um foco de luz sobre o rosto dos atores. Se isso não for possível, usar em determinados momentos de ênfase uma moldura ao redor do rosto para que os olhos sejam ressaltados. Dificuldades podem surgir quando não há suficiente concentração, dos atores ou da platéia. Foco fechado sobre os olhos pode ajudar.

Dividir o grupo em dois, metade observa e metade faz o exercício.

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Descansar os olhos, fechando-os com as palmas das mãos. Com os olhos assim vendados, movê-los em círculos, lateralmente, de cima para baixo, etc. Piscar. Abrir os olhos.

Olhar fixo: pousar o olhar em algum ponto e mantê- los assim fixos. Observar o impacto que a concentração fixa do olhar num determinado ponto, ou objeto, causa no corpo. A sensação que se deve criar é a de que não apenas os olhos vêem, mas o corpo todo.

Olhar vago, distraído: é um olhar que não vê. As intenções do corpo não coincidem com as direções do. olhar. Sensação do corpo oposta à do exercício anterior quando o corpo está totalmente relaxado.

Olhar preocupado: esse é um olhar que não percebe nada, está atento a um ponto invisível e variável.

O olhar

Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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O corpo acompanha com tensão nos másculos, sem mover-se.

Olhar descobridor: o olhar segue alguma coisa no espaço, uma mosca, um fio imperceptível, um pêndulo, baforadas de fumaça, etc.

Exercitar também olhar de dor, defesa, inveja, desprezo, susto, pavor, cobiça, malícia, insegurança, auto- suficiência, etc.

Esse exercício tem relação direta com o uso de máscaras pelo ator, pois quando o ator está com máscara, ainda que seus olhos não sejam percebidos, existe sempre uma paridade entre o olhar e o corpo, e é importante que se perceba isso, que se sinta as partes em que o corpo está concentrado para que, conscientemente, possa mandar energias a essa região do rosto, como se a intensidade do olhar determinasse o gestual do corpo.

Repetir esses exercícios com o corpo coberto por uma túnica e sem venda nos olhos.

Concentração interior

1. Os elementos

Como vimos, o olhar nos leva para fora, traz o mundo exterior para nosso interior, modifio e diversifi- cando-o.

Propomos agora exercícios opostos, isto é, ficar com os olhos e o rosto vendados, usando para isso “máscaras transparentes”, de tule ou tecido leve, ou simples vendas nos olhos. O ator, assim isolado de estímulos externos, às cegas, e sentindo na pele o toque de uma máscara, deve trabalhar a partir de seu interior com os conceitos que tem dos elementos e da natureza.

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Mover-se de acordo com os elementos:

a) Terra. Fazer movimentos que tenham a ver com o fixo, a base, o solo, o que (aparentemente) não se move. Movimentos relacionados com a parte mais sólida do nosso corpo (ossos, músculos).

b) Ar. Respirar e sentir o ar penetrando o corpo. Sentir o espaço e mover-se nele. Fazer movimentos sutis (como o pensamento, o que volatiliza, o etéreo). c) Agua. Sentir a saliva. Sentir a sensação de estar

engolindo líquidos. Ser água. Água externa ao corpo, que o arrasta; água que cai, pesa. E o frió. d) Fogo. Sentir o calor em nosso corpo através da

palma das mãos. Fogo é o que aquece, sobe, destrói, transforma.

Os elementos fogo, terra, água e ar existem tanto na natureza como dentro de nós, em nosso organismo. Esse exercício, aparentemente simples, exige muita concentração. À medida que nos concentramos, os estímulos mentais são assimilados pelo corpo.

Repetir o exercício sem venda nos olhos, mas cobrindo o corpo e a cabeça com túnicas, para maior liberdade de ação.

2. Sobre a natureza e os animais

A partir do exercício anterior, seguir improvisando com movimentos ligados à natureza: onda de mar, cascata, folha, tronco, fogo queimando árvores, árvores se retorcendo, passarinhos voando. Deixar que o grupo crie seus próprios estímulos buscando também inspiração no movimento dos animais.

Esses exercícios são uma preparação do corpo do ator para o uso de máscaras. Diz-se que a máscara se transfor-

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ma naquilo que vê, isto é, ela reflete o que o ator pensa e sente no momento que a veste. Ao sentir o vento, ver um arco-íris, defrontar-se com uma montanha alta e rochosa ou dunas de areia, a máscara espelha o vento, o arco-íris, a montanha, as dunas. Se o estímulo for calor, há uma transferência da sensação de calor para a máscara; se o estímulo for um som, sente-se o som no rosto; conseqúen- temente, essas energias refletem-se na máscara e o corpo do ator reagirá. A mesma sensação será repassada para o público.

As partes do corpo

Deitar sobre um colchonete e relaxar o corpo.

Tencionar perna esquerda e braço direito. Alternar e relaxar.

Tencionar da cintura para cima e relaxar da cintura para baixo. Alternar.

Tencionar o corpo e manter o rosto tranqiiilo. Relaxar. Tencionar os músculos da face e relaxar o corpo.

Deixar uma emoção qualquer acumular-se dentro de si (alegria, raiva, tédio, medo, curiosidade, etc.). Expressá-la no rosto. Manter a expressão congelada, criando assim uma máscara muscular. Mantê-la o máximo possível. Relaxar. Repetir o exercício para cada uma dessas sensações, fazer uma pausa e concentrar na sensação oposta. Por exemplo, da alegria, passar para a tristeza; do medo, para a descontração, tranqüilidade, etc. O corpo todo acompanha a sensação estampada no rosto, mas o trabalho aqui deve ser o de expressar essa sensação apenas através dos músculos faciais, mantendo o corpo tão neutro quanto possível.

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Os opostos

1. Rosto exposto (corpo coberto)

Dois atores escolhem sensações opostas. Por exemplo, empáfia e humildade, insegurança e auto-suficiência, desprezo e admiração. Cobrem o corpo com uma túnica. Concentrar-se para que cada um consiga expressar a sua emoção através do rosto. Quando estiverem prontos, isto é, com a “máscara” da emoção esculpida no rosto, apresentar-se ao grupo, disposto em círculo. Os atores encaram o público, olhando um a um (olho no olho), expressando-se pela máscara facial e pelo olhar. Depois de encarar todos do grupo, posam no centro, por alguns segundos, evidenciando-se os contrastes entre ambos. Saem de cena para evidenciando-se concentrar na troca de papéis.

Repetir o exercício.

2. Corpo exposto (rosto oculto)

Os mesmos atores tiram suas túnicas e, com o corpo descoberto, cobrem a cabeça com um capuz. Combinam entre si os temas que vão interpretar. Depois, concentram- se para fazer agora um trabalho de expressão corporal. Entram no círculo e contracenam um com o outro. O jogo agora é entre eles, não com o público. Num certo momento, congelar. Trocar de papéis (eles têm alguns segundos de pausa para se concentrar em seus novos papéis). O jogo continua. Repetir momentos de congelamento e momentos de troca de papéis.

3. O todo (rosto e corpo)

De capuz, sem túnicas, voltar a fazer o mesmo exercício com troca de papéis e momentos de congelamento.

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Num dado momento, sem aviso, o diretor retira os capu- zes e os atores continuam o exercício trocando sempre de papéis e com momentos de congelamento em situações mais críticas. Nesse jogo corporal surgem, às vezes, movi- mentos muito expressivos.

O jogo dos opostos enfatiza partes do corpo (rosto e corpo, pernas e braços, mãos e rosto) e, ao mesmo tempo, a necessidade de expressão de todo o corpo. Com o corpo coberto, o ator concentra-se no olhar; mesmo estando oculto por uma túnica não significa que o corpo não participe, ao contrário, ao ser visualmente anulado, sua energia con- centra-se no rosto.

Esse exercício nos leva também a refletir em que medida o corpo serve à máscara, nesse caso, a máscara

»

Rosto exposto (corpo oculto) Rosto oculto (corpo exposto)

Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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facial criada pelo ator. Ou, em que medida se deve anular o corpo para maior concentração de energia no rosto, isto é, na máscara.

No exercício inicial (rosto exposto), em que o ator se confronta com a platéia, ele precisa de muita concentração. É um momento difícil, pois a tendência é se deixar levar pelo público. O objetivo desse exercício é o ator manter-se dentro do personagem por ele criado, apesar dos estímulos externos contraditórios. A dificuldade está em encarar a platéia. E preciso atraí-la sem se deixar levar ou se envolver com ela, mantendo a “máscara”. Esse é também um treinamento para o “mostrar-se”, mantendo distanciamento com o público.

O confronto ator/platéia, que surge através da troca dos olhares, reforça a máscara ou desconcentra o ator? Como neutralizar o olhar da platéia para não se envolver, para manter a própria máscara? O jogo dos opostos reforça a máscara?

Sejam quais forem as dúvidas e as dificuldades, esses exercícios procuram desenvolver a concentração. Por meio deles procura-se mostrar a necessidade de se trabalhar o corpo e o rosto, separada e simultaneamente. O fato de o corpo estar coberto por uma túnica, ou o rosto oculto por um capuz ou máscara, não significa que não participem; ao contrário, partes do corpo quando não visíveis reforçam a expressão das partes expostas, pois ocorre uma concentração maior de energia.

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O ator em máscara

Cena de A Benfazeja, conto de João Guimarães Rosa. Montagem da Pesquisa Teatro de Animação, 2001. Foto de Angela Garcia.

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X áscara é o que transforma, simula, oculta e reve- JL la. Se bonecos, imagens e marionetes representam o homem, a máscara é sua metamorfose. Por sua rigidez, prende o momento, registra e fixa o essencial, mais per- manente. O rosto humano está sujeito a instabilidades emocionais, reflete o interior da alma e facilmente se deixa trair. Já a máscara é como um rosto sem interior. Ao vesti- la, o ator assume sua parte racional e sensitiva, assim como constrói o seu corpo.

Por que a máscara vem sempre associada ao teatro, aos ritos, à magia? E o que é teatro, rito, magia?

Teatro é o que acontece num determinado momento e espaço, onde alguma coisa se transforma através de movimentos, gestos, palavras e, ao se transformar, modifica o ambiente e as pessoas à volta. Um ato teatral acontece quando o indivíduo que o executa modifica-se, colocando outra personalidade em seu lugar. E outro o seu tom de voz, outra sua aparência, trata e representa outra coisa que não a simples rotina. O personagem surge quando o ator deixa de ser simplesmente o que é para aparentar ou simbolizar algo além de si mesmo. O teatro existe desde que o homem passou a sentir esse tipo de necessidade, necessidade de sair de si, de se despersonalizar, de se disfarçar, de escapar do dia-a-dia para expressar outras maneiras de ser. Seja em rituais ou no teatro, experiências desse tipo sempre existiram, desde os primórdios.

Num ritual, o homem, em máscara, transforma-se em deus, em animal, em forças cósmicas. A máscara provoca transformações imediatas, com ela a pessoa passa de sua condição para outra. E magia porque magia é um fe-

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nômeno que surge quando duas realidades diferentes, mesmo opostas, são conectadas. A máscara, sendo um ob- jeto material, também representa algo não material.

Os rituais, aos poucos, foram sofrendo

transformações e tornando-se cada vez mais espetaculares. Mas no ritual ou no teatro, a máscara continuou representando forças, conceitos, idéias abstratas. O que antes eram deuses transformou-se em personagens-arquétipos.

A máscara esteve sempre presente nas manifestações espetaculares do Oriente, na origem do teatro grego, nas grandes tragédias e depois nas comédias; des- sacralizada, foi levada às ruas pelos mimos. É parte das festas populares, das cerimonias religiosas e profanas, com o intuito de reverenciar ou simular, assustar ou brincar. Nos folguedos, representa liberação de forças sociais anárquicas. É riso e contestação.

No teatro, com o surgimento do gênero literário, o homem, representado na figura do ator, passa a ser o centro. A máscara é assim praticamente abolida do teatro europeu, tornando-se objeto cenográfico, objeto de cena e, para as artes, um objeto estético. No início do século XX, no entanto, por influência da arte abstrata africana e do teatro oriental, em reação aos excessos do Realismo, ela retorna enquanto símbolo. E parte do teatro simbolista.

Para Maeterlinck, a máscara atenua a presença do homem no palco. Os futuristas usaram-na contracenando com objetos. Está presente nos experimentos cênicos da Bauhaus; Meyerhold, em seus laboratórios, utiliza-se dela para exercícios de movimento do corpo no espaço. E, dentro de uma nova concepção de interpretação teatral, passou a ser usada também.

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Ainda que a máscara tenha perdurado no tempo, a sua conceituação mudou. Se antes, no ritual, o portador de urna máscara sentia-se habitado por forças e deuses, hoje, para o ator contemporâneo, ela não tem a mesma significação.

Símbolo, cenografia ou personagem, a máscara continua instrumento fundamental do trabalho teatral.

Mas por que é a máscara considerada instrumento no treinamento do ator quando, na verdade, o que ele (pelo menos num primeiro impacto) sente ao usá-la é uma grande sensação de desconforto? De pronto, ao vesti-la, percebe uma limitação no seu campo visual, a respiração é dificultada e a voz ou se distorce ou perde a força. Em compensação, o espaço à sua volta toma outras dimensões, o simples mover do corpo exige uma atenção tal que, para mínimos gestos, exige-se muita concentração. A máscara leva à conscientização do corpo, tornando o ator muito sensível aos estímulos físicos que o cercam. Por isso ela é fundamental para sua formação, principalmente quando o ator pretende se expressar através de personagens materiais, inanimados.

O treinamento em máscara exige tempo, paciência e muita concentração. Pode ser feito por etapas. E a primeira etapa são exercícios com máscara neutra.

Máscara neutra é uma máscara sem expressão, branca ou de cor indefinida; em si, nada representa. A máscara neutra é o oposto da individualidade. Através dela o ator começa a se perceber e aprende a desvencilhar-se de sua própria personalidade. Despoja-se de si, abrindo espaço para o personagem. Entra no vazio. E o ser antes de qualquer definição. Em máscara neutra percebe-se o ponto zero, momento de energização e de escuta que antecede

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a ação, pausa antes do agir. Mas esse é apenas um momento fugaz, pois assim que recebe algum estímulo exterior, essa neutralidade cessa. E ao sair do estado neutro a máscara reage, sem “pré-conceitos”, e, assim desprevenida, age como se percebesse o mundo pela primeira vez. Trabalhar com máscara neutra leva o ator a perceber as nuanças entre o seu matéria ou objeto (estar), o seu estado-orgánico (ser) e o seu estado-racional (analisar, deduzir).

A etapa seguinte é o treinamento com máscaras expressivas. As máscaras expressivas representam tipos, são personagens que pedem um gestual próprio e inspiram situações determinadas. A percepção do espaço à volta, dos objetos e de outros personagens fica mais clara. E o momento da contracena.

Máscaras abstratas levam o personagem para algo além das qualidades sociais, enfatizam o movimento e a forma, são metafísicas.

Para o uso de máscaras - neutras, expressivas ou abstratas - existem certos requisitos. Para começar é preciso concentração, tranqüilidade, disponibilidade para deixar de lado o seu eu e, sem pré-conceitos, assumir o desconhecido. E o começo de uma transformação. Afinal, não é essa a função do teatro?5

As máscaras podem ser classificadas por sua forma, pelo material com que são confeccionadas ou tamanho. De acordo com a forma, elas podem ser neutras, expressivas ou abstratas. As expressivas subdividem-se em realistas e exp ressumis tas - usando aqui uma classificação muito generalizada (as realistas imitam a realidade, as expressionistas apontam e exageram determinados tipos). De acordo com o material com que são confeccionadas, podem ser rígidas ou maleáveis. As rígidas são construídas de madeira, metal, couro, tecido, papel maché, plástico, isopor. As maleáveis podem ser feitas de tecido ou couro fino, espuma, látex. De acordo com o tamanho podem ser faciais (cobrindo todo o rosto), meia- máscara (só a parte superior do rosto), parciais (nariz, orelha, partes do corpo), ou corporais (corpo inteiro).

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?

A máscara em seu estado-objeto

asearas neutras, propriamente, não existem. Há nelas sempre algo que as torna únicas e diferentes. É complicada a modelagem e confecção de uma máscara totalmente neutra, pois o neutro absoluto não existe. Para os exercícios a seguir, portanto, o que se recomenda é que sejam usadas máscaras sem características marcantes, máscaras que não determinem nenhum personagem e tenham uma unidade grupai.

Começar pela observação de um conjunto de máscaras colocadas sobre uma mesa ou tatame.3 Notar a diferença entre o ser e o estar. Em seu estado-objeto, a máscara não é. Não tem vida. Apenas está sobre a mesa ou sobre o tatame.

Para os primeiros exercícios, o ator deve escolher a máscara que melhor lhe sirva, que melhor se adapte ao seu rosto. O elenco de máscaras oferecido ao grupo deve ser bem variado. Elas devem ser escolhidas pelo conforto, como se escolhe uma luva ou um sapato. A melhor máscara é a que melhor se adapta ao rosto, como uma prótese. E quanto mais leve, melhor.

Na escolha de uma máscara neutra, antes de tocá- la, pode-se medi-la com o olhar e assim, por aproximação,

Material necessário: máscaras transparentes, máscaras neutras, máscaras expressivas, objetos para contracena, roupas pretas ou neutras para os atores.

O ideal seria, numa fase anterior a esta, realizar uma outra oficina, de confecção de máscaras, na qual se possa construir pelo menos uma máscara neutra para cada ator, a partir de seu próprio rosto. Na impossibilidade disso, pode-se prover máscaras preconstruídas.

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antecipar a que melhor se adapte ao rosto de cada um. Para tocádas existem regras. As máscaras devem ser pegas pelas laterais, nunca colocar a mão na parte frontal de urna máscara e nunca deixá-las viradas, com o nariz sobre a mesa, muito menos jogadas no chão. Experimentar tantas quantas forem necessárias, visando antes de tudo ao conforto.

1

*

A máscara em estado-objeto

Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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O ato de usar urna máscara exige do ator urna ati- tude de concentração e neutralidade. O momento em que se toma a máscara que está sobre urna mesa, para colocar o rosto em sua parte côncava, é o início da passagem da máscara-objeto para a máscara-orgánica, ponto inicial de sua animação. Notar a diferença que existe entre colocar a máscara no rosto e colocar o rosto na máscara. Colocar o rosto na máscara significa sair de si, entrar no desconhecido.6

Depois que os atores escolhem as máscaras, precisam de um tempo para se acostumar a elas para passar para o estágio do ator em máscara, quando então a unidade máscara/ator torna-se realidade.7

Nesse momento, o ator deve começar um relaxamento e, para isso, pode traçar um círculo de giz à sua volta, sentar-se e ai permanecer por algum tempo de olhos fechados. O ato de traçar o círculo de giz ao redor de si é um ritual que separa o estar em si e o estar em máscara, é uma preparação para se abrir espaço, criar dentro de si um vazio. É um momento importante para o início do trabalho. Momento interior neutro.8

A máscara em seu estado-orgánico

A máscara vai passar agora de seu estado-objeto para um estado-orgánico. Isto é, de simples objeto colocado so-

Antes de o acor vestir a máscara ou introduzir nela seu rosco, se se tratar da mesma pessoa que a construiu, essa pessoa já esteve dentro dela, pois, ao construí-la, o mascareiro já a habita.

Espelhos neste momento não são indicados, pois não é a aparência que importa, mas a sensação de conforto e abandono da própria personalidade. Há uma estreita relação entre a máscara e o pensamento zen. Sobre o assunto, ver David Feldbush, “Zen and che Actor”, em TDR, Nova York, NYU, s/d.

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bre uma mesa passa a fazer parte do estado orgânico do ator. E o princípio orgânico mais fundamental é a respiração.

O ator deve estar em repouso, como que adormeci- do, mas consciente, principalmente consciente de sua respiração que deve ser percebida através da máscara. A máscara assim adquire dele movimentos quase impercep- tíveis de respiração. A impressão que se tem então é de que a máscara vive, respira. E uma respiração suave, lenta, ritmada.

Temos aqui o princípio básico da máscara teatral: não apenas está como também é. Vive. Um objeto vivo em cena diferencia-se de todo objeto inerte. Por isso, a máscara em cena deve dar sinais de vida, seja pela respiração, pela concentração de seu olhar ou por seus movimentos.9

9

Esse exercício, aparentemente simples, é complicado, pois exige muita concentração e tempo para chegar a ter efeito.

O estado-orgânico. Exercício da respiração

Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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A máscara em seu estado-animal

Como vimos, a máscara em repouso, ou em estado neutro, não significa estar ausente. Aparentemente quieta, ela está atenta e disponível a qualquer estímulo externo. O momento neutro é sempre um momento fugaz. O ator em máscara, ao perceber qualquer ruído ou movimento, reage imediatamente, voltando-se em direção a esse estímulo. Sua reação manifesta-se através de todo o corpo. A impressão que o ator em máscara deve dar é de que ele vê e ouve com todo o seu corpo. Estado-animal é o sentir e reagir a estímulos externos.

A máscara age por impulsos e pausas. Ao perceber qualquer som, luz, calor, o ator em máscara deve reagir imediatamente. Registrado e absorvido o estímulo, o ator deve expressá-lo em movimentos sutis, que imprime à máscara. Se o estímulo for de calor, transferir a sensação de calor; se o estímulo for um som, sentir o som no rosto. O corpo acompanha sempre a máscara, não se expressa separadamente dela. Ao receber um estímulo, o ator ma

Reação aos estímulos externos. 0 estado-animal Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

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nifesta-o na máscara, suspendendo por alguns segundos a sua respiração. Faz um leve movimento de pescoço e imediatamente o corpo reage, indo em direção ao estímulo; o olhar também focaliza essa direção. Ao ir em direção ao estímulo, seus movimentos devem ser muito económicos. Essa economia é conseguida através de contínuas repetições do exercício, pois, através da repetição, o ator toma consciência dos movimentos desnecessários.

A máscara em seu estado-racional

Estado-racional é o estado de perceber, deduzir, manifestar. Nesse estágio os exercícios vão além da simples reação física. A máscara, depois de perceber o estímulo e reagir corporalmente, vai perscrutá-lo e descobrir do que se trata. Identificando-o, expressa sua reação.

Ao receber um estímulo, a máscara exterioriza-o também através do olhar. Aqui pode ocorrer a triangulação, isto é, um olhar de conluio lançado ao público. Imediatamente segue-se a reação corporal, isto é, o ator se desloca para aproximar-se e verificar melhor a causa da perturbação. Nesse ir em direção ao estímulo, não são necessários mais do que três ou quatro passos e, no total, entre o perceber, ir em direção ao estímulo, conferi-lo e reagir, não deve haver mais do que cinco ou sete movimentos.

Nesse exercício, cada detalhe deve ser analisado. Tudo deve ser feito pausada e lentamente. A mudança do movimento normal para o lento ressalta a intenção da ação; o superlento ressalta o estático; e o estático ressalta a essência.8 O objetivo é descobrir e usar apenas os movimen-

s

Observar a relação entre o rosto de um ator estático e o ator em máscara, entre este e figuras rígidas, entre a máscara e o boneco. Ou, amda, entre bonecos ou máscaras e os símbolos.

(51)

tos essenciais. Voltar ao ponto inicial. Dissolver. Repetir a mesma ação e a mesma reação várias vezes. Voltar ao pon' to inicial. Repetir. A cada repetição os movimentos vão sendo enxugados e a ação e intenção da máscara tornam- se claras.

A máscara neutra não toma nunca atitudes precon- cebidas. Age sob estímulos, somente. Os estímulos podem ser físicos (sonoros, visuais, táteis, etc.) ou mentalmente criados.

Estímulos físicos

a) Sonoros

Provocar estímulos concretos. Por exemplo, o toque de uma campainha, uma pedra que cai, uma janela que bate, som de vozes longínquas, etc. No processo dos exer- cicios, quanto mais óbvios e reais os estímulos, mais claro é o foco e mais direta a reação.

b) Estímulos visuais e táteis9

Partir da máscara em seu estado-orgânico, neutro, em repouso. Exercitar a respiração. Pedir que os atores fechem os olhos para que não percebam que objetos vão sendo colocados à sua volta.10 Num certo momento, esses objetos são percebidos pelo tato ou por sons que despertam as máscaras. Assim que a máscara perceber o objeto, deve imediatamente reagir, deixando-se invadir por ele, sendo o objeto, sutilmente refletindo os seus movimentos. O objeto deve ser perscrutado pela máscara como alguma coisa vista e descoberta pela primeira vez. Um ator em máscara, ao ver um objeto, deve sentir-se como que tomado, invadido por ele. E fascinante observar o grupo

9

Nesse exercício inicia-se uma percepção mais aguçada dos objetos, o que será retomado no capítulo 4-

10

Essa é uma tareia do diretor de oticina.

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descobrindo formas, cor, movimentos, textura e sons dos objetos. A cada descoberta a máscara reage, incorporan- do as qualidades que descobre fora de si.

c) A máscara e o objeto

O mesmo que o exercício anterior, só que o ator em máscara não em repouso, mas em pé, de maneira a poder locomover-se para aproximar-se ou tocar os objetos. Partindo de seu estado neutro, percebe objetos à sua volta (cadeiras, escadas, livros, uma sucata de ferro, um tecido leve e transparente, etc.). Nesse trabalho de percepção

&

A máscara e o objeto. Primeiros contatos Laboratório 0 ator e seus duplos, 2000. Foto de Berenice Farina Rosa.

(53)

«N e

cios objetos, fazer movimentos simples: girar a cabeça, de* ter o olhar, caminhar em direção ao objeto, tocá-lo. Para cada uma dessas ações, descobrir movimentos básicos, nunca mais do que em cinco tempos. Eliminar o supér- fluo. Importante é perceber onde um movimento começa e onde acaba; perceber o espaço, o tempo.

d) Outros estímulos

Repetir os exercícios anteriores, agora com estímulos de luz, calor, vento ou sons de uma melodia ou poema.

A sequência desses exercícios pode ser uma cena coletiva improvisada, em que todas as máscaras do grupo comecem a interagir.11

Estímulos mentalmente criados

a) Máscara penteia-se enquanto se observa num espelho.

b) Máscara procura agulha perdida sobre uma mesa. c) Máscara lê.

d) Chuva bate forte na janela, máscara assusta-se, vai em direção a ela, estende o braço e fecha a janela.

e) Cozinhar: mexer lentamente uma colher dentro de uma panela, parar, provar a comida, continuar.

0 Andar normalmente. De repente, ver um precipício ou uma porta que se fecha, um tijolo que cai, um cachorro que late, etc.

g) Telefone toca, máscara olha para o telefone, estende o braço, pega o gancho atendendo, ninguém fala. Máscara estranha, desliga. Telefone

11

Em todos esses exercícios é importante que o grupo possa ver o que está acontecendo. Dividir o grupo e alternar entre os que vêem e os que trabalham.

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novamente toca, máscara simplesmente o olha, não atende.

h) Entrar numa estação, ver o trem que chega, atrapalhar-se ao tentar passar pela catraca, olhar atónito diante do trem que fecha suas portas e se afasta da estação.

i) Um grupo de máscaras num ponto de ônibus. Atitude de espera, cansaço. As máscaras olham fixamente na direção de onde se supõe vir o ônibus, ou têm um olhar vago, impreciso; ocasionalmente, algumas máscaras esbarram entre si, levemente se notam, mas voltam a concentrar-se na direção de onde o ônibus deve vir. Finalmente, este chega. As máscaras assumem todas um foco único; percebe-se assim, através delas, a aproximação do ônibus.12

Máscara X máscara + objeto

Nesse exercício, é importante observar o início, ou seja, o ponto neutro inicial. Estar em estado neutro é não pensar e, ao mesmo tempo, colocar-se em estado de alerta, um estado da mais aguçada percepção, pronto para receber e reagir a todo e qualquer estímulo externo. As reações devem ser imediatas e as ações precisas.

No jogo de cena entre duas máscaras existe sempre uma que percebe o estímulo primeiro, reagindo pronta-

12

Interessante é trabalhar a ação e reação com máscaras de grupo. Pode ser uma multidão anónima e desintegrada, sem nada em comum; o povo de um determinado local, determinada classe social ou raça, com preocupações e objetivos comuns; um grupo de pessoas num ponto de ônibus, numa tila de mercado, etc. As máscaras de grupo podem ser iguais, uniformizadas ou diferenciadas por sexo, idade, cor.

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