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O teatro de objetos considerações sobre sua dramaturgia

No documento o Ator e Seus Duplos (páginas 168-173)

ara se criar um roteiro ou montar um espetáculo de teatro de objetos, existem dois caminhos: partir do objeto, partir de um tema ou de um texto teatral. Partir do objeto é mais fácil e, normalmente, para o iniciante,

esse é o primeiro passo. Para partir de um tema ou texto é preciso ter os objetos adequados. Em todos esses casos, é necessário ter uma sensibilidade acurada para a seleção dos objetos e a percepção de suas peculiaridades e significados. Qualquer tema, fato ou texto, pode ser abordado com objetos. A dificuldade, ou a criatividade, está na escolha dos objetos apropriados às situações e às idéias colocadas, uma tarefa que exige sensibilidade e humor.20 E preciso descobrir sua peculiaridade e decidir em que medida podem servir aos nossos propósitos. Ao escolher-se um objeto para uma determinada cena, deve-se sempre perguntar o porquê desse objeto e o que ele realmente significa na situação em que está colocado.

Mas, seja uma dramatização inspirada no próprio objeto, seja uma dramatização a partir de um texto clássico, o momento primeiro em que o objeto é posto em cena é muito importante, pois deve ser percebido como personagem e não como simples objeto funcional. E por ser essa uma

linguagem dramaticamente ainda incomum, a sua

apresentação deve ser muito clara.

As ações também devem ser sempre muito objetivas para que temas e metáforas fiquem claros. No teatro de objetos tudo deve ser mostrado. Nada é psicológico. Sentimentos só podem ser mostrados em suas causas, não em si. Se um objeto-personagem está triste, é preciso mostrar a causa de sua tristeza. Importa o que se vê, o impacto da ação. Sua dramaturgia baseia-se no visual, nos movimentos, no aspecto plástico e material dos seus personagens. E um teatro simbólico mas não hermético.

“Só quem se abandona simples e totalmente ao objeto de sua percepção poderá experimentá-lo esteticamente”, E. Panofsky, O significado nas

arles visuais, cit.

A dramaturgia do teatro de objetos é igual à de qualquer texto dramático. No primeiro momento, temos a apresentação dos personagens e suas situações; no según- do, o conflito; no terceiro, as situações se resolvem, ou se dissolvem em conseqüentes transformações. Em outras palavras, nesse tipo de teatro perduram as mesmas regras de qualquer apresentação teatral: há um primeiro momento neutro, seguido por momentos de conflito; e um momento final com soluções e transformações. No teatro de objetos - diferentemente do teatro visual, que veremos mais adiante - uma história é contada, existe um conflito e soluções. O objeto aí é uma metáfora da problemática cotidiana do homem.

Contos, poemas ou textos do teatro de ator podem ser encenados com objetos. Todo texto, literário ou dramático, é em si a condensação de uma ideia. É só ter clara essa ideia e partir, então, na busca dos seus equivalentes cênicos para expressá-la por meio de símbolos e metáforas.

O objeto é real. Representa a realidade não simplesmente por suas funções, mas pelos muitos significados que pode transmitir.

No teatro convencional de ator, o objeto é apenas um acessório, ocupa lugar secundário; no teatro de objetos, ele é o protagonista.

Jacques Templeraud, do teatro Manarf, trabalha só e sem texto. Sem palavras, comunica-se o tempo todo com o público, que considera um dos três principais elementos que formam seu teatro, juntamente com os objetos e o ator. As dificuldades de uma apresentação sem texto, com objetos apenas, apoiando-se na comunicação com o pú-

blico e nas situações que eventualmente possam ocorrer, constituem, ao mesmo tempo, sua própria força, pois tudo é decorrente das emoções comuns que surgem entre ator e público. Em Giglo I, Jacques Templeraud conta a história de Chapeuzinho Vermelho. Ele interpreta o papel de Giglo, um palhaço silencioso que prepara um jantar para amigos.

É um espetáculo para ser degustado com todos os sentidos. Trata- se de uma epopeia sem palavras. U a história de Chapeuzinho Vermelho em cinco atos. Chapeuzinho é uma maçã verde. O lobo é uma cabeça de bacalhau fresco, que cheira como todo lobo. A avó é uma batata cozida. A mãe, em sua versão, não tem muita importância. O caçador é a própria mão de Giglo, que segura um pequeno fuzil de verdade. Uma ópera acompanha todos os ingredientes. Cómico e satírico.45

Denis Pondruel, artista e engenheiro francês, funde teatro, escultura e mecânica. Constrói máquinas teatrais que, segundo ele, situam-se entre teatro e artes plásticas. Pondruel diz-se inserido no teatro de objetos por ser esse um gênero de teatro não-figurativo. “Interesso-me pelos

objetos”, diz ele, “principalmente por seu

comportamento”.46

Para Pondruel, o teatro é esse meio capaz de mostrar transformações, e o tempo da representação teatral é o tempo das modificações que a matéria e as pessoas sofrem. O movimento em si não cria a sensação de vida, ou seja, a animação, mas cria uma relação. As máquinas teatrais de Pondruel são de diferentes tipos: máquinas tipo relógio, tipo bomba, máquinas

45

Ver Ana Maria Amaral, Teatro de formas animadas (3a

ed. São Paulo: Edusp, 1997), pp. 218-219.

46

D. Pondruel, “La bombe et 1’horloge”, em Puclc, na 2, Charleville- Mézière, Institut International de la Marionnette, 1989.

sem perenidade, máquinas lingüísticas e máquinas pro gramadas.

As máquinas tipo bomba são autodestrutivas; ao se transformarem, transformam-se totalmente, são puro motor.

As máquinas tipo relógio não mostram seu motor, mas apenas as suas conseqüéncias, os ponteiros.

Um exemplo de máquina sem perenidade é um giz que se autodestrói à medida que se apresenta. Pondruel cria a história de um giz apaixonado por uma lousa que, à medida que a toca, ou que entra em contato com ela, se liquida, morre de paixão.

Nas máquinas lingüísticas, o objeto equivale à palavra, quando em movimento compõe a frase, e o conjunto dos movimentos compõe o texto. Com essas máquinas ele apresentou Othelo e El Cid.

Em sua versão de El Cid, tudo, ou quase tudo, é metálico. A fatalidade, cega e surda, toma a forma de uma enorme roda de aço que rola ameaçando o que encontra pelo caminho. Don Gómez, ao ser esbofeteado por Don Diego, é uma haste que se levanta e atinge um alvo. Jimena é um guindaste mecânico que coloca, com mãos articuladas de ferro, Rodrigo sobre trilhos para que caminhe em direção à luta que deve travar contra os mouros. Cada peça aciona, no final de sua intervenção, a engrenagem seguinte, e a ação dramática nunca é interrompida. O texto é a programação das máquinas que criam o desenrolar da tragédia.

Em Othelo, o ciúme é provocado e mostrado por meio dos movimentos de um martelo, que exacerba as paixões até destroçar os rostos das estátuas que representam Othelo e Desdêmona, projetadas em placas de vidro. A tensão é

levada até à angústia e esta não se libera senão quando as placas se rompem, os estilhaços voam e as efigies se par- tem. A maquinaria então para e entra em repouso.

Com o tipo de máquina programada ele montou

Romeu e Julieta.

Nesse projeto utilizo dois braços de robôs industriais, um muito grande, outro menor. O pequeno está encarregado de seguir metodicamente os contornos de uma pequena escultura, o busto de uma jovem com um rosto muito feminino, escolhido pela delicadeza de seus traços. O grande braço, acoplado eletronicamente ao menor, reproduz no espaço os traços virtuais ampliados desse rosto. Os braços devem “dançar” evocando o respectivo corpo. Agrada-me que as máquinas sigam os contornos de um rosto, criando uma espécie de coreografia.47

O teatro do objeto-imagem - considerações sobre

No documento o Ator e Seus Duplos (páginas 168-173)