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PARTE I: O TAYLORISMO E OS DILEMAS DA RACIONALIZAÇÃO DO

4. A fábrica, a máquina e a intervenção humana

4.3 As possibilidades da maquinaria

Nesse sentido, a distinção entre o aumento da produtividade decorrente do desenvolvimento do processo social de produção e aquele que se origina da exploração capitalista desse processo exige o desnudamento dos elementos que transformam meios de facilitação do trabalho em meios de tortura do trabalhador. Tarefa complicada se levarmos em conta que a maquinaria é produto do capital, e mais do que isso: ela é sua “base técnica adequada” que lhe permite firmar-se sobre seus próprios pés. Como afirma Marx, “a figura autonomizada e estranhada que o modo de produção capitalista em geral confere às condições de trabalho e ao produto do trabalho, em contraposição ao trabalhador, desenvolve-se com a maquinaria até converter-se numa antítese completa” (MARX, 2013, p. 504)34. Disso resulta que a maquinaria traz consigo um outro fenômeno, a revolta brutal do trabalhador contra o próprio meio de trabalho, ou seja, contra a máquina, vista como “modo material de existência do capital” (MARX, 2013, p. 499). Por isso, segundo Marx, “foi preciso tempo e experiência até que o trabalhador distinguisse entre a maquinaria e sua

aplicação capitalista e, com isso, aprendesse a transferir seus ataques, antes dirigidos

contra o próprio meio material de produção, para a forma social de exploração desse meio” (MARX, 2013, p. 501).

Ao colocar a necessidade de distinção entre a maquinaria e a “sua aplicação capitalista”, Marx nos traz para a seguinte questão: qual é a especificidade da “forma social” capitalista de explorar a maquinaria? E, por contraste, quais são as possibilidades de reconfiguração dessa base técnica numa sociedade emancipada? Vejamos as indicações nesse sentido. Marx começa o capítulo a respeito da maquinaria com uma passagem de John Stuart Mill, na qual o autor duvida que as “invenções mecânicas” tenham propiciado qualquer alívio na “faina diária de algum ser humano”. Logo em seguida, Marx observa: “mas essa não é em absoluto a finalidade da maquinaria utilizada de modo capitalista” (MARX, 2013, p.445). Sua finalidade – como qualquer outro desenvolvimento da força

34 Além de “antítese completa”, Marx fala em “antítese direta”: “o meio de trabalho liquida o trabalhador.

Sem dúvida, esta antítese direta aparece de modo mais evidente quando a maquinaria recém-introduzida concorre com a tradicional produção artesanal ou manufatureira. No interior da própria grande indústria, no entanto, o melhoramento constante da maquinaria e o desenvolvimento do sistema automático produzem efeitos análogos” (MARX, 2013, p. 504).

produtiva do trabalho no capitalismo – é “baratear mercadorias e encurtar a parte de jornada de trabalho que o trabalhador necessita para si mesmo, a fim de prolongar a outra parte de sua jornada, que ele dá gratuitamente para o capitalista”. Em resumo, “é meio para a produção de mais-valor” (idem, ibidem). Se relembrarmos a discussão apresentada na primeira seção deste capítulo, não temos, até aqui, nenhuma novidade.

Como consequência dessa finalidade, Marx apresenta um limite para o emprego da maquinaria: “considerada exclusivamente como meio de barateamento do produto”, seu uso é restringido pela diferença entre o valor da máquina e o valor da força de trabalho por ela substituída (MARX, 2013, p. 466). Aliás, esse limite é que explica a lenta mecanização de ramos de produção onde a força de trabalho é mal remunerada, como a indústria canavieira no Brasil. Não seria necessário, mas Marx faz questão de adicionar a seguinte nota na segunda edição de O capital: “numa sociedade comunista, portanto, a maquinaria teria um

campo de atuação totalmente distinto do que tem na sociedade burguesa” (MARX, 2013, p.

466). Assim, já podemos extrair aspectos no que se refere à finalidade capitalista: a maquinaria não objetiva aliviar o fardo de quem trabalha, mas aumentar a extração de mais- valia – e só é empregada nesse caso.

Por contraste, então, poderíamos dizer que numa sociedade emancipada do capital, a maquinaria seria um meio de atenuar fardo do trabalho, e não de incremento da sua exploração – e que o critério para a sua aplicação seria esse, e não o critério da valorização. A limitação da jornada seria, dessa forma, um aspecto importante desse desenvolvimento para além do capital, já que “a supressão da forma de produção capitalista permite limitar a jornada de trabalho ao trabalho necessário” (MARX, 1996, p. 156). Além disso, a ausência de uma classe exploradora, somada à “simplificação do trabalho” propiciada pelo desenvolvimento técnico, permitiria uma distribuição mais equilibrada do trabalho social entre os indivíduos e, consequentemente, um novo reforço nessa tendência à diminuição da jornada, liberando maior quantidade de tempo para a “livre atividade espiritual e social dos indivíduos”35.

35 “Dadas a intensidade e a força produtiva do trabalho, a parte da jornada social de trabalho necessária para a

produção material será tanto mais curta e, portanto, tanto mais longa a parte do tempo conquistado para a livre atividade espiritual e social dos indivíduos, quanto mais equitativamente for distribuído o trabalho entre todos

Até aqui, a defesa das “conquistas científicas” do taylorismo não colocam nenhum problema, e podem mesmo ajudar a diminuir o tempo de “tortura”. Porém, essa “alternativa” é ainda limitada. Em primeiro lugar por fatores que contrabalançam a tendência à redução da jornada, ainda que ela se reduza à parte “necessária”: um conjunto maior de necessidades a serem satisfeitas, numa sociedade pautada pela abundância, e a necessidade de “fundo social de reserva e acumulação”36. Mas o limite maior é ainda outro:

a redução da jornada não toca no “esvaziamento” do trabalho promovido pela aplicação capitalista da maquinaria. A redução da jornada diminui o tempo de tortura, mas não devolve ao trabalhador o conteúdo do trabalho. Em outros termos, não “revoluciona” as relações de produção, mesmo que pressuponha, teoricamente, a inexistência de uma classe que expropria o trabalho alheio. Tal formatação dos processos de trabalho rompe com a finalidade capitalista de valorização, mas não toca no caráter capitalista de seus fundamentos: a separação entre o trabalhador e sua atividade, ainda que os meios de produção estejam formalmente sob seu controle. Muda-se o “sinal de classe” do processo de trabalho, sem se colocar em questão sua transformação interna. Quando Marx fala em “aplicação capitalista” da maquinaria, deve-se entender mais do que o ímpeto pelo lucro privado, mas a forma de ser do capital enquanto relação social de subordinação do trabalho. Dito de outra maneira, a forma capitalista de exploração da maquinaria traz consigo esses fundamentos do capital e o fato de que, no capitalismo, a maquinaria ao invés de “facilitar” o trabalho, o intensifica, é apenas a sua contradição mais visível.

A contradição de fundo colocada pelo “uso capitalista” da maquinaria – e de todo avanço tecnológico aplicado à produção – é que quanto mais desenvolvidas e amplas são as “potências espirituais” do trabalho, mais impotente e subordinado é o trabalhador individual. Nesse ponto, a reflexão de Lenin passa longe e, por isso, ele chega a falar da subordinação de todos trabalhadores a vontade de um só como um imperativo técnico – e não como um imperativo da técnica no capitalismo. Para Marx, no entanto, até mesmo pela

os membros capacitados da sociedade, e quanto menos uma camada social puder eximir-se da necessidade natural do trabalho, lançando-a sobre outra camada” (MARX, 1996, p. 157).

36 “Permanecendo constantes as demais circunstâncias, este último [o trabalho necessário] ampliaria seu

espaço. Por um lado, porque as condições de vida do trabalhador tornar-se-iam mais ricas e suas exigências vitais maiores. Por outro, porque parte do atual mais-trabalho contaria como trabalho necessário, a saber, o trabalho necessário para a criação de um fundo social de reserva e acumulação.” (MARX, 1996, p. 156).

importância ocupada pelo trabalho no conjunto do seu pensamento, o encaminhamento é outro. Posto que Marx não era um crítico unilateral do desenvolvimento tecnológico, o problema estava na forma social de sua exploração que a coloca como “inimiga” do trabalho.

O fato de que, com o sistema de máquinas, “a eficácia da ferramenta é emancipada das limitações pessoais da força de trabalho humano” não é problemático para Marx. Pelo contrário, esse desenvolvimento amplia os horizontes do intercâmbio humano com a natureza e pode permitir a satisfação de um conjunto maior e mais refinado de necessidades humanas. No entanto, segundo sua perspectiva, é absolutamente problemático o fato de que esse desenvolvimento, ao invés de potencializar o desenvolvimento pleno do indivíduo produtor, transforma-o numa “fonte de erro” subordinada a um mecanismo ditatorial infalível. Marx deixa clara essa diferença quando compara e diferencia duas descrições da grande indústria mecanizada feitas pelo – já citado – Dr. Ure:

O dr. Ure, o Píndaro da fábrica automática, descreve-a, de um lado, como “a

cooperação de diversas classes de trabalhadores, adultos e menores, que com destreza e diligência vigiam um sistema de maquinaria produtiva movido ininterruptamente por uma força central (o primeiro motor)” e, de outro, como “um autômato colossal, composto por inúmeros órgãos mecânicos, dotados de consciência própria e atuando de modo concertado e ininterrupto para a produção de um objeto comum, de modo que todos esses órgãos estão subordinados a uma força motriz, semovente”.

Essas duas descrições não são de modo nenhum idênticas. Na primeira, o

trabalhador coletivo combinado, ou corpo social de trabalho, aparece como sujeito dominante e o autômato mecânico, como objeto; na segunda, o próprio autômato é o sujeito, e os operários só são órgãos conscientes pelo fato de estarem combinados com seus órgãos inconscientes, estando subordinados, juntamente com estes últimos, à força motriz central (MARX, 2013, p. 491).

Após enfatizar que na primeira descrição o “trabalhador coletivo combinado” é o sujeito dominante e o mecanismo autônomo é o objeto, enquanto na segunda descrição a relação se inverte, Marx conclui: “a primeira descrição vale para qualquer aplicação

possível da maquinaria em grande escala; a outra caracteriza sua aplicação capitalista e,

por conseguinte, o moderno sistema fabril”. E é por isso, segundo Marx, que o Dr. Ure – um defensor da maquinaria, mas também do capital – prefere apresentar a máquina central “não só como autômato, mas como autocrata” (MARX, 2013, p. 491). Quando Marx fala que a primeira descrição vale para “qualquer aplicação possível” da maquinaria, ele

certamente pensa no futuro para além do capital, em que o homem – ou, para ser mais rigoroso, o trabalhador coletivo – seria o sujeito dominante e a máquina deixaria de ser o autocrata. Mas, para isso, não é suficiente – ainda que absolutamente indispensável – uma mudança de estatuto da propriedade das máquinas e de todos os meios de produção, através de um governo proletário da sociedade; é preciso alterar o próprio processo de trabalho.

A possibilidade dessa transformação é colocada pelo próprio desenvolvimento do sistema baseado na maquinaria. Isso porque o desenvolvimento que “emancipa” o autômato mecânico das limitações físicas da força de trabalho individual, também permite a superação do “fundamento técnico sobre o qual repousa a divisão de trabalho na manufatura”, isto porque a fábrica automática impõe uma tendência à “igualação ou nivelação dos trabalhos” e quebra a “hierarquia de operários especializados que caracteriza a manufatura”. Isso significa que, se a introdução de maquinaria representa uma simplificação do trabalho manual, por outro lado, ela não impõe, por ela mesma, a fixação dos trabalhadores em tarefas parciais. Pelo contrário, ela coloca a possibilidade de uma atividade mais “polivalente”, continuamente negada pelo capital. É nesse sentido que Marx afirma:

Embora a maquinaria descarte agora, tecnicamente, o velho sistema da divisão do trabalho, este persiste inicialmente como tradição da manufatura, por hábito, na fábrica, para ser, depois, reproduzido e consolidado sistematicamente pelo capital

como meio de exploração da força de trabalho de forma ainda mais repugnante.

Da especialidade por toda a vida em manejar uma ferramenta parcial surge, agora, a especialidade por toda a vida em servir a uma máquina parcial. Abusa-se da maquinaria para transformar o próprio trabalhador, desde a infância, em parte de uma máquina parcial (MARX, 1996, p. 55).

É a aplicação capitalista – no seu sentido profundo – que subordina o trabalhador ao mecanismo, tornando-o impotente e reduzindo seu papel a uma função fixa e reduzida37. E

a prova de que a dinâmica poderia ser pensada de forma distinta é o próprio capital quem oferece, desde que o imperativo da valorização coloque a necessidade de transferir

37 “À medida que a própria maquinaria coletiva constitui um sistema de máquinas variadas, atuando ao

mesmo tempo e de modo combinado, a cooperação nela baseada exige também uma divisão de diferentes grupos de trabalhadores entre as diferentes máquinas. Mas a produção mecanizada supera a necessidade de fixar à moda da manufatura essa divisão por meio da apropriação permanente do mesmo trabalhador à mesma função. Como o movimento global da fábrica não parte do trabalhador, mas da máquina, pode ocorrer contínua mudança de pessoal sem haver interrupção do processo de trabalho” (MARX, 1996, p. 54).

trabalhadores de uma máquina a outra, ou mesmo empurrar massas operárias inteiras de um ramo de produção a outro. O fato de que o desenvolvimento da grande indústria abra essas possibilidades e ao mesmo tempo as negue como forma de controle do trabalho pelo capital é apresentada por Marx nos termos de uma “contradição absoluta”:

Por meio da maquinaria, de processos químicos e de outros métodos, ela [a indústria moderna] revoluciona de forma contínua, com a base técnica da produção, as funções dos trabalhadores e as combinações sociais do processo de produção. Com isso, ela revoluciona de modo igualmente constante a divisão do trabalho no interior da sociedade e lança sem cessar massas de capital e massas de trabalhadores de um ramo da produção para outro. A natureza da grande indústria condiciona,

portanto, variação do trabalho, fluidez da função, mobilidade, em todos os sentidos, do trabalhador. Por outro lado, reproduz em sua forma capitalista a velha divisão do trabalho com suas particularidades ossificadas. Viu-se como essa contradição absoluta elimina toda tranquilidade, solidez e segurança na situação de

vida do trabalhador, ameaçando constantemente arrancar-lhe da mão, com o meio de trabalho, o meio de subsistência e torná-lo, com sua função parcelar, supérfluo; como essa contradição desencadeia um ritual ininterrupto de sacrifício da classe

trabalhadora, o mais desmesurado desperdício de forças de trabalho e as devastações da anarquia social. Esse é o lado negativo. Mas, se a variação do

trabalho agora se impõe apenas como lei natural preponderante e com o cego efeito destrutivo de uma lei natural, que se defronta com obstáculos por toda parte, a grande indústria torna, por suas catástrofes mesmo, uma questão de vida ou morte

reconhecer a mudança dos trabalhos, e portanto a maior polivalência possível dos trabalhadores, como lei geral e social da produção, adequando as condições à sua

realização normal. Ela torna uma questão de vida ou morte substituir a monstruosidade de uma miserável população trabalhadora em disponibilidade, mantida em reserva para as mutáveis necessidades de exploração do capital, pela disponibilidade absoluta do homem para as exigências variáveis do trabalho; o

indivíduo-fragmento, o mero portador de uma função social de detalhe, pelo indivíduo totalmente desenvolvido, para o qual diferentes funções sociais são modos

de atividade que se alternam (MARX, 1996, p. 115-116).

Nesse sentido, a análise de Marx não indica o parcelamento e o esvaziamento do trabalho como uma necessidade técnica da grande indústria forjada pelo capitalismo, mas exatamente o contrário: tecnicamente tal necessidade é progressivamente eliminada e se mantém pela permanência da própria dinâmica capitalista que precisa preservar a impotência do trabalhador individual frente ao mecanismo que o incorpora. Por isso, a grande indústria moderna produz o sacrifício da classe trabalhadora e a “anarquia social” – esse é o seu “lado negativo” – mas, por outro lado, coloca as possibilidades para que a “maior polivalência possível dos trabalhadores” seja reconhecida como “lei geral e social da produção, adequando as condições à sua realização”. Seguindo essa lógica, o one best

way taylorista não representa um avanço no desenvolvimento do processo social de

produção, mas um retrocesso pela petrificação de sua exploração capitalista, que se legitima pelo estudo científico dos elementos contingenciais que decorrem dela – movimentos do trabalho, sistemas de incentivo, etc.

Por isso, enquanto o desenvolvimento da maquinaria abre contradições do capitalismo, o taylorismo busca, ao contrário, fechá-las e, assim, não há “sinal de classe” a ser invertido, pois esse sistema nada mais é do que o próprio sinal. De certa forma, da grande indústria para o taylorismo, existe uma distância (em termos de significado) semelhante os dois momentos da ciência burguesa (a economia política, especificamente) que Marx distingue: os clássicos e os vulgares. Os clássicos, apesar (e às vezes justamente por isso) de pressuposições ideológicas burguesas, exprimem contradições da realidade capitalista. Já no caso dos “vulgares”, os interesses de classe se sobrepõem ao interesse científico, e o que predomina é uma análise superficial e legitimadora da sociedade burguesa – ao invés de exporem contradições, lutam conscientemente por escondê-las. A grande indústria e a tecnologia (sua ciência) desenvolveram e, ao mesmo tempo, abriram as contradições do capitalismo – absolutas, para Marx –, já o taylorismo, simplificando os aspectos gerais dessa dinâmica e os transformando em vulgata organizacional, buscou escondê-las ou administra-las “cientificamente”. Nesse ponto, é sintomático que Lenin tenha defendido o ensino do taylorismo nas escolas, ao passo que Marx exaltava a “ciência da tecnologia” e defendia seu “ensino teórico e prático” nas escolas dos trabalhadores (MARX, 1996, p. 116). A aparente semelhança entre as posições esconde uma diferença essencial: o taylorismo aparecia, para Lenin, como uma forma de ensinar a trabalhar de acordo com os critérios da tarefa imposta, enquanto, para Marx, os conhecimentos politécnicos auxiliariam na superação do “indivíduo-fragmento” e do trabalho reduzido a gestos mecânicos.

***

Até aqui tratei os dilemas da racionalização do trabalho num plano primordialmente teórico, apesar da necessária contextualização histórica das posições analisadas. Para avaliação específica do que ficou conhecido como “taylorismo soviético” é necessário sempre levar em conta a gravidade das dificuldades organizativas e econômicas que

exigiam recuos e desvios em relação aos princípios emancipatórios que pautavam o processo revolucionário. No entanto, a análise das posições de Lenin antes da revolução e das elaborações de Gramsci e do grupo do L’Ordine Nuovo mostra que, ainda que fosse em última instância transitório, o taylorismo ocupava um lugar decisivo e estratégico – e não apenas emergencial – na tentativa de liberação do trabalho e mesmo da integração entre suas dimensões manual e intelectual. Além disso, é preciso destacar a ausência de indicações dos elementos – mesmo embrionários – necessários a uma reconfiguração da forma taylorista de divisão técnica do trabalho, deixando a “contradição primária” do modo capitalista de produzir para um enfrentamento distante ou, talvez, para uma dissolução natural e espontânea.

Em função desta lacuna, tanto em território soviético quanto nos países capitalistas, os processos reivindicatórios ligados ao questionamento da divisão “técnica” do trabalho nas fábricas foram relegados a um papel secundário, quando não classificados como reações “selvagens” e desorganizadas. Nos países de capitalismo avançado, a prioridade será dada à tentativa de amenizar e, principalmente, compensar os elementos mais brutais dessa dinâmica, através de aumentos salariais. Na URSS, as indicações mais “utópicas” do futuro apostavam, na verdade, numa radicalização dos princípios tayloristas de redução da iniciativa individual em benefício de um mecanismo perfeito e autônomo. Assim que, na década de 1920, a utopia de Gastev em torno de um “coletivismo mecanizado”, fundado na uniformidade e na ausência de qualquer traço de personalidade (BAILES, 1977, p. 378), foi aceita como orientação oficial do governo e contou com o apoio de Lenin (idem, ibidem, p. 382).

Apesar disso, os imensos problemas do aparelho produtivo soviético e a constante resistência da parte dos operários e de setores do próprio partido comunista confluíram para uma mudança de rumos que se integrava com elementos mais gerais da “virada stalinista”, na passagem para a década de 1930. Nesta conversão, o apagamento do indivíduo operário, visto como autômato submisso a um sistema maior, passou a ser considerado um traço nefasto do capitalismo, enquanto na terra do socialismo o trabalho deveria carregar as marcas da personalidade e os trabalhadores poderiam se transformar em verdadeiro “heróis”, tendência que se consolidou com a emergência do movimento stakhanovista a

partir de 1935. No entanto, tratava-se de uma virada superficial, fortemente marcada pelo voluntarismo e pelo terror stalinistas, cujos limites apareceram rapidamente e levaram a crise do movimento, que, no entanto, manteve um papel importante, sobrevivendo como um “mito” no interior da ideologia do trabalho soviética. São esses processos e os dilemas que os acompanharam que trataremos no restante desta tese.