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5 A REGULAMENTAÇÃO NO CPC/1939

5.2 A RECORRIBILIDADE DOS DESPACHOS INTERLOCUTÓRIOS

5.2.5 As preclusões e os despachos interlocutórios

Neste ponto do trabalho, aborda-se um ponto fundamental: as preclusões decorrentes da ausência de interposição de recurso contra os despachos interlocutórios, estudo voltado a saber se as questões decididas podiam ser reanalisadas posteriormente pelo próprio juiz ou em sede de julgamento de recurso contra a decisão final.

José Frederico Marques, analisando o cabimento de agravo no auto do processo contra o despacho saneador, advogava a tese do seu efeito preclusivo quanto às questões decididas, mas excetuava as matérias que pudessem ser alegadas em qualquer tempo ou instância. O agravo no auto do processo seria o meio para evitar tais preclusões280.

Posicionamento semelhante era encontrado na obra de Pedro Batista Martins, atualizada por Alfredo Buzaid, segundo o qual a ausência de interposição de agravo no auto do processo contra o despacho saneador implicava preclusão e impedia a rediscussão das matérias decididas, exceto se houvesse nulidade insanável, como a violação à coisa julgada281.

Galeno Lacerda, tratando do despacho saneador, trazia entendimento similar, defendendo que a existência de preclusão dependeria da natureza da questão decidida e detalhando a sua visão sobre as preclusões e os despachos saneadores decisórios282.

O autor enfrentava a questão com base na sua esquematização acerca das nulidades, que

279 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, vol. IV, p. 232/233.

280

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, vol. IV, p. 232. Em sentido semelhante: SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas do direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1967, 2v, p. 225.

281

MARTINS, Pedro Batista. Recursos e processos da competência originária dos tribunais. Alfredo Buzaid (atualizador). Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957, p. 315.

282 Galeno Lacerda falava também em despachos saneadores ordinatórios, que seriam aqueles voltados à ordenação da marcha do processo, no sentido de suprimento ou não de determinado vício, até que sobreviesse o despacho saneador decisório. Os despachos saneadores ordinatórios, na sua visão, seguiam a regra da irrecorribilidade dos interlocutórios e podiam ser revistos pelo prolator (LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1953, p. 160/161).

seriam de três espécies: absolutas, entendidas como infrações de norma imperativas que visavam interesse público; relativas, qualificadas como violações a normas imperativas, mas protetoras do interesse das partes; anulabilidades, caracterizadas como infrações a normas dispositivas em relação à parte. As preclusões das decisões interlocutórias, isto é, das não terminativas, dependeriam da disponibilidade das partes quanto à questão decidida, de sorte que, sendo ela indisponível, a ausência de interposição de recurso não seria capaz de impedir a reanálise da matéria, inclusive pelo próprio juiz prolator283.

Como partia da análise da disponibildade, para Galeno Lacerda, de uma forma geral, só as infrações caracterizadas como anulabilidades poderiam ter o seu reexame vedado, caso a parte não interpusesse o recurso cabível. Como só neste caso estar-se-ia dentro da esfera de disponibilidade da parte, só nele a aquiescência manifestada pela ausência de recurso impediria o reexame da questão284.

Em sequência, Galeno Lacerda defendia que o art. 289 do CPC/1939285, que impedia a reanálise das questões decididas, era aplicável somente àquelas ligadas ao mérito do pedido. No entanto, ainda quanto às questões de mérito, o autor utilizava como critério a disponibilidade das partes. Assim, entendia que as questões de mérito ligadas exclusivamente à relação material, que comportariam disposição pelas partes, uma vez decididas por decisão interlocutória não recorrida, não poderiam ser reexaminadas, inclusive em outro processo, como a que repelisse a alegação de coisa julgada ou outra “defesa baseada em fato extintivo do pedido”. Por outro lado, haveria questões de mérito que interessariam à relação processual: possibilidade jurídica do pedido e legitimidade ad causam (condições da ação que, na visão de Galeno Lacerda, comporiam o mérito). A ausência de recurso contra a decisão interlocutória que repelisse tais alegações não vedaria a reanálise de tais matérias, pois elas não estariam no campo da disponibilidade das partes286.

Seabra Fagundes era expresso ao sustentar que, caso não houvesse a interposição de agravo no auto do processo, a questão decidida no despacho saneador não poderia ser

283 LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1953, p. 160/161.

284 Sobre a regra geral acerca da ausência de preclusão quando a questão decidida pela interlocutória fosse qualificada como nulidade absoluta ou relativa e a irrelevância da ausência de recurso nestes casos, para fins de reexame da questão: LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1953, p. 161/164. 285 Em sua redação original: “Art. 289. Nenhum juiz poderá decidir novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I – nos casos expressamente previstos; II – quando o juiz tiver decidido de acordo com a equidade determinada relação entre as partes, e estas reclamarem a reconsideração por haver-se modificado o estado de fato”. O Decreto-Lei n. 4.565/1942 deu nova redação ao artigo, promovendo mudanças no inciso II: “Art. 289. Nenhum juiz poderá decidir novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I, nas casos expressamente previstos; II, quando o juiz tiver decidido, de acordo com a equidade, determinada relação entre as partes, e estas reclamarem a revisão por haver-se modificado o estado de fato”.

reexaminada em sede de apelação, sem excetuar nenhuma matéria. O autor também defendia que as decisões irrecorríveis por agravo de instrumento ou no auto do processo poderiam ser reapreciadas no julgamento da apelação287.

Odilon de Andrade defendia que, havendo previsão de agravo contra qualquer despacho interlocutório, a ausência de interposição de recurso impossibilitava a rediscussão da matéria decidida. O autor era expresso, ainda, ao aplicar esse raciocínio ao despacho saneador, ressaltando que a falta de impugnação recursal obstaria a renovação das questões por ele decididas288.

Liebman, tratando da possibilidade de modificação das decisões interlocutórias, defendia três regras básicas: a) se ela fosse recorrível, a ausência de recurso tornaria inviável a sua modificação; b) a confirmação da decisão, pelo julgamento do recurso cabível, também impediria a sua alteração; c) sendo irrecorrível, o avanço do processo poderia impedir a reanálise da questão decidida quando o progresso na marcha fosse tal que atingisse uma “situação que seria incompatível com a modificação”. Nos demais casos de decisões interlocutórias irrecorríveis, o magistrado teria liberdade para alterá-las289.

Quanto às preclusões em virtude da ausência de apresentação de agravo contra despachos interlocutórios recorríveis, eram mais corretas as lições de Seabra Fagundes, Odilon de Andrade e Liebman, pois defender a reapreciação de questões decididas, mesmo que ausente o recurso contra o despacho interlocutório, era tornar inútil a previsão recursal290.

Além do mais, segundo a visão deste trabalho, dizer que há questões que podem ser conhecidas a qualquer momento não equivale à possibilidade de que tais matérias sejam

rediscutidas a qualquer momento, ainda que sem recurso, isto é, entende-se que há matérias

cuja ausência de alegação não gera preclusão e que podem ser decididas a qualquer momento. No entanto, uma vez decididas e passíveis de recurso, a inércia do legitimado impede a sua

287 FAGUNDES, M. Seabra. Dos recursos ordinários em matéria civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946, p. 361/362.

288 ANDRADE, Odilon de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946, vol. IX, p. 292/294. No mesmo sentido: LIMA, Alcides de Mendonça. A recorribilidade dos despachos interlocutórios no Cód. de Proc. Civil. Revista Forense, Ano 54, v. 173, 1957, p. 83/84; REZENDE Filho, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil. Benvindo Aires (atualizador). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1960, vol. III, p. 55/56.

289 LIEBMAN, Enrico Tullio. Decisão e coisa julgada. Revista Forense, Ano 44, vol. 109, 1945, p. 332. Neste trabalho, não se concorda com a ideia de que o fato de a decisão ser irrecorrível permite ao magistrado revê-la a qualquer tempo. Na visão deste trabalho, somente a partir da alteração do contexto fático que justificou a decisão interlocutória é que seria possível a modificação da decisão.

290 Sobre a possibilidade de rediscussão da questão decidida e não impugnada por recurso equivaler à inutilidade da previsão de agravo para a hipótese, conferir: ANDRADE, Odilon de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946, vol. IX, p. 293; FAGUNDES, M. Seabra. Dos recursos ordinários em matéria civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946, p. 361; LIMA, Alcides de Mendonça. A recorribilidade dos despachos interlocutórios no Cód. de Proc. Civil. Revista Forense, Ano 54, v. 173, 1957, p. 84.

rediscussão. Em resumo: tais questões podem ser decididas a qualquer tempo e independentemente de provocação, mas não podem ser novamente decididas quando não recorridas, apesar de sujeitas a tal meio de impugnação.

Destaque-se, ainda, como bem fez Seabra Fagundes291, que as preclusões quanto à rediscussão dos despachos interlocutórios não estavam ligadas somente à ausência de impugnação por agravo no auto do processo, mas seus efeitos alcançavam também as questões decididas que, sujeitas a agravo de instrumento, não eram impugnadas por esse recurso. Desta forma, por exemplo, inadmitida a intervenção de terceiro na causa e não interposto o agravo de instrumento (art. 842, I), esta intervenção não poderia mais ser deferida.

Questão controversa envolvia a preclusão oriunda de “decisão implícita do juiz”. Segundo Liebman, o legislador impunha a certos despachos interlocutórios uma função específica, que somente poderia ser realizada a partir de decisões sobre questões prévias. Nesses casos, a prolação destes despachos interlocutórios, mesmo que omissos quanto a alguma das questões prévias, implicaria necessariamente a decisão sobre elas, estando caracterizada uma “decisão implícita do juiz”292

.

O maior exemplo seria o despacho saneador, cuja função saneadora pressupunha a decisão sobre a regularidade do processo, nos termos detalhados no art. 294 do CPC/1939. Para Liebman, declarado saneado o processo, ainda que sem ter sido expressamente decidida alguma das questões mencionadas no art. 294, a preclusão decorrente da ausência de interposição de recurso impediria a discussão sobre todas as questões passíveis de decisão no despacho saneador, inclusive aquelas não expressamente decididas, pois elas seriam prévias à função desempenhada pelo despacho saneador293.

Desta forma, uma vez declarado saneado o processo sem ter sido enfrentada a questão da legitimidade ad causam, ela não poderia, na visão de Liebman, ser discutida em sede de apelação, caso não houvesse sido interposto o agravo no auto do processo.

Odilon de Andrade entendia que, doutrinariamente, Liebman estava correto, mas opinava em sentido contrário. Segundo ele, a prática apresentava casos nos quais os juízes, expressa ou implicitamente, deixavam para decidir na decisão final questões que, a princípio, eram para ser decididas na fase saneadora, não se podendo presumir o silêncio do magistrado

291

FAGUNDES, M. Seabra. Dos recursos ordinários em matéria civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946, p. 363.

292 LIEBMAN, Enrico Tullio. Decisão e coisa julgada. Revista Forense, Ano 44, vol. 109, 1945, p. 333. 293

LIEBMAN, Enrico Tullio. Decisão e coisa julgada. Revista Forense, Ano 44, vol. 109, 1945, p. 333. No mesmo sentido: REZENDE Filho, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil. Benvindo Aires (atualizador). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1960, vol. III, p. 56.

como repulsa a possíveis defeitos e irregularidades. Assim, o autor defendia que eventual preclusão só poderia impedir a análise daquelas questões expressamente resolvidas no despacho saneador294.

Quanto ao tema, Galeno Lacerda voltava a utilizar o critério da disponibilidade, de sorte que, para ele, só se poderia falar em saneamento implícito e impossibilidade de reexame nos casos de anulabilidade contra a qual não fora interposto recurso, além das meras irregularidades e vícios não essenciais. Nos demais casos, haveria a necessidade de motivação e a possibilidade de a decisão exigir prova em audiência. Reiterava, ainda, a ausência de preclusão quanto às questões ligadas às nulidades absoluta e relativa295.

Dentre as posições, a de Odilon de Andrade se apresentava como mais coerente, pois, na visão deste trabalho, é sempre preferível falar que as preclusões impedem a reanálise das questões decididas e, para se caracterizar uma decisão, deve haver manifestação de vontade do magistrado sobre o ponto controvertido.

Por meio deste tópico, demonstrou-se que a falta de interposição de um recurso previsto para impugnar certo despacho interlocutório tinha como efeito uma preclusão que impedia o reexame da matéria decidida, seja pelo juiz prolator ou pelo tribunal, quando do julgamento do recurso contra a decisão final.

294

ANDRADE, Odilon de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946, vol. IX, p. 294/295.