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Os conceitos de decisões interlocutórias e despachos

6 A REGULAMENTAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

6.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

6.2.1 Classificação dos atos do juiz até a Lei n 11.232/2005

6.2.1.3 Os conceitos de decisões interlocutórias e despachos

As definições dos pronunciamentos do juiz ganhavam contornos mais controvertidos quando tratavam das decisões interlocutórias e dos despachos, divergências decorrentes principalmente das redações dos arts. 162, §§2º e 3º, 504 e 522. Antes de adentrar tais controvérsias, cumpre tecer considerações acerca dos conceitos de decisão interlocutória e despacho.

Segundo o art. 162, §2º, as decisões interlocutórias eram aquelas pelas quais o juiz, no curso do processo, resolvia questão incidente. Neste conceito, portanto, não era utilizado só o critério manejado para definir a sentença (função). O art. 162, §2º valia-se, também, de outro critério: o objeto decidido. Assim, era decisão interlocutória o pronunciamento do juiz que, no curso do processo (sem encerrá-lo – critério da função), resolvia questão incidente (objeto da decisão). Logo, a definição legal de decisão interlocutória derivava da conjugação de dois fatores: ser tomada no curso do processo (sem a função de encerrá-lo) e decidir questão incidente.

Quanto ao conceito de questão incidente, José Frederico Marques a definia como a dúvida ou a controvérsia surgida no curso do processo e que era resolvida pelo juiz através de decisão interlocutória ou sentença terminativa. O incidente exigiria um acréscimo de atos processuais no procedimento e poderia dizer respeito a questões ligadas ao processo, que o juiz deveria resolver para preparar ou completar a sentença final, bem como para que o processo caminhasse sem irregularidade. Sendo isto impossível, chegar-se-ia a uma sentença terminativa. As questões incidentes também poderiam estar ligadas ao mérito, o que ocorria com as prejudiciais e as preliminares de mérito307.

As definições de sentença e decisões interlocutórias só seriam mutuamente excludentes se se entendesse que o mérito (questão principal e, portanto, não incidente) só poderia ser

307 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1975, vol. III, 2ª parte, p. 50.

julgado por sentença. Com base nesta premissa, dever-se-ia entender que a parte final do art. 162, §2º (“resolve questão incidente”) era inútil, pois as decisões tomadas no curso do

processo só poderiam decidir justamente tais questões. Caso se entendesse que o mérito não

precisaria ser necessariamente decidido por sentença, seria forçoso reconhecer uma omissão na definição legislativa, já que as decisões tomadas no curso do processo poderiam ser classificadas em dois grupos: as que resolviam questões incidentes, mencionadas na parte final do art. 162, §2º, e as que julgavam o mérito, não referidas expressamente no texto legal. A possibilidade de julgamento de mérito por decisão interlocutória é analisada mais à frente, no tópico destinado às questões controversas envolvendo o CPC/1973308.

Percebe-se, então, mais um problema nas definições dadas pelo CPC/1973, pois o legislador não seguiu um critério claro para distinguir os atos decisórios, deixando um vazio no qual se poderia questionar a natureza jurídica de uma decisão que, sem encerrar o processo, julgasse o mérito. Se se entendesse que o mérito poderia ser julgado fora da sentença, seria forçoso passar por uma interpretação contrária ao que sugeria o texto legal, incluindo “questão principal” onde se leria somente “questão incidente”.

Além das sentenças e das decisões interlocutórias, o CPC/1973 conceituava os despachos, utilizando de parâmetros também problemáticos. Segundo o art. 162, §3º, do CPC/1973, os despachos eram “todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma”.

José Carlos Barbosa Moreira era preciso ao indicar a infelicidade da definição legal, pois ela partia de um critério residual, definindo os despachos por exclusão, para, na parte final, inserir um critério formal, cujo alcance não foi bem delineado309.

Como o mencionado acima, algumas controvérsias decorriam do art. 504 e do art. 522, segundo a redação dada pela Lei 5.925/1973.

Já se viu que o art. 162, §2º cuidava das decisões interlocutórias, definindo-as como os atos pelos quais o juiz, no curso do processo, resolvia questão incidente. Já os despachos eram tidos como todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelecesse outra forma.

Por outro lado, o art. 504 tornava irrecorríveis os despachos de mero expediente e o art. 522, segundo a redação dada pela Lei n. 5.925/1973, indicava serem agraváveis todas as

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José Carlos Barbosa Moreira não aprofundava a discussão, mas mencionava que a diferença entre os conceitos de sentença e decisão interlocutória, segundo o art. 162, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, era inspirada no critério topológico de pôr fim ao processo ou ser proferida no curso do processo (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. V, p. 198).

309 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. V, p. 199.

decisões que não se encaixassem nas previsões do art. 504 e do art. 513, dispositivo este que afirmava que as sentenças eram apeláveis. Portanto, a redação do art. 522 não falava em agravo contra decisões interlocutórias, mas apenas contra decisões, excetuados os casos dos arts. 504 (despachos de mero expediente) e 513 (sentenças) do CPC/1973.

Isso fez com que parte da doutrina passasse trabalhar com a ideia de duas espécies de despachos: os de mero expediente e os demais. Nesse sentido, Egas Dirceu Moniz de Aragão, baseado em premissas utilizadas por Pietro-Castro, defendia que os despachos de mero expediente eram aqueles que visavam unicamente ao impulso processual, sem causar qualquer lesão ao direito das partes. Já os despachos que excedessem esse limite e causassem ônus ou afetassem direitos não poderiam ser enquadrados como despachos de mero expediente e eram recorríveis310.

Entendimento semelhante era encontrado na obra de Carlos Silveira Noronha, para quem os despachos podiam ser divididos em duas espécies: de mero expediente e os interlocutórios. Segundo o autor, os despachos de mero expediente eram aqueles praticados sem controvérsia entre as partes, que possuíam natureza meramente formal e que eram proferidos pelo juiz no interesse do Estado com o propósito de instaurar, desenvolver, ordenar e fiscalizar a relação processual para conduzi-la à sentença final. Esses despachos, apesar de importantes no desenvolvimento do processo, não traduziriam interesses das partes suficientes para que se permitisse a sua impugnação pela via recursal311.

Por outro lado, segundo o autor, o CPC/1973 teria conservado a nomenclatura de “despachos” para designar alguns atos que seriam mais bem encaixados no conceito de decisão interlocutória, previsto no art. 162, §2º. Para ele, eram alguns exemplos: o despacho saneador (redação original do art. 338), o despacho concessivo ou denegatório de “medida liminar” em ação de manutenção ou reintegração de posse (art. 930, parágrafo único) e o

despacho de deliberação de partilha (art. 1.022)312.

De acordo com a visão de Carlos Silveira Noronha, os despachos de mero expediente e os interlocutórios se diferenciavam pela existência ou não de controvérsia na matéria objeto de pronunciamento judicial ou pelo fato de causar ou não prejuízo às partes. Caso inexistisse controvérsia sobre a matéria objeto do despacho e não houvesse prejuízo resultante dele, tratar-se-ia de despacho de mero expediente (irrecorrível), já se estivesse presente uma das duas hipóteses (controvérsia sobre a matéria ou gravame aos litigantes), estaria caracterizado

310 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. II, p. 45.

311 NORONHA, Carlos Silveira. Do agravo de instrumento. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 223/224. 312 NORONHA, Carlos Silveira. Do agravo de instrumento. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 224/227.

o despacho interlocutório, recorrível por agravo de instrumento313.

No entanto, o próprio autor reconhecia que o intérprete, para classificar um ato, deveria se desprender da nomenclatura legal e avaliar a sua natureza jurídica. Por consequência, o autor reconhecia que os despachos interlocutórios eram, na realidade, de natureza interlocutória314.

O desapego à estrita nomenclatura legal e a busca por uma simplicidade no tratamento da matéria fazem com que este trabalho se alinhe às ideias defendidas por José Carlos Barbosa Moreira, no que dizia respeito às supostas categorias dos despachos. Para o autor, a expressão “despacho” deveria ser reservada aos que chamava de “verdadeiros despachos”, isto é, àqueles que representavam “atos de puro e simples impulso processual”, como as aberturas de prazo para manifestação, designação de data para audiência etc. Tais atos seriam irrecorríveis315.

Por outro lado, o autor defendia que os despachos, referidos implicitamente no art. 522 como integrantes de uma categoria maior (“decisões”), seriam aqueles atos com conteúdo decisório aos quais o CPC/1973 reservava, equivocadamente, a nomenclatura de despacho, como o “despacho saneador” (redação original do art. 338) e o “despacho” concessivo ou denegatório de “medida liminar” em ação de manutenção ou reintegração de posse (art. 930). Estes atos seriam típicas decisões interlocutórias e deveriam receber o mesmo tratamento jurídico delas, sobretudo quanto à recorribilidade316.

Na visão deste trabalho, era prescindível utilizar o recurso da “referência implícita”, como o feito por José Carlos Barbosa Moreira, sobretudo porque, mesmo após a alteração promovida pela Lei n. 9.139/1995, que vinculou os agravos às decisões interlocutórias, tais “despachos” continuaram sendo impugnáveis por esta via recursal. Desta forma, entende-se que era melhor simplesmente compreender que o legislador se equivocou em nomeá-los como despachos, pois eram verdadeiras decisões interlocutórias e como tal deveriam ser tratadas. Por consequência, seria possível equiparar as “decisões” do art. 522 às decisões interlocutórias.

313

NORONHA, Carlos Silveira. Do agravo de instrumento. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 223. 314 NORONHA, Carlos Silveira. Do agravo de instrumento. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 224.

315 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. V, p. 202.

316

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. V, p. 200/202. José Frederico Marques também rejeitava a criação de espécies de despachos, defendendo que “despacho suscetível de agravo, por não ser de mero expediente, é decisão interlocutória, pois do contrário não seria admissível aquele recurso (art. 522)” (MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1975, vol. III, 2ª parte, p. 43). No mesmo sentido: MONTEIRO, João Baptista. “O conceito de decisão”. Revista de Processo. Ano 6, n. 23, 1981, p. 77.

Com relação ao conteúdo decisório, cumpre antecipar uma divergência entre este trabalho e a doutrina de José Carlos Barbosa Moreira: admite-se que todos os pronunciamentos do juiz tinham, em alguma medida, conteúdo decisório, inclusive os despachos, entendendo-se também que as sentenças e as decisões interlocutórias se diferenciavam deles porque apresentavam relevância na resolução da questão. Mais à frente, o tema voltará a ser analisado.

Portanto, era desnecessária a criação de espécies de despachos, sendo suficiente partir da premissa de que o CPC/1973 nomeava como despachos certas decisões interlocutórias. Atentando-se à natureza jurídica do ato, poder-se-ia trabalhar apenas com três tipos de pronunciamentos do juiz de primeiro grau (sentenças, decisões interlocutórias e despachos), evitando-se confusões classificatórias.

Destaque-se que, em edição posterior às críticas, sobretudo as de José Carlos Barbosa Moreira e de José Frederico Marques, Egas Dirceu Moniz de Aragão ratificou a sua opinião, argumentando que as ideias defendidas pelos seus críticos levariam a três resultados inaceitáveis: a) tornavam ocioso o art. 504 do CPC/1973, já que, sendo recorríveis somente as decisões (art. 522), não faria sentido dizer que os despachos de mero expediente eram irrecorríveis, já que todos o eram; b) forçariam a leitura de “despacho” como “decisão interlocutória” somente em alguns casos, já que, em outros, a mesma expressão deveria ser entendida como “despacho de mero expediente”, ainda que sem esse complemento; c) se o intérprete somente aceitasse a ideia de que todos os despachos eram irrecorríveis e se recusasse a entender como “decisão interlocutória” o vocábulo “despacho”, acabaria sendo forçado a reconhecer que algumas “decisões”, denominadas de despachos, eram irrecorríveis317.

De fato, a negação das espécies de despachos gerava a consequência prevista no argumento de alínea a. Ao se defender a ideia de José Carlos Barbosa Moreira, é necessário reconhecer que havia redundância legislativa, pois o art. 522 seria suficiente para tornar irrecorríveis os despachos: se todos eram de mero expediente, não faria sentido manter um dispositivo específico (art. 504). Isso seria um óbice se o CPC/1973 não apresentasse outros exemplos de redundância, como ocorria com a ineficácia, em relação ao processo, da alienação da coisa litigiosa a terceiros (arts. 42 e 626) ou com a suspensão processual decorrente da apresentação de exceção de incompetência (arts. 265, III, e 306). É preciso reconhecer que, em diversos casos, a legislação apresenta dispositivos que nada acrescentam,

317 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, vol. II, p. 39/40.

pois as normas que prescrevem são igualmente extraídas de outros textos legais.

A conclusão da alínea b não era uma crítica capaz de abalar a tese defendida por José Carlos Barbosa Moreira, já que as ideias de Egas Dirceu Moniz de Aragão também exigiam que, em alguns casos, onde o CPC/1973 falasse despacho, se lesse “despacho que excede o âmbito do mero expediente”, enquanto que, em outros, a mesma expressão era compreendida como “despacho de mero expediente”. O exercício mental e a insegurança gerada eram os mesmos, modificava-se apenas o termo substituto. Além disso, a tese de Egas Dirceu Moniz de Aragão também pressupunha exercício semelhante quando pregava que, em um artigo específico (art. 522), onde se lia “decisão”, era preciso extrair interpretação que englobasse também os despachos que não fossem de mero expediente.

Por fim, o argumento previsto na alínea c não é suficiente para afastar as ideias aqui defendidas, pois cuidava de adesão parcial a elas. Neste trabalho, pressupõe-se a aceitação de todas as premissas: a de que há “despachos” com conteúdo de decisões interlocutórias, que eles recebem o mesmo tratamento delas, sobretudo quanto à recorribilidade, e que é desnecessária a criação de uma nova categoria de despachos para abarcá-los.

Já Moacyr Amaral Santos, além dos despachos de mero expediente, falava também em

despachos mistos, que seriam aqueles que diriam respeito ao desenvolvimento do processo,

mas que afetavam “direito processual de um dos litigantes” e que, por isso, eram recorríveis por agravo de instrumento. O autor dava alguns exemplos: os atos que negassem a produção de determinada prova, que mandassem ou não suprir nulidades sanáveis, que não concedessem prazo dobrado para contestação quando houvesse litisconsórcio passivo com procuradores diferentes e os que não permitissem a substituição de debates orais por memoriais, quando a causa fosse de complexidade fática que o justificasse318.

Essa categoria também não se sustentava. Primeiramente, alguns despachos mistos eram, na realidade, decisões interlocutórias, pois decidiam questões incidentes e pressupunham fundamentação, como a produção de provas, a possibilidade de correção de determinado vício e a substituição de alegações finais orais por memoriais escritos. Em segundo lugar, a não concessão de prazo de defesa dobrado para litisconsortes com diferentes procuradores poderia manifestar-se em diferentes tipos de pronunciamentos. Caso o magistrado, no despacho inicial, não tivesse atentado à existência de litisconsórcio e apenas indicasse o prazo de quinze dias para defesa, sem mencionar a possibilidade de procuradores distintos, ter-se-ia apenas um despacho de mero expediente. Nessa hipótese, se um dos réus

318 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, v. 3, p. 7.

alegasse, em tempo hábil, a irregularidade e o magistrado reiterasse o prazo simples, ter-se-ia uma decisão interlocutória, pois teria sido decidida uma questão incidente (prazo dobrado ou simples para os litisconsortes) com expectativa de fundamentação. Já se a questão fosse enfrentada mais à frente, para se decidir sobre a tempestividade das defesas apresentadas, isso poderia ocorrer tanto em decisão interlocutória (na fase saneadora, reconhecendo-se a revelia, ou indeferindo-se a reconvenção, por exemplo) quanto em sentença, que poderia, no seu interior, reconhecer a intempestividade da defesa apresentada. Por isso, era desnecessário e, em certa medida, equivocado falar em despachos mistos.

Por isso, na visão deste trabalho, era desnecessária a criação de uma subcategoria, entre os despachos, para abarcar as decisões interlocutórias que eram denominadas de despachos. Melhor seria, portanto, reconhecer a falta de técnica do legislador ao nomear alguns pronunciamentos como despachos e inseri-los no rol das decisões interlocutórias, justamente pela natureza jurídica de tais atos.

A redação original do art. 522 também refletia em divergência doutrinária para definir quais dos pronunciamentos do art. 162 poderiam ser qualificados como “decisão”.

Por conta do citado artigo, João Baptista Monteiro defendia que o termo “decisão” poderia ser encarado em sentido lato e em sentido estrito. Na acepção lata, extraída do art. 165 do CPC/1973, a expressão englobaria as sentenças, as decisões interlocutórias, os despachos e os acórdãos. Já em sentido estrito, por conta das disposições do art. 522, o termo abarcaria somente as decisões interlocutórias e os despachos319.

Arruda Alvim, por outro lado, excluía os despachos do conceito de atos decisórios. Para ele, as decisões em sentido lato eram as sentenças e as decisões interlocutórias, sendo que essas últimas correspondiam às decisões em sentido estrito. No entanto, mais à frente, o autor dividia os despachos em de mero expediente e de não mero expediente. Os primeiros seriam irrecorríveis e os outros, que teriam um “conteúdo decisório mínimo”, seriam recorríveis, já que o art. 522 falaria somente em “decisões” e a política recursal do legislador teria sido liberal320. Não parecia, portanto, muito segura a abordagem de Arruda Alvim, já que, num primeiro momento, excluía os despachos do rol dos atos decisórios e, em seguida, inseria uma suposta espécie de despacho no conceito de decisão, para fins do art. 522 do CPC/1973.

319

MONTEIRO, João Baptista. “O conceito de decisão”. Revista de Processo. Ano 6, n. 23, 1981, p. 64. Apesar de se concordar com muito do que foi defendido por João Baptista Monteiro no citado artigo, discorda-se dele em dois pontos desta afirmativa: o art. 165 não poderia ser entendido como aplicável aos despachos, já que pressuporia a fundamentação, ainda que concisa, dos despachos citatórios, por exemplo e o art. 522 não deveria ter o termo “decisão” estendido aos despachos, pois isto forçaria a subdivisão deles, sob pena de todos os despachos serem considerados recorríveis.

Em sentido semelhante, José Carlos Barbosa Moreira também retirava os despachos do conceito dos atos decisórios. Segundo o autor, as decisões interlocutórias e as sentenças poderiam agrupar-se num conjunto maior de “decisões”, contrapostas aos despachos321.

Esse trabalho defende que os despachos possuíam um conteúdo decisório mínimo, como se verá adiante. Assim, concorda-se com a divisão em atos decisórios em sentido lato (equivalentes aos pronunciamentos do juiz) e em atos decisórios em sentido estrito (sentenças e decisões interlocutórias. Todavia, não se pode negar que a doutrina majoritária não qualificava os despachos como atos decisórios322. Então, por conta do uso corrente, ressalvadas as ponderações feitas adiante, o trabalho utilizará a expressão “atos decisórios” como gênero que abarcava apenas as sentenças e as decisões interlocutórias.

Além disso, não se estende aos despachos o termo “decisão”, contido no art. 522, entendido como sinônimo de decisão interlocutória. Caso se entendesse que essa expressão abarcava também abarcava os despachos, forçosamente voltar-se-ia a criar subespécies deles, a menos que se admitisse o absurdo de que até o mais singelo despacho fosse recorrível.

Por todo o exposto, ressalvada a existência de conteúdo decisório mínimo no despacho, acredita-se que se privilegiava a coerência e a simplicidade ao se partir da premissa que equiparava as “decisões” do art. 522 às decisões interlocutórias e os despachos aos despachos de mero expediente, mencionados no art. 504 do CPC/1973. Defendendo-se essa premissa, a única questão que se mantinha pertinente era a de como se diferenciar os despachos das decisões interlocutórias, livrando-se, por outro lado, de qualquer subclassificação dos despachos, cujos grupos, muitas vezes, apresentavam nítidas características de decisões interlocutórias.